Imprensa

CARTA ABERTA AO DONO DO
DIÁRIO DO GRANDE ABC (13)

DANIEL LIMA - 25/09/2023

Talvez a literatura médica transposta ao jornalismo diário de papel definiria o perfil do Diário do Grande ABC sob o comando do empresário de transporte Ronan Maria Pinto. Há o que chamaria de tríplice personalidade editorial. É uma enfermidade em permanente conflito e dinamita a credibilidade do produto. Resultado final? Uma fonte de informação muito menos segura do que o desejável e mais suscetível às sacolejadas de contradições, omissões, privilégios e tudo o mais. 

Antes de revelar esse tripé em desequilíbrio, não se pode desconsiderar um ponto crucial à pedagogia de um curso que corresponderia à melhor maneira de entender uma publicação de papel. 

Quem cair na esparrela popular de que todo jornal de hoje vira embrulho de peixe ou outra coisa menos nobre amanhã não tem ideia do quanto perde de material à identificação do produto que consome supostamente com prazo de validade escasso.  

A melhor fórmula de não se enganar com o jornal de papel que se lê diariamente é descartar o descarte da publicação. Descartar o descarte é uma expressão redundantemente proposital, para que marque a memória e não haja desperdício de finalidade.  

DESCARTE O DESCARTE  

Jornal descartado no dia seguinte ou mesmo poucas horas após a leitura é uma prova provada de erros e acertos que vão embora. É possível recuperar mais tarde ou algum dia na Internet, mas aí não é a mesma coisa. Um dia explico a diferença entre uma coisa e outra coisa. Chama-se contexto.  

Muitos jornais diários de papel não resistem à curadoria de conteúdo que ao invés de descartar os assuntos principais prefere torná-los espécie de dossiê.  

Faço isso diariamente há mais de 30 anos seguidos. Mantive até outro dia um arquivo robusto com aproximadamente 300 mil páginas de jornais.  

Decidi eliminar quase todo porque mal dou conta do dia a dia que chega a cada dia, quanto mais ter de cuidar dos dias que se foram a cada dia do passado que não volta mais e mesmo que volte acaba se perdendo em meio do presente ainda pior. 

PASTAS VALIOSAS  

No caso específico do Diário do Grande ABC, o que preservei como arquivo de papel de meu arquivo de papel quase todo atirado ao lixo é pouca coisa do passado e muita coisa dos últimos anos, especialmente dos atuais administradores municipais. 

Aprendi que acondicionar nas pastas as últimas administrações municipais é uma maneira de temperar bem temperado uma salada de folhas e desfrutá-las com a sabedoria de que fará bem à saúde. No caso, às informações comparativas, se necessário.  

Isso quer dizer com todas as letras que ao tomar o pulso do Diário do Grande ABC nesta série não me movo por terceiros e tampouco por suposições. As páginas recortadas e selecionadas são provas do que tenho a expor.  

Por isso reitero que a melhor maneira de entender o comportamento de um jornal de papel é manter as páginas do jornal do papel a salvo do lixo do dia seguinte do dia seguinte do dia seguinte. Dessa maneira, preservamos a cena do crime até que novas conjunturas e circunstâncias favoreçam eliminações. 

O Diário do Grande ABC não é diferente da maioria dos jornais de papel de porte médio no tratamento a determinadas questões. Sobremodo a questões políticas, de interesses localizados.  

TRÊS ESQUICITICES  

O Diário do Grande ABC sofre de tríplice esquisitice central, ou seja, de um eixo principal com ramificações. Não sei se há no dicionário médico algo como esquizofrenia editorial que abarque três posições diferentes. Se não existir, deveria existir.  

Brincando, diria que o Diário do Grande ABC sofre de uma enfermidade chamada estrizofrenia, uma corruptela de esquizofrenia. O corretor automático insistiu em trocar estrizofrenia por esquizofrenia. Tive trabalho redobrado. 

Chamaria de Memória Protetiva, Memória Vingativa e de Memória Elucidativa os departamentos sensoriais do Diário do Grande ABC.  

O jornal de papel que também vira jornal digital peca nos três vértices do motor central de Redação. Peca tanto, mas tanto, que a nota média quando se juntam as três dimensões não passa de nota um numa variável de zero a dez. 

MEMÓRIA PROTETIVA  

A Memória Protetiva do Diário do Grande ABC é alarmante na medida em que é executada sem arte. Mais que isso: tem-se a impressão de que os leitores, todos os leitores, ou a maioria dos leitores, não passam de idiotas juramentados. Seriam gentes sem capacidade de discernimento e que, portanto, aceitam o que der e vier e estamos conversados. Uma lobotomia coletiva dos apreciadores da vaca sagrada da Rua Catequese.  

A Memória Vingativa é a Memória Protetiva com troca de sinal, mas com os mesmos vieses de avaliação coletiva, ou seja, do leitorado. A Memória Vingativa tem praticamente o mesmo efeito irradiador da Memória Protetiva ao sugerir que os mesmos leitores idiotizados com os pressupostos da Memória Protetiva seriam também toupeiras ao não identificarem o lado extremo do oposto impingido à força.  

A Memória Elucidativa é uma forçada de barra que faço para estabelecer tríplice trindade editorial porque, de fato, para falar, é tão escassa que nem mereceria ser mencionada.  

OMBUDSMAN SILENCIOSO  

Memória Elucidativa é a capacidade de um jornal de papel resgatar as informações publicadas ou então interpenetrar nas informações publicadas com determinado grau de esclarecimento a ponto de retirar tanto a máscara da Memória Protetiva quanto da Memória Vingativa. 

Memória Elucidativa seria, portanto, a integridade ética de um jornal de papel ou de um jornal digital a admitir que existe um ombudsman interno, silencioso, mas respeitado, a chamar todos à consciência e, com isso, promover reparos e cuidados maiores quanto a tudo que seria publicado, ou mesmo do que já foi publicado.   

Memoria Elucidativa é o que existe de mais precioso no jornalismo. Deveria ser um latifúndio de fatos e argumentos a destruir as ervas daninhas que infestam a Memória Protetiva e as arapucas que dominam a Memória Vingativa. 

PARAFERNÁLIA EDITORIAL  

A parafernália editorial que contamina o jornalismo nestes tempos de elucubrações de interesses variados, porque agora se tem muitas alternativas de comunicação que não dão sossego ao jornalismo profissional, essa parafernália coloca o Diário do Grande ABC em situação indelicada. A identificação de contradições contidas nas três dimensões editoriais ainda não foi devidamente equacionada pelo jornal. E já passou da hora.  

A arrogância se soma ao despreparo avaliativo que por sua vez tem intersecção com o que supostamente seria mais importante, ou seja, o aqui e agora de relações precárias com o conteúdo publicado e o conteúdo que deveria ser publicado. 

PUXADINHO SUSPEITO 

Uma quarta personalidade refratária do Diário do Grande ABC poderia ser requisitada como elemento degenerativo da linha editorial, mas por estar situada externamente à Redação, embora atendendo a vontade da Redação, fica como uma porção em separado, ou como um ramal do eixo principal de três faces editoriais. 

Trata-se do que chamaria de Memória Emprestada para incrementar tanto a Memória Protetiva quanto a Memória Vingativa. Raramente a Memória Emprestada aparece como linha auxiliar da Memória Elucidativa porque a Memória Elucidativa é mesmo uma raridade.  

A operação da Memória Emprestada é simples, antiga e desclassificatória diante de olhos atentos. Trata-se de chamar algum aliado externo da redação, que ocupe algum cargo importante, para cumprir a missão de repercutir notícias que endeusam os aliados ou demonizam os adversários. 

PARCEIROS EM AÇÃO  

O mais recente exemplo desse tiro no pé que só ludibria a boa-fé de leitores incautos está nas páginas do Diário do Grande ABC de forma insistente na cobertura da morte de uma criança numa escola pública de São Bernardo.  

Tivemos durante 10 dias seguidos as mais diferentes reportagens do jornal sobre o acidente e suas versões nem sempre bem explicadas porque o que interessa mesmo era criminalizar a gestão do prefeito Orlando Morando, o alvo mais claro, obsessivo e incontrolável do Diário do Grande ABC.  

Orlando Morando está para o Diário do Grande ABC assim como Lula da Silva para a Jovem Pan e Jair Bolsonaro para a Globo e a Folha de S. Paulo.  

A diferença é que a Memória Vingativa do Diário do Grande ABC é menos rebuscada, menos convincente, menos sustentável. Mais que refinamento, falta estilo. Ao invés de um esgrimista, temos um estivador.   

REFORÇO ELEITORAL  

As reportagens a respeito da morte da criança atingida por um galho de árvore se perderam como força de suposta indignação do jornal, bem como de justeza crítica, quando se convocou o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira como testemunha política de acusação.  

Mais à frente, também se convocou outro deputado estadual, o sindicalista Teonílio Barba. Os dois petistas que devem formar a chapa do partido à disputa da Prefeitura de São Bernardo no ano que vem esculacharam de vez a suposta seriedade informativa.  

A leitura crítica do caso é simples: quando se tem informações robustas, provas inquestionáveis e tudo o mais que retire um incidente ou acidente, seja o que for, da bitola da fatalidade e o transfere para o mundo da negligência comprovada, não é preciso lançar mão de testemunhas oportunistas para os leitores compreenderem o caso. Quando se faz exatamente o contrário, os potenciais argumentos perdem a razão.  

A prática de Memória Emprestada é corriqueira no Diário do Grande ABC para reforçar apoio aos contemplados com a Memória Protetiva e de satanizar os destinatários de Memória Vingativa.  

ATENÇÃO TOTAL  

Leitores pouco afeitos ao jornalismo podem confundir as bolas e considerar Memória Emprestada com Memória Elucidativa. 

O antídoto a eventuais trocas de bola é que a Memória Elucidativa mesmo que mais fortemente dirigida a uma determinada liderança política jamais deixará o encaixe de jornalismo robusto. O corredor polonês que separa privilégio de discriminação é a informação mensurável e interpretativamente tão implacável quanto indestrutível. 

Talvez o melhor exemplo para mostrar na prática a diferença entre as três configurações memoriais seja mesmo destrinchá-los com base na realidade.  

Só existe um problema: há tantos exemplos que mencioná-los tornaria tudo o que se seguiria por demais desgastante. É melhor, portanto, limitar as provas. 

DIVINO PAULINHO  

O prefeito Paulinho Serra, de Santo André, é o maior beneficiário da Memória Protetiva do Diário do Grande ABC. Não se trata de esterilização a qualquer tipo de crítica. É mesmo a divinização de uma administração municipal medíocre quando se procura estabelecer a relação de oito anos de dois mandados e os desafios históricos de Santo André.  

Já cansei de mostrar com dados irrefutáveis como Santo André herdada por Paulinho Serra jamais ensaiou uma reação à altura das complicações históricas. E por não ter levado adiante qualquer projeto de invadir o futuro como prova de repulsa ao passado de desindustrialização, Paulinho Serra se insere na mesma dimensão de despreparo dos antecessores até chegar ao terceiro e incompleto mandato de Celso Daniel, marco inicial dessa medição.  

A coleção de páginas de papel do Diário do Grande ABC é um desfilar cronológico de um prefeito Paulinho Serra extraordinário. Enquanto isso, na vida real, Santo André vê agravar-se a cada nova temporada a queda continuada no Ranking de PIB per capita dos Municípios Paulistas, ocupando a posição 184.  

MAIS DECLÍNIO  

E, mais recentemente, desabando também no Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros com mais de 80 mil habitantes, classificando-se na posição 74.  Tudo isso e muito mais jamais frequentaram as páginas do Diário do Grande ABC, além de tantas outras temáticas, inclusive de cunho criminal comprovadamente existentes.  

Caso, por exemplo, das fraudes constatadas pela Controladoria-Geral da União durante a pandemia do Coronavírus. Paulinho Serra é um santo administrador nas páginas do Diário do Grande ABC. A Memória Protetiva é indestrutível.  

Quanto à prática de Memória Vingativa tendo como alvo o prefeito Orlando Morando, outrora bem tratado pela Redação, a escala é escandalosa. Quando uma publicação perde a compostura emocional, por assim dizer, e age como um namorado inconsolável com o fim de uma relação e desfila algumas verdades em meio a uma bateria de barbaridades, é sinal de que o ressentimento substituiu o discernimento. 

Um exemplo: ainda outro dia o Editorial do jornal (espaço nobre no qual se expõe o que seria toda a credibilidade fática da publicação) o Diário do Grande ABC colocou o prefeito de São Bernardo (que assumiu o cargo há sete anos e não teve nenhuma participação direta ou indireta no movimento sindical e nas agruras macroeconômicas da desindustrialização) como o principal responsável pelo fim da Rota do Frango com Polenta, aquela cadeia de restaurantes que marcaram a vida gastronômica da cidade. 

Assim não dá, não é verdade? Na próxima edição vou continuar a tratar desse temário. Nesse intervalo de uma semana vou tentar encontrar no arquivo de papel uma única reportagem em que a aplicação da Memória Elucidativa tenha entrado em campo. Será uma tarefa desafiadora. 



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