Ficaria sinceramente feliz se algum jornalista pudesse comprovar que se antecipou a mim na proposta de realização de carnaval regional no Grande ABC, temário sobre o qual o Diário do Grande ABC se debruça providencialmente nestes dias, embora cometa o equívoco de suposta abordagem inédita.
É natural que o maior veículo de comunicação impressa da região cometa pecados, porque todos os jornais cometem. Principalmente porque as redações descartam e contratam jornalistas na velocidade de hélice de avião.
A bem da verdade, não custa nada reiterar e provar que foi este jornalista, na edição de 9 de fevereiro de 2005, o autor da idéia e do texto mais bem fundamentado sobre a importância de carnaval regional.
Se houver prova provada de que outro jornalista se embrenhou anteriormente por essa passarela, ficaria mesmo satisfeito porque descobriria que pelo menos em matéria de carnaval alguém pode se rivalizar comigo em questões que tratam da integração regional.
Escrevi aquele artigo em 9 de fevereiro de 2005 na coluna “Contexto”, espaço que criei assim que assumi a direção de Redação do Diário do Grande ABC, em 21 de julho de 2004. Deixei o Diário, ou o Diário me deixou, em abril de 2005. Ou seja: não tive tempo para monitorar mais de perto a possível operacionalidade daquela proposta.
Entretanto, do alto de minha sinceridade, diria que se tivesse me mantido à frente daquele jornal até hoje, duvido que a situação seria diferente e que o carnaval do Grande ABC deixasse de ter o mesmo destino de tantas outras atividades muito menos sazonais: uma manifestação explícita de separatismo territorial, com desdobramentos culturais incontroláveis. O Grande ABC não tem vocação à regionalidade em quase nada porque lhe falta capital social.
Não temos cidadania regional. Temos apenas consumidores regionais.
Tomara que agora, que as circunstâncias são outras, o requentamento do assunto pela direção editorial do Diário do Grande ABC encontre efetivo respaldo das autoridades públicas, mas não seriam apenas esses representantes da sociedade que fariam a bola rolar.
Se a comunidade carnavalesca não comprar a idéia, tudo vai para o beleleu e daqui a alguns anos, provavelmente com novos jornalistas a ocupar a Redação do Diário do Grande ABC, mais uma vez teremos a recuperação do assunto sob suposta novidade à agenda da regionalidade.
Ao final deste texto vou chamar à leitura do artigo que escrevi há cinco anos nas páginas do Diário do Grande ABC e que, mais tarde, em 5 de abril daquele mesmo 2005, repliquei na newsletter CapitalSocial Online, precursora deste site.
No dia seguinte ao texto que elaborei e que ganhou roupagem nova num editorial preparado, se não me engano, por Rita Camacho, um dos meus braços mais importantes daquela jornada profissional, o Diário do Grande ABC repercutiu a proposta. Sob o título “Consórcio discute Carnaval unificado”, a matéria assinada por Ângela Corrêa, Ilenia Negrin, Luciana Sereno e Sucena Shkrada Resk reunia vários entrevistados. Seleciono alguns parágrafos daquele trabalho:
O presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, Willian Dib, vai apresentar aos prefeitos da região a ideia de fazer um carnaval unificado. “Essa discussão será levada a todos os prefeitos no Consórcio, no sentido de contemplar cada vez mais o público e fazer dessa importante data uma festa ainda maior e mais bonita para região”, declarou Dib por meio da assessoria de imprensa. (…) A maioria dos carnavalescos das escolas do ABC abraçou a proposta e apontou o fomento ao turismo e melhoria estruturais das agremiações como os principais resultados positivos da regionalização do Carnaval a médio prazo (…) Aberta a discussão, não faltam sugestões dos sambistas. Para ensaiar a unificação, o presidente da Unidos da Vila Nogueira, de Diadema, Elpídio Madureira de Souza, sugere que haja a apoteose das campeãs de cada cidade. “O Carnaval seria mais acirrado. Haveria uma bela disputa”, avalia Carlos Lima, presidente da Raposa do Campanário, campeão em 2005 em Diadema. (…) O presidente da Palmares, de Santo André, Luís Gonzaga, acredita que a unificação do Carnaval vai espantar os “aventureiros do samba”. “Acho ótimo que a gente regionalize. As escolas que desaparecerem nesse processo não vão fazer falta. Aí nós vamos conseguir separar quem trabalha sério, fazendo trabalho de base na comunidade, de quem só fica correndo atrás de subvenção”, sustenta enfático. (…) A unificação também colocaria um breque em desfiles feitos por atacado. Neste ano, a Seci, que levou o título de campeã de Santo André ontem, e a Acadêmicos do Taí, da elite de São Bernardo, entraram nas avenidas com o mesmo desfile: samba-enredo e fantasias idênticas. Motivo: provável falta de verba para financiar dois desfiles. Como as duas desfilaram em dias diferentes, domingo e segunda-feira, as fantasias e alegorias foram reaproveitadas — escreveram os jornalistas do Diário do Grande ABC naquele 10 de fevereiro de 2005.
Hoje, 19 de fevereiro, data imediatamente após o encerramento do Carnaval, o Diário do Grande ABC traz a seguinte manchete da página do Caderno Setecidades: “Carnaval regional deve ser discutido na próxima reunião do Consórcio”. O texto é muito menor e menos abrangente que o de 2005, mas tem as mesmas digitais. Agora é o prefeito de Ribeirão Pires, Clóvis Volpi, presidente do Consórcio Intermunicipal, que promete levar adiante a proposta requentada.
Tenho sérias dúvidas sobre a execução de qualquer projeto no sentido de acabar com o divisionismo carnavalesco. O Grande ABC não prioriza nada que dê muito trabalho, por melhor que seja a intenção de quem comanda o Consórcio de Prefeitos.
Acesse o artigo que escrevi em fevereiro de 2005. Na versão original, da coluna “Contexto”, era apenas “Carnaval regional”. Virou Carnaval regional é questão de cidadania
Total de 1089 matérias | Página 1
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS