Sociedade

Quando a Justiça do Trabalhador
será também do Empreendedor?

DANIEL LIMA - 26/02/2010

Numa baita coincidência, preparava-me para escrever sobre a Justiça do Trabalho geralmente mais sensível às demandas dos empregados, quando leio no jornal Valor Econômico desta sexta-feira uma reportagem cujo título é auto-explicativo: “Empregados pagam dano moral a empresas”. Leio com avidez a matéria e chego à seguinte conclusão: há juízes cada vez mais preocupados sim com uma equivalência de forças entre reclamações de empregados e argumentos de empresas, mas o universo de resultados que acolhem representantes do capital é muito ínfimo.


Por experiência própria, e pela oportunidade que a vida me oferece de escrever em nome de pequenos negócios, afirmo com todas as letras: a Justiça do Trabalho transforma-se em Justiça do Trabalhador porque é presa de quadrilhas organizadas deliberadamente voltadas para extorquir empreendedores. Tudo sob a tutela da legislação getuliana anacrônica, detalhista e irreal, como prova a geração de mais de dois milhões de ações trabalhistas por ano, um recorde nacional. Desse total, 99,99% representam interesses supostamente contrariados de empregados.


É tão cínico o conjunto de reclamações que ex-empregados utilizam para dar vazão a incursões sustentadamente desonestas que sobra a certeza de que há no mercado fórmulas prontas para ganhar ares de veracidade. Esse tal de “assédio moral”, então, virou farra de boi sonso.


Como são coitadinhos os ex-funcionários! Eles transmitem a sensação de que viviam em campos de concentração, mesmo que fotos e filmagens provem o contrário em eventos de aniversário e de confraternização.


Consultem a Justiça do Trabalho e vejam com os próprios olhos como os empreendedores são desumanos. Há uma epidemia de assediadores morais, enquanto em horário nobre de televisão (e aqui não vai juízo de valor algum) os Big Brothers falam palavrões com a naturalidade de quem respira. O puritanismo seletivo de ex-empregados é tão sinceramente emocionante quanto a indignação de emissoras de rádio em demagógica defesa de comportamento conservador de caça às bruxas aos desiguais. O marketing travestido de intolerância pavimenta com requinte um modelo de jornalismo pernicioso.


É impressionante como tudo se repete nas peças trabalhistas. São enredos de mesmices enganadoras sem que haja na legislação nada que leve os fraudadores dos fatos à responsabilidade civil. Lembra-me um advogado amigo que há sim a contrapartida às mentiras industrializadas por ex-empregados, mas as dificuldades operacionais, os custos para o enquadramento criminal dos meliantes reclamatórios e o tempo sempre prolongado para decisões são tão complicados, dispendiosos e cansativos que nem vale a pena a iniciativa.


Já que a Justiça do Trabalho é por natureza protetora do trabalhador, daí derivando aberrações de ex-empregados facilmente capturáveis por advogados em busca de novos vilões, por que então não temos a Justiça do Empreendedor? Ou estaria equivocado ao sustentar que a Justiça do Trabalho de fato é a Justiça do Trabalhador e que, portanto, caberia perfeitamente no ordenamento jurídico uma instância que se contrapusesse à vertente do trabalho? Um exagero provocativo deste jornalista? Claro que sim, mas com a finalidade reta e direta de sustentar inconformismo.


Sei que vão argumentar que o arcabouço jurídico do País já contempla tudo isso, mas no âmbito laboral, repito, a contaminação paternalista do princípio de que o trabalhador tem sempre razão acaba por se manifestar na maioria dos casos, por mais senso de Justiça e atenção que os juízes dediquem a cada ação reclamatória.


Chegamos a tal ponto de refinamento que a maliciosidade dos defensores de ex-empregados consagra a máxima de que o melhor mesmo é inflar a reclamação trabalhista como fórmula inescapável para a obtenção confortadora de parte das demandas. É o mesmo princípio dos vendedores de quinquilharias em faróis. Eles pedem valores astronômicos e os reduzem à medida que o motorista mantém desinteresse na compra. A diferença é que a decisão final compete exclusivamente ao motorista e os vendedores não têm às costas gente especializadíssima numa nova modalidade de extorsão com proteção constitucional.


A Justiça do Empreendedor poderia ser célere e igualmente penalizadora. Não faltariam questões que colocariam ex-empregados em dificuldades. Não faltam modalidades de delitos corporativos, muitos dos quais só emergem aos olhos, ao coração e principalmente aos bolsos dos empreendedores muito tempo após as ocorrências. As quadrilhas organizadas corporativas protegem cuidadosamente seus membros. Distribuem benesses aos mais próximos e ameaça os mais resistentes de demissão. Qualquer semelhança com o modus operandi de quadrilhas organizadas nas periferias metropolitanas não é mera coincidência.


Vou citar alguns exemplos que mostram o quanto empregados não são sempre anjos nas relações trabalhistas e que nem por isso pagam por seus crimes, porque, repito, as dificuldades de denúncia e de atendimento dessas mesmas denúncias demandariam recursos financeiros e tempo geralmente incompatíveis para quem precisa manter vivo um pequeno empreendimento sem sair do foco do produto ou serviço prestado.


Chefias acumpliciadas com funcionários na industrialização de horas extras, por exemplo? Chefias associadas com funcionários para infiltrar cheques em branco em meio a cheques previamente conferidos para que assinaturas inadvertidas ganhem a forma de desvio financeiro tanto da empresa em questão como da conta pessoal do diretor. Desvios de materiais de escritório em proporções escandalosas. Uso indevido de computadores e telefones para interesses pessoais que passam ao largo do dia-a-dia corporativo. Divisionismos internos por razões pessoais que implicam em quebra de produtividade no trabalho. Associação com bandidos externos para programar assalto de vale-refeição e vale-transporte, de modo a configurar tecnicamente apenas mais um caso de segurança pública. Desrespeito a clientes e fornecedores com promessas, mentiras, manipulações e uso de nomes de terceiros para ameaças de retaliação.


São tantas as artimanhas de empregados que contribuem para a derrocada de empreendimentos -- e que não se desdobram juridicamente porque, além de protegidas por chefias manipuladoras é preciso correr atrás de recursos para manter o negócio funcionando -- que só mesmo as dificuldades de integrarem-se num plano de valorização corporativa na Justiça do Trabalho explicam o desfecho condenatório na maioria das ações trabalhistas.


Fossem as instituições empresariais menos inoperantes e caso se dedicassem a modernizar as questões trabalhistas como ponto de honra para uma reação conjunta de denúncia dos modelos descaradamente fraudadores de reclamações xerocopiadas, quem sabe a Justiça do Trabalho seria uma cidadela de amadurecimento das relações entre empregadores e empregados, não, invariavelmente, apesar de todo o esforço e competência dos juízes, a fortaleza de abusos que se perpetuam impunemente.


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