O melhor mesmo é não confiar na memória, porque a memória do povo é curta, tão curta quanto a cidadania. Fosse diferente, o Brasil não seria o que é, uma Brasília em estado bruto, embrutecido, ampliada e estuprada em responsabilidade social.
Por isso, o movimento de artistas e intelectuais que reivindicam o nome de Milton Andrade à Fundação das Artes de São Caetano é providencial, justo, meritório e, certamente, não terá do prefeito José Auricchio Júnior outra decisão senão a confirmação.
Tomara que não seja apenas uma confirmação formal da denominação Fundação das Artes Milton Andrade. A medida merece cerimônia especial, com direito a placa denominativa, a familiares presentes, a amigos e aficcionados a postos. Quem sabe até com telão com alguns dos melhores momentos de Milton Andrade como artista elástico?
E olhem que tudo isso vai contra minha natureza, de não ser chegado a lantejoulas cívicas.
Até hoje, se querem saber a verdade, não sei onde estava com a cabeça quando fui receber na Câmara Legislativa de Santo André o título de Cidadão Andreense e, um pouco depois, na Câmara de São Bernardo, a Medalha João Ramalho.
Acho que foram momentos em que não estava batendo bem, porque sou avesso a festas embora, prestem atenção os leitores, considero-as fundamentais a terceiros que mereçam.
Não fosse assim, teria sido este jornalista estúpido completo, porque ao longo de 15 anos de Prêmio Desempenho Empresarial, de Prêmio Desempenho Social e de Prêmio Desempenho Cultural, entreguei exatamente 1.718 troféus. Todos com o suporte de decisões da sociedade, na forma de Conselho Editorial, e sempre com auditoria externa à verificação das planilhas. No Prêmio Desempenho, ao contrário de tantos outros, jamais houve maracutaia. Pode ter havido e acredito que houve injustiças, de gente que eventualmente não deveria receber a premiação, de gente que foi esquecida, mas maracutaia não. Felizmente, Milton Andrade o recebeu em vida e muito antes da doença manifestar-se.
No fundo, no fundo, acho que dono de veículo de comunicação não deveria receber título algum durante o período em que está na ativa. Não faltam séquitos de puxa-sacos para lustrar o ego de quem acreditam ter o poder de oferecer contrapartidas. No Prêmio Desempenho que comandei com punhos de ferro, proprietário de veículo jamais foi agraciado. O regulamento não permitia. Fausto Polesi, que comandou a redação do Diário do Grande ABC durante mais de quatro décadas, só foi submetido à votação e alcançou o título de Imortal depois de ter deixado aquela publicação.
A melhor homenagem que costumam me prestar, se se pode chamar de homenagem o que vou revelar, é a demanda ainda grande por exemplares de “Complexo de Gata Borralheira”, um dos livros que escrevi mas sem dúvida o meu xodó literário, porque resume de forma sarcástica, abusada e politicamente incorreta uma realidade histórica do Grande ABC. São pouquíssimos exemplares de que disponho. Muitos estudantes já copiaram páginas à exaustão. Minha dúvida está entre atualizá-lo e partir para uma segunda edição ou reproduzi-lo da forma original neste site.
No caso específico de Milton Andrade, não se trata de lantejoulas cívicas a homenagem sugerida por artistas e intelectuais. Milton Andrade, que se foi no último dia primeiro de dezembro, é sinônimo de multicultura. Por isso não custa nada assegurar materialmente sua obra para a posteridade. A Fundação das Artes é pedida sob medida, porque foi seu criador, incentivador e diretor.
Recebi da agitadora cultural Dalila Teles Veras a informação do movimento pró Fundação Milton Andrade. Mais que a informação: recebi cópia da carta enviada ao prefeito de São Caetano, com duas páginas de assinatura.
A mesma São Caetano que concedeu a Milton Andrade o título de cidadania quando já se insinuava que a enfermidade que o atacara não o deixaria em paz, ou o levaria à paz inabalável, não pode deixar de acrescentar à inscrição da Fundação das Artes o nome desse itapirense rebelde. Mais que rebelde, é claro. Como escreveu em agosto de 2007 a sempre bem articulada Dalila Teles Veras: “Desnecessário aqui dizer, em especial, para os 2,3 milhões de habitantes desta região, que é Milton Andrade, seu morador ilustre que há mais de quatro décadas participa intensamente, com inteligência e ousadia, de sua vida cultura, em suas múltiplas expressões”.
Esse fragmento de texto de Dalila Teles Veras foi retirado do blog que anunciava a concessão do título de Cidadão Sulsancaetanense a Milton Andrade, por iniciativa do vereador Horácio Neto. “De tudo que realizou (como ator, administrador cultural, advogado, crítico, professor de literatura, escritor, dentro outros), Milton soube, mais do que tudo, fazer amigos. E foram eles (algumas centenas, dos mais representativos em todas essas áreas) que lotaram o auditório da Fundação das Artes na noite de ontem para aplaudir e retribuir a generosidade que Milton sempre repartiu com eles” — escreveu Dalila.
Agora é só repetir aquela festa — sem corpo mas de alma presente do grande homenageado.
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11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS