O Diário do Grande ABC publicou na edição de ontem um anúncio do Diário do Grande ABC à procura de reforços para a Redação do Diário do Grande ABC. Por um instante imaginei que se tratava de um comercial pago pelo The New York Times.
Provavelmente o material foi preparado por algum burocrata que não entende bulhufas de jornalismo e, mais que isso, do estágio em que se encontra o Diário do Grande ABC.
A distância que separa o produto final de hoje e as pretensões às qualidades dos reforços torna tudo muito irreal, quase onírico. Há um buraco imenso que precisa ser avaliado.
Acho que sou o assinante do Diário do Grande ABC que mais respeita o Diário do Grande ABC. Produzir esta série de análises deveria ser trabalho bem pago, mas meu voluntariado faz parte da regionalidade que abracei e com a qual vou em frente até onde for possível.
ANÚNCIO DE EMPREGO
Leitores e assinantes do Diário do Grande ABC que se manifestam na coluna “Palavra do Leitor” sempre esparramando elogios ao jornal, são leitores e assinantes prontos à reciclagem. A vassalagem não é boa companheira. Tanto quanto não o é a ignorância.
Antes de prosseguir, vou reproduzir integralmente o anúncio do Diário do Grande ABC numa das páginas do Diário do Grande ABC. Só assim, acredito, o leitor vai entender o que separa realidade de ficção.
Mais que isso: o passado que já está próximo de completar duas décadas, deixado por mim no Planejamento Editorial Estratégico de quando estive à frente da Redação do jornal, e o presente destes tempos, poderão ser cotejados na sequência mais abaixo. Agora, vamos ao anúncio:
DIARIO DO GRANDE ABC ESTÁ SELECIONANDO CURRÍCULOS DE PROFISSIONAIS INTERESSADOS EM ATUAR COMO REPÓRTER E EDITOR. OS CANDIDATOS PRECISAM TER SÓLIDA FORMAÇÃO EM JORNALISMO, FLUÊNCIA EM INGLÊS E ESPANHOL, HABILIDADES COM FERRAMENTAS DIGITAIS, CONHECIMENTO DAS SETE CIDADES DA REGIÃO E DISPONIBILIDADE DE HORÁRIOS. SE VOCÊ PRETENDE INTEGRAR O TIME QUE FAZ O PRINCIPAL E MAIS RESPEITADO JORNAL REGIONAL DO BRASIL, ENVIE SEU CURRICULO PARA O E-MAIL CURRICULO@DGABC.COM.BR E AGUARDE O NOSSO CONTATO. DIÁRIO DO GRANDE ABC – SETE CIDADES, UM SÓ JORNAL.
Para começo de conversa, um jornal só recorre às páginas do jornal para selecionar profissionais de redação do próprio jornal em caso de confissão tácita de despreparo organizacional para preencher eventuais demandas internas. As exceções confirmam a regra. No caso do Diário do Grande ABC, não se trata de exceção.
Em seguida, o que temos no anúncio é o que mais falta na praça acadêmica, à qual a proposta de emprego se dirige de forma indireta. Jornalismo se aprende mal e porcamente em cursos universitários.
Palavra de quem lidou muito tempo na vida profissional com esses insumos. As faculdades de jornalismo não são fontes mais indicadas à produção jornalística. Não se aprende a escrever nas faculdades. Em muitos casos, o potencial de talentos é desvirtuado e comoditizado.
O aprendizado se dá na prática, desde que se conte na prática com profissionais competentes para ensinar. Gente do ramo. De gente que sabe distinguir verdade de mentira, mentira de meia-verdade e meia-verdade de verdade inteira. Entre outros apetrechos. De gente que sabe que talento sempre será mais importante que eventuais erros gramaticais não recorrentes. De gente que dá prioridade ao conteúdo, não à forma.
PERIGO DO POLIGLOTA
Também o domínio de outra língua é desnecessário ao objetivo proposto pelo Diário do Grande ABC e na maioria das situações. Somente quando há especificidade de uma ação jornalística, como correspondente, por exemplo, o domínio do inglês e do espanhol, como se pretende, se faz importante. Para o dia a dia de um jornal regional, é o que tem peso relativo mais inexpressivo.
Poliglota sem talento jornalístico é desperdício incalculável. Poliglota pode se achar o bom da boca só porque tem a boca supostamente mais valiosa que um monoglota.
Quanto ao conhecimento da tecnologia digital, sem dúvida, quanto mais melhor. O problema é que invariavelmente os recrutadores confundem alhos com bugalhos. Um jornalista qualificado não necessariamente domina o mundo digital.
Casos de jornalistas competentes e criativos ou próximos disso que também são especialistas em tecnologia são poucos. Mais que isso: no meu caso, entre aprofundar o domínio parco do mundo digital e aperfeiçoar meu mundo de conhecimento transposto em forma de parágrafos, prefiro o segundo caminho. Há sempre alternativa ao primeiro.
APRENIZADO RÁPIDO
O que se aprende num curso de domesticação tecnológica para aplicação no mundo da comunicação, se isso for mesmo imprescindível, é consumado em pouco tempo. Já para escrever com qualidade, o prazo de 10 anos é pouco. Depois de uns 30 anos de dedicação um jornalista vai-se descobrir ainda incompleto como instrumento reformista.
Para completar, o Diário do Grande ABC ainda se proclama o jornal regional mais importante do País. Isso é passado. Qualquer pesquisa bem-feita e limitada apenas ao Estado de São Paulo vai concluir que o Diário do Grande ABC foi ultrapassado por vários concorrentes.
O referencial que me orienta é a competência editorial no sentido mais amplo da expressão. Algo que vai muito além de tiragem, do número de páginas médias por edição e de tudo o mais. Qualidade editorial é o poder de persuadir leitores comuns e, principalmente, formadores de opinião.
O Diário do Grande ABC não sensibiliza os formadores de opinião da região. Só se preocupa com os tomadores de decisões, os quais pretende controlar sem sequer contar com uma pauta editorial estratégica.
AÇÃO REFORMISTA
Fiz essa abertura de forma sintetizada, embora pudesse me estender por dezenas de parágrafos. O passado me orienta e me dá suficiente credibilidade para retomá-lo e trazê-lo aos dias presentes.
Na sequência, vou reproduzir o capítulo relativo aos recursos humanos que desenhei e comecei a aplicar na Redação do Diário do Grande ABC em 2004, quando assumi o comando do jornal.
Levei o documento-compromisso debaixo do braço e distribui a acionistas, diretores e editores. O pacote de pensamentos e experiências foi preparado para transformar em equipe um jornal que caia pelas tabelas.
A ação reformadora durou 11 meses. O Diário do Grande ABC, como se vê e se comprova a cada novo dia, entrou em parafuso. Parte dessa derrocada se deve ao desprezo ao diagnóstico e às ações. O passado cobra o futuro tendo a escala no presente como alerta.
Os acionistas do Diário não cumpriram as metas propostas por este jornalista, no primeiro projeto concebido até então (e depois também) para traçar o futuro do jornal. E tudo com o lastro de aplicabilidade prática à frente da revista LivreMercado -- esta sim e à prova de qualquer curadoria -- o melhor produto regional que o País já recepcionou em forma de jornalismo com personalidade e conteúdo comprometidos com o futuro.
EQUIPE SEM BASE
Estou pouco me lixando àqueles que entendem que elogio em boca própria é vitupério. Quando a prova provada é acachapante, não se tem o que esconder. Mais que isso: atribuo àquele produto uma junção consagradora de talentos cooperativos e interativos. Uma equipe de Redação desenhada com engenhosidade ditada pela complementaridade temática.
Tudo isso e muito mais faltam ao Diário do Grande ABC, um barco editorial a deriva que sofre de anestesiamento social mesclado de redução voluntária e involuntária de memória informativa e outras enfermidades que o descredenciam a publicar um anúncio com tantas exigências. Pretende-se contratar um motorista presidencial para dirigir um taxi.
Vou reproduzir em seguida, integralmente, o capítulo relativo aos recursos humanos que apontei há quase 20 anos como indispensáveis ao Diário do Grande ABC.
O jornal lembra uma equipe de futebol que à beira do rebaixamento descobre-se descuidada porque não conta com divisões de base às quais possa recorrer para tentar melhorar de rendimento.
Tudo isso, de forma direta, escrevi há duas décadas. Com a experiência de duas décadas anteriores na melhor revista regional do País. Poucos falavam inglês ou espanhol e muitos tiveram de corrigir os rumos depois de frequentarem faculdades de jornalismo. E todos passaram a conhecer a região a partir da especialização em determinadas áreas.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
A exemplo do que organizamos entre 1982 e 1983, quando ocupamos posto equivalente ao de chefe de redação, embora a nomenclatura fosse de coordenador de produção, vamos introduzir um mecanismo de seleção e preparação de recém-formados para, mediante necessidades, contratá-los para substituir ou eventualmente reforçar nosso quadro de redação.
Naquela época chamamos de escolinha o que veio a se consolidar como virtuosíssimo modelo de reposição e contratação de jovens valores. A importância dessa iniciativa vai muito além do que alguns supõem restrita a interesses financeiros. Aliás, o viés financeiro é apenas uma fração do conjunto de vantagens da introdução desse processo de depuração e uniformização de recursos humanos da área editorial.
Pesa muito mais em qualquer equação que se desenhe a perspectiva de que essa turma de jovens poderá ter acesso aos quadros de redação sem sofrer impactos emocionais e técnicos que tanto comprometem a qualidade do produto final, isto é, da informação consumida pelos leitores. É enorme a diferença entre o rendimento de um jovem recém-formado e contratado para atuar numa redação sem referenciais da cultura editorial da publicação e um jovem recrutado tendo como base a preparação numa espécie de vestibular. Produtividade é o verbete que, no fim da linha de avaliação, definirá a diferença entre um modelo e outro.
Afastar qualquer possibilidade de ruídos no circuito de informações que devem chegar aos leitores é o pressuposto de, também na seleção e no aproveitamento de jovens talentos, atingir respeitabilidade editorial.
A preparação permanente, sistemática e programática de jovens que ocuparão parte do universo da redação é condição imprescindível à estabilidade do departamento. Não se pode descartar a oxigenação da juventude em qualquer ambiente corporativo, sob o risco de enferrujar a engrenagem. Entretanto, a simples escalação de recém-formados sem o devido preparo técnico, emocional e cultural se revestiria de tiro no próprio pé. Afinal, a contratação pura e simples de novos valores, atirados às feras de um produto que desconhecem, eleva as possibilidades de destruição da autoestima pessoal e, principalmente, submete o profissional recém-chegado a uma sequência de improdutividades que desarticulam o produto final. E, nesse ponto, mais uma vez, vale a pena enfatizar: o consumidor de informação não pode ser apanhado no contrapé pelo efeito-tobogã de abordagens editoriais desconectadas dos valores exaustivamente enfatizados.
Não se pode nem ao menos conjecturar que jovens eventualmente talentosos sejam escalados para produzir em nome de um jornal quase cinquentenário sem que estejam adequadamente entronizados nos conceitos técnicos e culturais da publicação. O produto que vai às bancas e aos endereços domiciliares e empresariais tem de ser observado sob o mesmo rigor de algo como um laticínio de marca respeitável exposto cuidadosamente na gôndola de um supermercado, de um veículo zero quilômetro que ajuda a compor o ambiente de uma concessionária, de um elenco de estrelas que se confunde com a logomarca de uma empresa de comunicação. Uma publicação que comete erros grosseiros ou omissões incontornáveis sofre fortes arranhões de credibilidade.
ESPECIALIZAÇÃO
É uma jornada longa, complexa, trabalhosa, mas precisa ser iniciada o quanto antes. Estamos nos referindo à constituição de quadros profissionais de redação que serão especialistas nas mais diferentes matérias. O jornalismo mais contemporâneo exige que os profissionais conheçam tanto as técnicas de interlocução com os leitores como uma bateria de questões específicas relatadas pelas fontes de informação. Não podemos ser simples repositórios de declarações. Tratamos dessa questão, com profundidade, no livro “Meias Verdades”. É epidêmico o grau de manipulação de informações. Principalmente nos jornais diários, formulados pela mesmice de reproduzir declarações acriticamente. Não se trata de obstar esse caminho necessariamente pela estrada da opinião, mas pela avenida da interpretação e, principalmente, por um feixe de dados de valor agregado. Aos leitores não se pode atribuir o rótulo de ignorantes. Costumamos dizer que nos compete como profissionais de comunicação muito mais que servir o almoço de informações — temos de digeri-las, metabolizá-las, facilitando o entendimento do leitor.
Poderíamos desfraldar uma série de exemplos de situações em que se manifestam tergiversações descaradas do princípio de bem informar, mas o melhor mesmo é recorrer a “Meias Verdades”. A essência do esgarçamento informativo qualificado está plantada na aridez de conhecimentos dos profissionais de comunicação. A saída é setorizá-los e fazê-los mergulhar fundo nos arquivos, nos livros, enfim, em toda a literatura possível de ser utilizada a qualquer instante.
Um exemplo do que a falta de especialista é capaz de provocar está na área de saúde. A ideia de que um determinado Município está extraordinariamente mais suscetível à demanda de serviços sociais geralmente não corresponde à realidade porque, afinal, é generalizado o descompasso entre a massa de desafortunados que precisam recorrer ao sistema público e a ilha de incluídos que resistiram à onda de desemprego e da perda das chamadas conquistas históricas, especialmente do setor metalúrgico da região. As pequenas e médias empresas industriais praticamente desativaram o ferramental de proteção social constitucionalmente de responsabilidade do Estado. Esse vácuo forçosamente passou a ser preenchido pelo setor público.
Ainda sobre esse aspecto, recentemente à frente do IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos) pudemos comprovar que os investimentos na área de saúde pública no Grande ABC estão longe do imaginado, resultante do noticiário do jornal. A rica São Caetano é a que menos investe por habitante no setor — ao contrário do que aplica na educação, cujos valores são os maiores do Grande ABC. E não se deve correlacionar o baixo valor despendido por São Caetano apenas e exclusivamente ao perfil socioeconômico da população. Há informações que denunciam, sim, o baixo rendimento do Município nesse quesito. Para quem mora em São Caetano e não está gravitacionalmente contaminado pelo ufanismo oficial, a área de saúde é um buraco imenso que precisa de reparos. Os dados do IEME comprovam essa verdade. Não só os dados do IEME, mas o próprio ranking do IDHM, que mede a qualidade de vida dos municípios — São Caetano tem a menor das três médias (as outras são relativas às áreas de educação e renda) exatamente no critério de longevidade.
Esse é apenas um exemplo que pinçamos para justificar e enfatizar a importância de especialistas editoriais. Trata-se de realidade comum nos principais jornais do Primeiro Mundo, mas uma exceção à regra no mercado brasileiro quando se trata de questões relativas à cidadania. Temos sim especialistas em coberturas esportivas, políticas, policiais, econômicas, mas, mesmo assim, com elevada fragilidade informativa. São mais setoristas que especialistas. Profissionais sobre os quais os especialistas do outro lado do balcão — as fontes de informação — geralmente deitam e rolam interesses específicos. A máxima de que jornalista tem apenas de reportar contribui imensamente para que os vieses se ramifiquem insidiosamente. As publicações não contam com mecanismos de segurança contra impostores porque em larga escala não estão preparadas para a contra-argumentação.
Entregar às páginas opinativas dos editoriais a incumbência de eventualmente neutralizar ou reposicionar os efeitos maléficos e distorcivos de fontes de informação viciadas é um comodismo que se instaurou nas redações. O que mais se verifica, também nesses casos, é a complementaridade de disparates porque os editorialistas, cada vez mais próximos do cotidiano das redações, apenas pasteurizam e retroalimentam as informações anteriormente formuladas. Não bastasse isso, é importante ressaltar que, por mais importantes e procedentes que sejam os editoriais, pesquisas comprovam que se trata de espaços lamentavelmente consultados em proporção bastante inferior ao do noticiário convencional. Ou seja: informações equivocadas que tenham ocupado o corpo da publicação dedicada ao noticiário geralmente se consolidam como verdadeiras e irrebatíveis. O aval do editorial é a força suprema dos veículos. Para o bem e para o mal.
A formação de especialistas é um processo longo e persistente que não se esgota em alguns pares de ano. É uma jornada intensa. Mas bastante compensadora. Os especialistas são uma cabeça-de-obra disputadíssima no mercado de trabalho porque, além da segurança da informação correta, oferecem a contrapartida de alta produtividade. Sim, alta produtividade. Coloque numa disputa por produtividade um especialista que conheça a fundo a área de saúde, suas fontes, dados estatísticos, comparativos, essas coisas, e um faz-tudo ou quase tudo que, perambulando por assuntos diversos, se vê a cada jornada imerso num determinado assunto.
É o mesmo que comparar um mecânico especializado em motores de caminhão e um mecânico escalado um dia para consertar pneus, outro dia para atuar como ajudante de carregamento, num terceiro como mecânico de fato, num quarto como motorista, num quinto como engraxador. O melhor mecânico será aquele que dominar as técnicas de sua atividade e, suplementarmente, atuar em ações-afins que agreguem valor à função principal. O melhor jornalista será aquele que dominar integralmente sua especialidade e jamais se descuidar dos assuntos correlatos. Ganha-se, repito, tempo e um significativo progresso profissional. A especialização não exclui a multiplicação de conhecimentos. Pelo contrário: a notabilidade no específico é um atributo de quem reconhece a importância do periférico afim.
MULTIFUNCIONALIDADE
A especialização é parente muito próximo da multifuncionalidade. Sem especialistas não se alcança a diversidade funcional. Com vagar, é mais que possível, é certo, que um profissional de jornalismo absorva várias atribuições que o convencionalismo editorial subdivide entre vários colaboradores. As diversas fases que caracterizam a linha de montagem editorial podem ser compactadas com evidentes vantagens de tempo e recursos financeiros. Um mesmo jornalista pode desempenhar funções de pauteiro, repórter, redator, editor, titulista e legendista. E não se observe esse encadeamento como algo tecnicamente inconciliável. Trata-se de gestão compulsória de atributos pessoais. Basta querer. É assim que iniciamos uma revolução na Editora Livre Mercado, onde metade da equipe editorial é formada de jovens ainda inexperientes.
Destacamos esse caráter de juventude que caracteriza parte dos quadros editoriais da Editora Livre Mercado para que não se avoque a impossibilidade de combinar revolução e inexperiência. Os resultados não são semelhantes entre os dois grupos de profissionais. Os jornalistas com maior experiência e que tiveram de adequar-se ao novo modelo, vindos todos do arcaísmo de uma hierarquia atávica, compreenderam a importância de se tornarem donos de cada produto que têm na mão — sim, a eles entregamos a responsabilidade e o prazer de extraírem o máximo de insumos. Quem redige a matéria tem mais facilidades para escolher a foto, sacar um título, optar pela melhor legenda, redigir o texto de chamada de primeira página, coisas assim. Ao editor compete, entre outras tarefas, a homogeneização da linguagem que, por sua vez, é uma das frondosas ramificações da mesma árvore editorial. A isso se dá o nome de personalidade editorial.
A introdução do sistema de multifuncionalidade conjugada com especialização poderá causar certo impacto no início, mas a mensagem que será passada aos profissionais permitirá amortecer eventuais desconfortos. Primeiro porque poucos resistirão à tentação de apropriarem-se de cabo a rabo dos produtos sob sua responsabilidade. Segundo porque a perspectiva favorecerá o enriquecimento técnico. Terceiro porque estará firme no horizonte a oportunidade de a racionalidade associada à qualidade gerar maiores rendimentos salariais porque os mais apetrechados acabarão por galgar os melhores postos. É impressionante como os profissionais que se motivam com a multifuncionalidade — e a motivação é praticamente compulsória — acabam por se preocupar muito mais com o conjunto da obra. Sim, porque eles passam a entender uma das leis soberanas do jornalismo: se a matéria é confusa, o título se torna um tormento e a legenda um desafio.
Não conseguimos enxergar uma redação que não tenha vocação a multiplicar funções. Estamos reproduzindo no campo editorial uma realidade prática do mundo da indústria de transformação. Mais e mais os chãos de fábrica patrocinam cases de engenhosidade funcional. Os núcleos de produção estão sendo ocupados cada vez mais por profissionais doutrinados a exercerem funções correlatas múltiplas. Vivemos tempos ultramodernos em que o conhecimento teórico aliado à funcionalidade prática faz a diferença.
Estabelecer limites fossilizados aos profissionais de comunicação é o caminho mais curto ao desperdício. Quando se descobre capaz de pautar, redigir, corrigir, titular e legendar, não há jornalista que não estufe o peito da autoestima. Que prazer tem um profissional, se de autocrítica dispor, em simplesmente executar uma dessas tarefas? O mais interessante é que multitarefas se revestem de tanta sinergia individual e coletiva que acabam por agilizar o amadurecimento dos profissionais. Queimam-se etapas. Profissionais mais antigos e que não passaram pela experiência simplesmente acusam as dores do despreparo. Há profusão de casos de bons redatores péssimos titulistas, bons pauteiros péssimos redatores, bons editores e péssimos pauteiros.
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