Sociedade

Região soma mais danos
que ganhos na temporada

DANIEL LIMA - 23/12/2022

O Grande ABC de sete municípios e quase três milhões de habitantes contabiliza um novo ano de mais perdas que ganhos. O balanço da temporada das arenas política, institucional, econômica e esportiva oferece cardápio de algumas conquistas e muitos fracassos.  

Temos para degustar um vatapá apropriado apenas aos paladares mais preparados. Ou melhor: aos estômagos mais resistentes.  

Talvez o mais ajuizado seria recomendar cuidados especiais. Não está fora do roteiro uma diarreia de decepção. Faltaria fraldário. Sobretudo àqueles que insistem em tentar levar o distinto público no bico da malandragem de discursos cor-de-rosa.  

Esse quadro de decepção tem se mantido assim desde muito tempo. O Grande ABC não toma jeito mesmo.  

DESINTEGRAÇÃO CUSTOSA   

O guarda-chuva de triunfalismo dos manipuladores de decisões e informações não resiste à tempestade de realidade.  

Mesmo que muitas vitórias houvessem acontecido, nada teria resistido aos estragos imediatos provocados pela crise deste final de ano no Clube dos Prefeitos  (Consórcio Intermunicipal de Prefeitos) que culminou na ruptura pós-eleição do petista Marcelo Oliveira à presidência.  

São Bernardo, São Caetano e Ribeirão Pires abandonaram a entidade dois dias após completarem-se 32 anos de criação sob a liderança de Celso Daniel. Santo André, Mauá, Diadema e Rio Grande da Serra formam a banda majoritária de votos.  

TRIBUNAL DO JÚRI 

Como se fosse um Tribunal do Júri, quem decide mesmo é a maioria. Coincidentemente sete no total.  

Nesse caso, o crime à regionalidade está configurado. E o crime não é outra coisa senão a divisão explicita na integração do Grande ABC  quase sempre subordinada ao municipalismo renitente.  

Não existe apenas um motivo ou mesmo alguns vilões específicos que colocaram fogo no que restava de atuação do Clube dos Prefeitos.  

A fermentação de uma inutilidade que persistia como falsa representatividade regional vem do passado. Mesmo os desajustes atuais têm raízes profundas.  

PARADOXO EM CAMPO 

A quebra da unidade formal também tem um aspecto paradoxalmente positivo – a possibilidade de construir modelagem que acabe com o exclusivismo dos chefes de Executivos na condução de políticas públicas. Até porque eles todos, ao longo de três décadas, foram incapazes de organizarem o Grande ABC para o enfrentamento de um mundo cada vez mais complexo.  

Isso quer dizer que o Clube dos Prefeitos é sim e deve ser contabilizado como perda desta temporada do Grande ABC, mas, também, que  o outro lado da moeda dessa mesma institucionalidade pode emergir com nova roupagem e operacionalidade.  

Certo mesmo por enquanto é que o vexame da regionalidade dinamitada terá efeitos imediatos internos e externos nas relações políticas e institucionais. Justamente quando se apresenta no mercado de contatos um novo governador do Estado e um velho-novo presidente da República – caso Lula da Silva suba mesmo a rampa.  

E A REPRESENTATIVIDADE?  

A interlocução do Clube dos Prefeitos desfalcado de mais da metade do PIB do Grande ABC ficará a cargo de um prefeito novato, sem experiência e tutelado pelos velhos caciques do PT, além do aliado Paulinho Serra, tucano que tornou o Paço Municipal ecumenicamente partidário. 

Será um exagero afirmar que o Clube dos Prefeitos, cujos representantes detestam a marca Clube dos Prefeitos, teria representatividade com apenas quatro dos sete municípios. Se já com os sete flertava com o descredenciamento efetivo, imagine então com quatro.  

Como se observa, o Grande ABC chegou a tamanho estágio de contradições institucionais que, mesmo uma entidade que se provou e comprovou incompetente para lidar com os desafios das três últimas décadas, acaba por faltar diante do descortinar de novos tempos governamentais no âmbito estadual e federal.  

MAU MOMENTO  

O desabamento da casa regional se dá justamente numa temporada político-eleitoral em que o Grande ABC elegeu sete deputados estaduais e quatro federais. É verdade que nenhum carrega a regionalidade na boleia de votos, já que se consolidaram majoritariamente de forma municipal. Mas isso não significa desprestígio prático. 

A operação mais exitosa e bem articulada entre os vencedores eleitorais do Grande ABC se deu em Santo André com a mulher do prefeito Paulinho Serra. Carolina Serra obteve praticamente 80% dos quase 200 mil votos na cidade em que se articulou uma operação de guerra para converter atuação no campo social em rentabilidade eleitoral.  

FILÃO ASSISTENCIAL  

Carolina Serra e seus assessores descobriram o filão da exclusão social de uma cidade que se empobreceu ao longo de 40 anos. Pobres e miseráveis contaram com programa assistencial que se associou a cuidados ambientais e o resultado final foi espetacular.  

Santo André voltou a ter representante na Assembleia Legislativa e até mesmo, supostamente, na Câmara Federal, com a vitória do candidato Fernando Marangoni. Mas nesse ponto cabe uma ressalva: ligado à Secretaria de Habitação do Estado, Marangoni obteve proporcionalmente exíguos votos em Santo André. É muito pouco provável que tenha cacife político para concorrer à sucessão de Paulinho Serra em 2024. Sobretudo porque o grupo político de Paulinho Serra é hegemônico em Santo André. Não sobra espaço nem para a oposição. O PT está praticamente extinto na cidade. Talvez ganhe fôlego com Lula da Silva na presidência. Se subir a rampa, claro.  

A representação do Grande ABC na Assembleia Legislativa não é, entretanto, algo a ser comemorado acriticamente.  

Em termos de proporcionalidade de eleitores da região no Estado de São Paulo, os sete eleitos têm praticamente relação semelhante. Algo como se o voto distrital estivesse vigendo.  

Também não se pode esquecer que partes expressivas de votações a alguns candidatos (Marangoni, Luiz Marinho, Alex Manente) foram contabilizados em urnas distantes do Grande ABC.  

RELAÇÕES SUPERIORES 

Se ganhou dividendos importantes no campo eleitoral com os 11 vencedores em outubro último, o Grande ABC sofreu golpe duro na representatividade junto ao governo do Estado. A derrota do tucano Rodrigo Garcia (e consequente esvaziamento do poder tucano na gestão do vencedor Tarcísio de Freitas) sinaliza que as duas alas regionais precisam pavimentar relações interpartidárias para reocupar o espaço perdido. 

Os prefeitos Paulinho Serra e Orlando Morando têm parceiros estaduais e federais distintos e isso vai influenciar nos próximos tempos na busca principalmente por espaços no governo do Estado.  

Orlando Morando perdeu mais porque tinha mais proximidade com os tucanos do Palácio dos Bandeirantes, mas relativamente teria mais proximidade com  Tarcísio de Freitas.  

VELOCIDADE REDUZIDA 

Mas não se pode colocar os laços políticos de Paulinho Serra aquém de boas possibilidades. O secretário de governo de Tarcísio de Freitas, o ex-prefeito Gilberto Kassab, terá forte influência política. Kassab tem ramificações de poder na Prefeitura de Santo André.  

Ainda é muito prematuro prescrutar os caminhos que Orlando Morando e Paulinho Serra vão de fato percorrer nas instâncias executivas do Estado e em Brasília. De qualquer forma, a constatação de que diminuíram a velocidade de aproximação com os titulares das próximas temporadas é inquestionável. Perderam terreno. As urnas estaduais e federais os atrapalharam. Tanto que não têm nenhum representante nas equipes de transição.  

PERDAS ECONÔMICAS 

Na Economia, o Grande ABC somou mais uma temporada de rebaixamento da riqueza. Os números são de 2020, os mais atualizados do IBGE, mas não serão diferentes quando o calendário gregoriano chegar a 2022. A queda do PIB Geral do Grande ABC em 2020, anunciada agora, chegou a 5,92% em relação a 2019. Mais que os 3,1% do PIB Nacional.  

Movido à indústria automobilística, levemente amenizada pela indústria petroquímica, o Grande ABC segue colecionando desindustrialização combinada com investimentos em galpões logísticos que agregam pouco valor. Além disso, os pequenos negócios varejistas seguem asfixiados com a chegada de pequenos e grandes negócios de conglomerados comerciais nacionais e internacionais. 

A competitividade seletiva é cada vez mais intensa no setor varejista e com isso cada vez mais as empresas familiares viram pó. Não há legislação que dê fôlego a uma resistência mais bem elaborada.  

MENOS EMPREGOS 

Os empregos criados pelos novos investimentos no setor de comércio e serviços são uma fração apenas do volume estratosférico dos empregos formais e informais dos pequenos negócios. Uma contabilidade ignorada pela mídia sempre servil. Somente em janeiro estará disponível o balanço regional de empregos formais na região.  

O saldo será bastante positivo nesta temporada, mas o aprofundamento no tempo é muito mais importante. Explorar vitórias parciais de saldo positivo sem levar em conta o passivo de destruição de carteiras assinadas num passado recente é um tiro no pé do entendimento da situação.  

Por mais que se tenha recuperado nos dois últimos anos, o saldo permanecerá negativo quando se estender o período de avaliação aos anos de recessão da presidente Dilma Rousseff. 

MÁ PERSPECTIVA  

Nada indica que a Economia do Grande ABC do futuro próximo será diferente do que vem sendo desde muito tempo, numa combinação de horrores que acentuam desigualdades negociais com consequentes aprofundamentos na quebra da dinâmica de mobilidade social. 

 O PIB Geral do Grande ABC, que caiu 22,5% nos seis anos contados entre 2015-2016, tendo 2014 como base de cálculos, deverá se acentuar nos próximos seis anos, com uma ou outra temporada de falsa recuperação.  

E O FUTEBOL? 

Para completar, no futebol a única boa notícia da temporada envolveu o São Bernardo Futebol Clube,  agremiação regida por controle empresarial. A equipe ganhou uma vaga na Série A-1 do Campeonato Paulista e também o acesso à Série C do Campeonato Brasileiro. 

Com o acesso estadual, vai se somar ao Santo André e ao Água Santa de Diadema no  próximo Paulistão, reservada às 16 melhores equipes do Estado. Já o acesso nacional coloca o São Bernardo como único representante no circuito brasileiro. As demais se limitam a competições no Estado.  

As quatro representações principais do futebol do Grande ABC têm modelos distintos e suscetíveis a críticas. O Água Santa de Diadema é dirigido por um grupo restrito de empresários do setor de transportes em São Paulo e alimenta desconfiança, preço da baixíssima transparência associativa.  

POBRE SÃO CAETANO  

Já o São Caetano, integrante da Série A-2 Paulista, é uma sucessão de complicações diretivas e descrédito quanto ao modelo adotado. Tanto que vai a leilão mais uma vez neste começo do ano, depois de tentativa frustrada há 15 dias.  

A dívida de R$ 90 milhões foi transformada pelos produtores de ilusões em ativos. Uma anedota sem graça. Quem comprar o passivo do São Caetano merecerá o título de benemérito do século ou de algo menos nobre. O São Caetano tem um passado que obrigatoriamente torna o presente um desencanto e o futuro um grande ponto de interrogação.  

E O SANTO ANDRÉ?  

Já o Esporte Clube Santo André, o mais transparente e associativo da região, espera há mais de um ano por um certificado de que terá a concessão do Estádio Bruno Daniel como garantia a eventuais pretendentes à compra de ações para se transformar em SAF (Sociedade Anônima do Futebol). 

O prefeito Paulinho Serra ainda não se sensibilizou com a lógica de que não haverá quem transforme intenção em decisão de adquirir o direito de dirigir o Esporte Clube Santo André sem que para tanto disponha de prioridade no uso do Estádio Bruno Daniel. Vários pretendentes já desistiram do Esporte Clube Santo André por conta disso.  

GENÉRICO INSUFICIENTE  

Por essas e outras o que se fez nos últimos meses foi um acordo típico de puxadinho com o que se convencionou chamar de genérico do Esporte Clube Santo André, o Santo André Futebol Clube, que cuidará de parte da responsabilidade das divisões de base.  

Trata-se de um parceiro doméstico apoiado pelo Paço Municipal mas sem apetrechamento estrutural e histórico para ser o que o Esporte Santo André tanto precisa para dar um salto em direção ao futuro, ou seja, um novo arranjo diretivo e empresarial que o catapulte ao mercado internacional.  

TEXTO FINAL   

Salvo mudanças de última hora, este é o último texto que preparo nesta temporada. Um ano inteiro dedicado a desvendar o Grande ABC, sempre tendo como base essencial o passado mais remoto, também escrutinado.  

Um passado que faz toda a diferença porque nada mais é que a base do presente e o ingrediente indissociável do que virá em forma de futuro.  

Com esta temporada, completamos 33 anos de circulação no Grande ABC, tempo que funde os 18 anos da revista de papel LivreMercado e os 23 anos desta revista digital. As duas publicações foram incorporadas porque jamais deixaram de ser irmãs-siameses, coordenadas e dirigidas pelo mesmo jornalista. 

313 EDIÇÕES 

É por essas e por outras que todos os assuntos relevantes que envolvem o Grande ABC passam obrigatoriamente por CapitalSocial.  

CapitalSocial carrega no ventre editorial muito mais que a informação rasa comum às demais publicações. Os leitores mergulham em conhecimento profundo, explicativo, argumentativo. Nada que seja importante para o Grande ABC deixa de receber tratamento especial de CapitalSocial. O jornalismo fastfoodiano não tem vez.  

Esta é a 313ª análise que faço na temporada e que se soma a quase oito mil textos (inclusive dos tempos de LivreMercado) do maior acervo analítico do Grande ABC. O resto, em larga escala, é jornalismo fastfoodiano, ou seja, que trata circunscritamente do presente epidérmico. 



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