Imprensa

CARTA ABERTA AO DONO DO
DIÁRIO DO GRANDE ABC (6)

DANIEL LIMA - 02/08/2023

Criei o neologismo “manchetíssima” há tanto tempo que precisei recorrer à consulta no acervo de CapitalSocial para localizar aquilo que para muitos que não entendem de jornalismo se trataria apenas de preciosismo. Não é isso. Longe disso.  

Manchetíssima é a expressão, quando contínua, agregada no tempo, suficientemente elucidativa para definir a identidade editorial de uma publicação. 

Pois sob esse ponto de vista, que é um ponto de vista central e definidor, o Diário do Grande ABC é uma publicação de identidade errante. Sobremodo desde que Ronan Maria Pinto tornou-se acionista principal. Mas nada que não tenha sido em muitos períodos anteriores.  

É importante que, da mesma forma que não se deve passar o pano hipócrita de colocar publicamente o Diário do Grande ABC num pedestal de importância, enquanto intramuros se desce a lenha, deve-se deixar de lado a idolatria quanto ao passado, na fase dos quatro fundadores. O Diário do Grande ABC jamais foi um produto bem acabado no sentido que um regionalista exigente como eu gostaria que fosse. Solavancos editoriais são uma marca do jornal ao longo dos tempos.  

ESQUIZOFRENIA  

E já que o assunto é a manchetíssima, sob condições filosóficas que explico mais à frente, a dependência gataborralheiresca do Diário do Grande ABC da mídia impressa de São Paulo, sempre foi pronunciada.  

Havia tanta esquizofrenia nos tempos áureos do Diário do Grande ABC que o contraponto a um municipalismo arraigado e a um regionalismo ocasional consistia na submissão aos grandes jornais do País, e também ao Jornal Nacional. 

Tanto que houve um período em que se editava a manchetíssima acompanhando o noticioso da Rede Globo de Televisão. O Rio de Janeiro estava incrustrado na Rua Catequese e competia deslealmente com o noticiário local.   

Inacreditável que um jornal regional com temática regional (mesmo sem regionalização e regionalidade pronunciadamente consolidadas) se dobrasse docilmente à pauta estadual e nacional.  

Pois era esse o Diário do Grande ABC do período a que me refiro. Antes da chegada de Ronan Maria Pinto. Não imaginava que ficaria pior.   

TIRO NO PÉ  

O Diário do Grande ABC propaga aos quatro cantos ter uma relação direta com os leitores como pretenso “porta-voz da região”. É recente essa conspiração contra o próprio produto ao se autodefinir, subjacentemente, como um jornal de identidade errante.  

Como assim? Ora, bolas: como a sociedade servil e desorganizada regional é, portanto, difusa e escrava do Complexo de Gata Borralheira, o jornal assume publicamente esse equívoco conceitual no sentido de marketing, porque no sentido estritamente de conteúdo, é isso mesmo.  

O estágio em que se encontra o produto Diário do Grande ABC como um todo (independentemente de manchetíssima do dia) é tão comprometedor quando se compara com o passado distante do jornal quanto à necessidade de fortalecer-se no futuro. E a manchetíssima de cada dia é um medidor desse quadro.  

Manchetíssima é a principal manchete da primeira página de cada dia, ou seja, a manchete das manchetes do jornal.  

Desde que deixei o jornal há 19 anos como Diretor de Redação, ao menos um legado resistiu à tempestade de raquitinização contínua e desgastante do Planejamento Editorial Estratégico que ali implantei.  

Faça chuva, faça sol, a manchetíssima de cada dia do Diário do Grande ABC tem no ambiente regional o ponto-chave. Ou seja: o assunto está vinculado de alguma forma à região de sete municípios. Trata-se, claro, de uma caricatura do legado estruturado que aquela equipe que chefiei batalhava diariamente para esculpir.  

MAIS QUE MANTRA  

Notem os leitores que não utilizei a expressão-conceito “regionalidade”, que é o suprassumo filosófico de “regionalização”.  

A razão é mais que evidente: não é o fato de uma manchetíssima de primeira página ou de todas as manchetes de primeira página tratar de questões relativas a qualquer um ou a alguns ou a todos os municípios da região que se converte compulsoriamente à regionalidade ou mesmo à regionalização. 

Parece bobagem aos leigos transformar em algo editorialmente programático, quase dogmático, a manchetíssima de cada dia um assunto da região. O leitor só tem razão e mesmo assim com ressalvas quando a manchetíssima é uma forçada de barra cuja origem pode ser e geralmente é a falta de competência para garimpar a cada dia ao menos três problemáticas ou solucionáticas (homenagem a Dadá Maravilha) com protagonistas da região. 

Fiz de cada manchetíssima regional do Diário do Grande ABC quando ali estive na chefia de redação algo muito maior e denso do que um mantra.  

UMA CRUZADA  

Foi mesmo uma cruzada sem qualquer resquício de provincianismo, como se vê constantemente na publicação.  

Manchetíssima ancorada nos acontecimentos da região (não custa martelar) constava do planejamento editorial que formulei e executei com uma equipe de qualidade durante 11 meses.  

Havia uma disputa mais que sadia, reformista, entre as editorias da Redação para, ao fim de cada tarde, ganhar a corrida de espermatozoide pela manchetíssima da edição que circularia no dia seguinte.  

Somente com um comando de redação que tenha definido os parâmetros de atuação ao longo do futuro que sempre chega é possível construir um legado de primeira página que reproduza o que os leitores vão encontrar nas páginas internas.  

A ordem dos fatores faz diferença sim no resultado final. O conteúdo das páginas internas do jornal que não estiver subordinado à disputa ocupacional e posicional de primeira página provavelmente será uma bagunça.  

O Diário do Grande ABC de identidade errante deve defrontar-se a cada dia de fechamento editorial com uma dificuldade sobrenatural de encontrar o eixo com o qual dará respostas aos leitores.  

INFORMAÇÃO VALIOSA 

O critério principal e diria único à efetiva construção de uma identidade editorial que resplandeça a partir da primeira página é o conceito de informação mais valiosa de cada edição. Fatores outros que se desliguem da tomada da coletânea de valores agregados de contato imediato com os leitores agirão como piratas sabotadores.  

A competitividade interna, de Redação, pela manchetíssima do dia seguinte, e também por chamadas menos relevantes, mas igualmente potencializadas como concorrentes ao espaço principal, é fator motivacional ao dinamismo sempre alerta dos jornalistas.  

A acomodação gerada pela falta de critérios à tomada territorial de primeira página é uma erva daninha que destrói gradualmente as relações de confiança e alavancam descontentamentos e frouxidões.  

Não foi o caso de minha passagem pelo Diário do Grande ABC entre 2004-2005 como Diretor de Redação, mas estava no meu horizonte a premiação aos jornalistas que num determinado período mais vezes ocupassem a manchetíssima do jornal.  

O bom daquela passagem é que a máquina da redação começou a engrenar de tal maneira, mesmo com as deficiências estruturais apontadas no workshop envolvendo todos os editores. A cada final de tarde de reunião definidora do que os leitores encontrariam no dia seguinte havia algo como uma média de três alternativas à manchetíssima.  

ROBUSTEZ  

Para quem não é do ramo jornalístico, o que seriam três opções de manchetíssimas para o dia seguinte? É algo extraordinário porque a métrica de competição estava respaldada no princípio e no fim de que só competiriam à empreitada quem de fato contasse com garrafa editorial para vender.  

Um dos pontos centrais que devem mover uma Redação na busca pela atenção dos leitores é que seja a manchetíssima do dia, sejam matérias secundárias de peso do mesmo dia, a estrutura de informações deve ser robusta.  

O que mais se vê no Diário do Grande ABC destes tempos (e o que se viu também em outros tempos) é o catapultar de reportagens à manchetíssima do dia e, decepção geral, o que se encontra internamente não passa de um voo panorâmico de baixíssima visibilidade informativa, quanto mais interpretativa. 

QUASE 400    

Para completar esse capítulo, acabei encontrando no acervo de CapitalSocial a primeira edição em que aparece o neologismo “manchetíssima”. Foi há praticamente 10 anos, na edição de 20 de agosto de 2013 sob o título “O que há em comum entre Fuabc, Bigucci, lixo e publicidade oficial?”.  

Desde então, sem contar esse texto, 374 matérias fazem referência direta ou indireta ao verbete. A maioria, claro, relacionada à Editoria de Imprensa.  

Está claro, portanto, que, ao preparar o Planejamento Editorial Estratégico para comandar o Diário do Grande ABC, em 2004, não passava pela minha cabeça a inovação em termos de significado enfático da manchete das manchetes de primeira página.  

Acho que teria ainda mais força na catequese (sem trocadilho) da equipe de Redação que encontrei no Diário do Grande ABC algo como repetir a expressão “manchetíssima” para incrementar ainda mais a disputa por espaço tão nobre. Mas nem foi preciso.  

Havia entre os jornalistas uma imensa motivação por novos rumos da publicação que vinha de uma crise societária que a colocava à deriva no que tem de mais importante, ou seja, o que saia das máquinas impressoras em forma de produto final.  

Aliás, sobre isso, ainda vai chegar o capítulo em que dedicarei alguns milhares de caracteres para definir sem margem de erro o caminho elementar ao respeito do leitor que também é consumidor quando se lança a consultar uma publicação.  

Trata-se do seguinte: os acionistas que se pretendem mais importantes que os jornalistas geralmente dão com os burros nágua. Há muito tempo escrevi sobre isso e não teria como esquecer a importância que tem.  

Empresário do setor editorial que acredita ser mais importante que os jornalistas e, como no caso de Ronan Maria Pinto, finge que não o, embora o seja, é empresário fadado ao fracasso como empreendedor no setor.



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