Imprensa

Jornais de papel estão no bico
do corvo e os digitais patinam

DANIEL LIMA - 04/09/2023

Tenho algumas observações a fazer sobre o material com o qual lido desde os 15 anos de idade, quando comecei a escrever para a revista semanal Cinelândia, em Araçatuba, paralelamente a um programa de esportes na Rádio Luz: os jornais de papel estão morrendo, os jornais digitais patinam e a imprensa, de maneira geral, perde a representatividade diante da multiplicidade das redes sociais. 

Os donos de jornal de papel podem rezar para os todos os santos, podem fazer acordos financeiros com fontes principalmente públicas, comprometendo a linha editorial, podem decidir o que bem entenderem, porque o que vivemos desde algum tempo e que se estenderá por muito tempo é chumbo grosso. E de chumbo grosso eu entendo. Tanto de chumbo grosso de calibre de revólver quanto chumbo grosso metafórico. 

Deu no site Poder 360 outro dia um levantamento com dados do IVC (Instituto Verificador de Comunicação) que mostra o número de assinantes digitais dos 12 principais jornais brasileiros. Pela primeira vez desde 2017 houve queda – de 1.105.627 para 1.072.617. Os dados, segundo a reportagem, são de junho de 2023 frente a dezembro de 2022.  

QUEDA DO PAPEL  

Aponta a publicação que a tendência já havia sido vista no fechamento do ano passado, quando as assinaturas subiram só 2,9%, o menor avanço desde 2018. No primeiro semestre de 2022, também o avanço havia sido tímido, de 4,4%. 

Quando se consideram os 12 jornais monitorados, em números absolutos, essas publicações perderam 43.010 assinaturas online frente a dezembro de 2022, queda de 3,9%.  

Se os jornais digitais estão em parafuso, porque estão mesmo diante do crescimento do mundo digital em tantos setores, o que dizer então do infortúnio dos jornais impressos?  

A tiragem média caiu de 387.708 para 356.841 – retração de 8%. A soma de exemplares impressos de junho de 2023 equivale, ainda segundo o Poder 360, a 46% do total de cinco anos atrás (2018), quando chegou a 843.231. 

       

Acompanhem a evolução da circulação impressa de junho de 2023:  

 

1. Estadão, 58.706 mil exemplares. 

2. O Globo, 56.550 mil exemplares. 

3. Folha de S. Paulo, 44.596 exemplares. 

4. Super Notícia, 42.249 mil exemplares. 

5. Zero Hora, 38.932 mil exemplares. 

6. Extra, 27.652 exemplares. 

7. Valor Econômico, 13.831 exemplares. 

8. O Tempo, 9.953 exemplares. 

9. Correio Braziliense, 9.269 exemplares. 

10. A Tarde, 8.060 exemplares. 

11. Estado de Minas, 7.718 exemplares. 

12. O Popular, 6.106 exemplares. 

13. O Popular, 6.106 exemplares. 

14. O Povo, 5.834 exemplares. 

15. Total de exemplares, 356.841. 

 

O Diário do Grande ABC, que se autointitula o maior regional do País, não consta da lista do Instituto Verificador de Comunicação. O que isso significa? Que provavelmente está em matéria de tiragem de papel abaixo do último colocado da lista.  

DESMASCARAMENTO 

Fosse apenas uma derrocada de audiência do produto de papel e um início de complicações também de audiência digital, até que os jornais poderiam de alguma forma encontrar saída que amenizasse os estragos do tempo, provocados pela queda vertiginosa da qualidade editorial e o avanço das mídias sociais.  

Mais que isso: consagra-se o desmascaramento de que fake news é propriedade pública apenas das redes sociais. Uma anedota sem tamanho, que pretende vender a falsa imagem de que os jornais seriam castos. Até parece que, entre outros, Assis Chateaubriand não tenha passado de folclore com os poderosos de plantão. 

Resgatei essa numeralha pensando em outra coisa, mas volto ao foco com que decidi escrever sobre a Velha Imprensa que cai aos pedaços. 

Mais que eventual crise que parece se instalar também no produto digital, há um aspecto a ser avaliado mesmo se houvesse uma explosão de assinaturas na plataforma digital, cujo valor é quase nada aos leitores que pretendem e efetivam interesse de ter a garantia de consumo. 

Trata-se do que chamaria de inconformidades mais que culturais, porque também técnicas, de conciliar com semelhante grau de perceptividade e cognitividade o consumo de informação impressa e de informação digital. 

MAIS PRODUTIVIDADE 

Com a experiência de consumo de informação no papel e há alguns anos adaptado dentro do possível como leitor digital, posso garantir (e cientistas também o fazem) a existência de um fosso de percepções e sensibilidades a separar uma coisa da outra. 

A leitura no papel é mais precisa, metódica, dominável, controlável, do que a leitura nas plataformas digitais.  

Quem lê jornal de papel ou qualquer coisa de papel sabe que a produtividade de conhecimento é muito maior que a leitura digital. Por isso é preciso – e pratico isso todos os dias – muita atenção para que a distância entre uma coisa e outra seja mitigada.  

EXPERIÊNCIA PRÓPRIA  

Me sinto mais confortável lendo no papel do que em qualquer equipamento digital. Aliás, como sou assinante da Folha de S. Paulo no papel e no site, e como passei a ser leitor do Estadão apenas digital, indignado com a troca de formato físico, posso sustentar com todos os parágrafos que não há comparação.  

O bom nessa história toda é que estou cada vez mais atento à leitura digital. E por estar cada vez mais atendo à leitura digital acho que tenho autoridade suficiente para dizer que entre uma cultura e outra há profundas diferenciações a interferir diretamente na assimilação das informações.  

Leio cada página de papel de jornal com atenção mais focalizada e munido de caneta esferográfica para sublinhar pontos mais relevantes. Mais que isso:  faço uso de canetas coloridas para acentuar atenção.  

O consumo de jornais digitais não me permite essas preciosidades em forma de consultas posteriores quer para um processo de arquivamento temporário ou não, quer para memorização mais cristalizada.  

Há um outro ponto que distingue jornal de papel de jornal digital e que, desta feita, impacta com maior intensidade a estrutura cultural do produto que conhecemos quando mal tínhamos completado a infância e alguém jogava um exemplar no vizinho, em Guararapes, assinante da Folha de S. Paulo. 

Trata-se do seguinte: o jornal de papel é um jornal com o qual passamos a ter identificação de consulta e leitura com base na distribuição das respectivas editorias, ou departamentos temáticos. Sabemos de cor e salteado onde estão as páginas de política, de esportes, de polícia, de sociedade, dessas coisas. A integridade do jornal é preservada como unicidade doutrinária, por assim dizer. 

INTEGRIDADE FRÁGIL  

Já a integridade do jornal digital é quase imperceptível porque os assinantes sem destreza editorial e mesmo aqueles que se acostumaram com o jornal de papel não sabem bem como encontrar as respectivas separações temáticas.   

Como a leitura digital está mais sujeita às tentações de infidelidade, tantos são os chamados de produtos diversos em variados aplicativos, sem contar as mídias sociais que não param de acionar alarmes, é muito complexo resistir a intervalos de consultas, os quais acabam por tirar a atenção e mesmo a compreensão das informações originais. 

Pretendia produzir esse texto da forma mais simples possível para que todos entendam que o jornalismo de papel está indo para a cucuia porque a vida é assim mesmo.  

Só não esperava que também a versão digital da Velha Imprensa (e a Velha Imprensa não é formada apenas pelos grandes jornais, mas também pela raia miúda e média que depende demais dos poderosos de plantão) também engatasse uma marcha-a-ré no produto digital. 

Ainda pretendo escrever mais sobre essa transposição problemática, como se já não fosse problemático o simples fato de a imprensa de papel estar no bico do corvo da sobrevivência.  

Muitas já foram para a cucuia, embora façam esforço extraordinário para se pretenderem vivas, saudáveis e imparciais. O autoengano é um processo doentio que um dia sempre acaba. A realidade há de chegar. Sem a versão digital robusta, a diarreia de representatividade será muito mais cruel.  



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