Sociedade

BBB é como futebol: tem muito
mais graça para quem entende

DANIEL LIMA - 03/03/2010

Com a experiência de uma única edição (exatamente a que está no ar) mas com o senso crítico sempre à flor da pele (porque a vida não tem graça sem questionar suas matizes) não tenho medo de dizer que o Big Brother Brasil e as transmissões de futebol são irmãos siameses: tem graça e desperta a atenção de todos que acompanham e de certa forma entendem do riscado. E o número de telespectadores bons de tela aumenta cada vez mais.


No caso do futebol, meu aprendizado é remoto, vem dos tempos de criança, com meus familiares me induzindo a torcer pelo maior de todos, que não necessariamente é o campeão de tudo.


No caso do BBB, foi a audiência de meus filhos mais jovens e a libertação da escravatura da revista LivreMercado, que consumia todos os minutos de minha vida, que determinaram minha adesão.


E sem falsos pudores, mas também sem cair no extremo de construir ídolos precários e lotar ginásios esportivos para saudá-los, afirmo com segurança que se trata de um programa fantástico para quem quer entender a vida como ela é, embora muitos imaginem que se trate apenas de falsificações comportamentais de caça ao tesouro.


Antes que leitores mais conservadores crucifiquem este telespectador do BBB, antecipo uma peça desse jogo de xadrez explicativo: não deixo de registrar uma certa porção de culpa por dedicar perto de 40 minutos diários ao programa, por isso mesmo cultivo rotina diária de muita leitura. Assim, habilito-me emocionalmente ao suposto constrangimento intelectual de acompanhar o BBB.


Trocando em miúdos: faço minha poupança cultural diária como as empresas ambientalmente responsáveis dirigem os negócios em relação ao crédito de carbono para, mais à noite, gastar com a mundanidade do BBB. Os opositores que se danem, porque recriminam o programa preconcebidamente, sem se darem a oportunidade de detestá-lo ou não após experimentar. A antiga máxima de “não vi e não gostei” prevalece entre aqueles que fecham os olhos a tudo que imaginam desaprovar.


O que mais me encanta no BBB são as articulações dos participantes. Um ou outro pode sobrepor à emoção quantidade maior de racionalidade, de jogo mesmo, mas é muito difícil me convencer que, durante todo o tempo, por conta do estresse do confinamento e das idiossincrasias do grupo, é possível resistir ao “eu” interior. Mais que isso: duvido que o “eu” interior deixe de aflorar e de esculpir o comportamento psicológico e social de cada um dos membros dessa confraria em busca de R$ 1,5 milhão.


Não bastasse o show de bola na forma de um apresentador insuperável, porque Pedro Bial é dessas espécimes humanas que aliam talento e carisma como poucos, o BBB não é obra do acaso, da seleção natural dos contendores. Está ali, isto sim, estratificada a própria sociedade.


Aqueles jovens são o espelho desse Brasil varonil com suas virtudes e contradições. O entretenimento é a parte mais visível do BBB e tem de ser exatamente assim para os telespectadores, mesmo para os telespectadores que já entenderam a mecânica dos litigantes. Mas para a Globo se trata de bem orquestrada máquina de audiência e faturamento lubrificada com extrema competência. Nada mais justo, nada mais profissional. Nada mais garantidor de que em matéria de TV o Brasil seguirá com uma emissora de nível internacional.


Também acho que a televisão brasileira deveria dar mais ênfase a questões sociais e culturais, porque de maneira geral a programação é lastimável, mas a Globo precisa ser excluída do caos. Afinal, se há algo a se tirar o chapéu na mídia brasileira é para a emissora dos Marinhos. Os conceitos, critérios e instrumentos que a levaram ao posto de maior indústria cultural do País estão muito acima da média nacional. Variáveis do BBB em outras emissoras são insuportavelmente amadores, caricatos.


Ainda não caí nem cairei na armadilha de sedução do BBB 24 horas, porque tenho muito o que fazer. Não assinaria nada 24 horas, nem jogos de meu time do coração, nem os melhores filmes produzidos pelos melhores diretores, porque a vida não pode ser monotemática, sob pena de tédio. Entretanto, reservar menos de uma hora noturna à programação é exercício de distensão emocional. Com direito a interpretar os participantes desse fenomenal jogo de interesses, de bondades, de mentiras, de manipulações, de tudo que se encontra aqui fora, nessa sociedade tão pervertida e tão ingenuamente crédula como os integrantes do BBB.


A exata compreensão da personalidade individual e dos movimentos grupais dos participantes do BBB representa muito mais que o entendimento desse jogo. Quando se percebe o papel de cada protagonista, acabamos por chegar à conclusão de que eles, invariavelmente ao longo de cada jornada, são ludibriados por si mesmos ao imaginarem que estão atuando sob determinado script, porque, de fato, são exatamente aquilo que gostariam de não ser nessa competição supostamente de encenação.


A Globo é tão cirúrgica na ocupação da casa mais vigiada do Brasil (viram como estou a repetir o bordão do Bial?) que não cometeria a tolice de levar a milhões de lares brasileiros um único padrão comportamental dos participantes. Já imaginaram que saco seria ter réplicas e réplicas do impagável Dourado, do dissimulado Dicesar, do centrado Cadu, da doce Cláudia, da combativa Lia, da extravagante Maroca, do pensador Michel, do inseguro Eliéser, do delicado Serginho e da recatada ou ex-recatada Fernanda? (Viram como conheço de cor e salteado os 10 finalistas até o paredão de ontem à noite?)


É bobo quem pensa que a Globo dá ponto sem nó lógico na disputa pela manutenção da audiência. Se os homens que dirigem o futebol brasileiro seguissem o figurino do BBB, os jogos de futebol teriam muito mais audiência. Mas aí já é uma outra história


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