Imprensa

CARTA ABERTA AO DONO DO
DIÁRIO DO GRANDE ABC (16)

DANIEL LIMA - 20/10/2023

O Diário do Grande ABC é um arco-íris ideológico e partidário sem o pote de ouro de conexões sustentáveis no campo editorial. Um arco-íris metafórico que remete aos sete municípios da região e às relações institucionais com as agremiações partidárias.  

Nunca em todos os tempos como nos tempos deste século, desde que Ronan Maria Pinto assumiu o controle acionário do jornal, o Diário foi tão eclético, contraditório e problemático em lidar com a barafunda da política embutida em cada gestão municipal.   

O resultado desse embaralhamento de cores e sabores, quando não de humores e rumores, quando não de horrores e dores, é um permanente estágio comprometedor como ferramenta de noticiário confiável. 

Aos dois opositores mais destemidos do Diário do Grande ABC do passado, nos anos 1970 (o prefeito de Santo André Lincoln Grillo) e nos anos 1990 (o prefeito de São Caetano Luiz Tortorello), se juntaram nos últimos tempos o prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, e o prefeito de São Caetano, José Auricchio Júnior. 

AURICCHIO RESGATÁVEL?  

Dos quatro, o menos severamente escrutinado pelo jornal é José Auricchio. Há um cheiro de aproximação permanente, por isso não há rompimento tácito, caracterizado no perfil dos outros três.  

A relação vai-não-vai com José Auricchio tende a se definir nos próximos tempos, porque os próximos tempos serão tempos de eleições municipais e o Diário do Grande ABC, independentemente de qualquer projeto dos candidatos e também de suposta linha editorial, está sempre a postos. 

Personalidade editorial jamais foi o forte do Diário do Grande ABC. Tanto que o Diário do Grande ABC adotou envergonhado, porque poucas vezes enfatizado, o mote “porta-voz da região”. O jornal utiliza uma vestimenta-símbolo em sintonia com um triunfalismo contraditório.  

Como lembrei em outro capítulo, considerando-se que a região não tem voz definida, porque subalterna a uma sociologia intrigante que tem a Capital como farol escravagista, sentir-se porta-voz não é lá essas coisas. Ou é muita coisa, porque se entrega o cromossomos editorial a indefinições. 

SEM CONTINUIDADE  

A descontinuidade de qualquer projeto colocado à mesa no sentido de dar uma organização filosófico-editorial ao jornal é regra que se perpetua, porque vem do passado e se agravou neste século.  

Há dois períodos catalogados como a insinuação não mais que provisória e pouco consistente de algo que lembraria a concertação de um perfil senão ideológico, mas mais próximo do multipartidário, porque jornalístico. O período dos anos 1990 com Alexandre Polesi à frente da Redação e os 11 meses que comandei o jornal, entre 2004 e 2005.  

As demais etapas foram de dispersão editorial do jornal, num vai-e-vem sem eira nem beira quando se tem como premissa um pretenso produto que vestiria a camisa do liberalismo econômico e do regionalismo institucional. Primeiro porque a livre-iniciativa vicejou neste espaço territorial acima do poderio estatal. Segundo porque o Diário do Grande ABC é uma corporação privada.  

Entenda-se, portanto, dispersão editorial como algo que flutuava entre a convicção e a incerteza de ajustar as peças em sete territórios aos quais se dirige. Não é uma equação qualquer e se torna ainda pior quando faltam âncoras conceituais.  

FALTA DE RUMO  

Toda organização midiática de gabarito sabe que rumo tomar, faça chuva ou faça sol. Tanto no Brasil quanto na mídia internacional. Quando uma organização empresarial mesmo em formato de jornal não define os rumos que perseguirá incansavelmente, faça chuva ou faça sol, a biruta de aeroporto é a melhor referência. 

Salvo desconhecimento ou falha de memória, a inauguração do placar de enfrentamento ao jornal foi estrelada pelo prefeito Lincoln Grillo nos anos 1970, à frente do Paço Municipal de Santo André durante seis anos. Foram batalhas intensas.  

O Diário do Grande ABC tinha influência regional sufocante. A região vivia o auge do Desenvolvimento Econômico. E o jornal a etapa mais intensa de crescimento. Redes sociais não existiam para dividir atenções e versões. Era Diário do Grande ABC como fonte central e praticamente única de informação.  

Pouco interessa os motivos que levaram o Diário do Grande ABC e a Administração de Lincoln Grillo à guerra santa. Mas que foram inimigos, foram. E intensamente. E durante muito tempo. Nada, portanto, que possa ser colocado na prateleira de circunstancialidade, como se tornou praxe nas relações do Diário do Grande ABC com inúmeros prefeitos. Circunstancialidade é o diagnóstico de embates temporários que serviam a aproximações corretivas de rotas em desalinhos.  

DISPUTA ACIRRADA  

Com Luiz Tortorello, agora nos anos 1990, a disputa foi encardida. Sem tréguas. Tanto quanto no caso de Lincoln Grillo, muitos imaginavam que de alguma forma haveria a rendição do prefeito de São Caetano. Não foi o que se deu.  

Tortorello contava com muito prestígio popular. Reelegeu-se com folga, até ser abatido por uma doença letal antes que completasse o mandato em 2004. 

Agora, nestes tempos de variantes de meios de comunicação num estalar de dedos, numa etapa em que os jornais de papel perdem força social e já não sustentam equipes de profissionais de redação mais robustas, o que temos é um Orlando Morando e um José Auricchio impermeáveis à linha editorial bélica do Diário do Grande ABC. 

E qual é a linha editorial do Diário do Grande ABC direcionada aos sete administradores municipais que lembram as cores do arco-íris? Avermelhados, Amarelados e Azulados seriam vistos sem distinção alguma, como se o Diário do Grande ABC fosse daltônico editorialmente.? Seriam se não houvesse condicionantes. Mas como há condicionantes, não o são.   

VEZ DE MORANDO  

Sem dúvida, depois de Lincoln Grillo e Luiz Tortorello, o prefeito Orlando Morando é o adversário mais resiliente do Diário do Grande ABC. Não há ordem de importância quando se alinham os três nomes. Trata-se apenas de cronologia. As circunstâncias que marcam a guerra de guerrilhas de informações são distintas. 

José Auricchio juntou-se a Orlando Morando no enfrentamento ao Diário do Grande ABC, mas ainda há esperança na Rua Catequese, sede do jornal, de que é possível reverter a situação. Nesse período de embates com o prefeito José Auricchio, já houve etapas distintas. De ataques contundentes seguidos de abrandamentos táticos. É um puxa-estica de testes mútuos. Auricchio tem se mantido firme.   

Afinal de contas, de que consiste o processo de agravamento e de abrandamento da linha editorial do Diário do Grande ABC como estratégia para alcançar relacionamento produtivo com os prefeitos de plantão?  

A resposta é simples: a calibragem do noticiário nas páginas do Diário do Grande ABC é tão relevante quanto a mensuração editorial do que interessa e do que não interessa à publicação. 

Então, para melhor entendimento, a situação se resume ao que se publica, da forma que se publica, e ao que não se publica, e por que não se publica.  

BONIFICAÇÃO E CASTIGO  

Quem mantém proximidade com Ronan Maria Pinto terá a bonificação de noticiário cor-de-rosa permanente. Algo como uma assessoria de imprensa especial. Como desfruta o prefeito de Santo André, Paulinho Serra, o administrador mais perfeito da história dos municípios brasileiros. Paulinho Serra é santificado pelo Diário do Grande ABC. Mesmo sendo um prefeito medíocre.  

Quem não for capaz de entender essa intimidade ou, pior, quem se opuser verá com quantos paus de crítica permanente e muitas vezes sem lastro se faz uma canoa de complicações. 

O que o Diário do Grande ABC perpetra nas páginas diárias é um lugar-comum na mídia verde e amarela. A diferença básica é que, por conta de peculiaridade regional, de um territorial fragmentado em sete partes, o tratamento esquizofrênico torna-se flagrante. E muito menos habilidoso. 

RETALIAÇÕES DESCONEXAS  

Como, entretanto, o produto final se torna flagrantemente viciado, encaminha-se, portanto, à queda de credibilidade. O Diário do Grande ABC nunca soube lidar com idiossincrasias editoriais, especialidade agora também menos sólida dos grandes jornais brasileiros. Entretanto, ultrapassou o limite com discricionaridades alarmantes.   

Tanto que ainda outro dia responsabilizou o prefeito de São Bernardo pela saída da Ford e da Toyota, além da falência geral da Rota do Frango com Polenta, no Bairro Demarchi. O histórico sindical, a descentralização automotiva e a guerra fiscal foram jogados no lixo como fontes propulsoras da desindustrialização regional.  

A inabilidade editorial significa que o Diário do Grande ABC não consegue disfarçar as contendas que o colocam agressivamente contra desafetos. Ao lidar com sete prefeitos e tratar editorialmente as sete administrações de formas distintas, embora com a mesma matriz informativa, desnudam-se publicamente privilégios e perseguições. O arco-íris editorial do Diário termina num poço de contradições.  

POLOS OPOSTOS  

Dezenas e dezenas de exemplos poderiam ser rebocados a esta série para comprovar contrastes de tratamento editorial do Diário do Grande ABC aos amigos e aos inimigos dos paços municipais. A diferença entre o que se publica como relações públicas em forma de jornalismo da Administração de Paulinho Serra e o que se produz em forma de vendeta quando se refere à gestão de Orlando Morando é escandalosamente tão evidente que qualquer estudante de jornalismo detectará em uma semana de leitura comparativa. 

Um terreno público à venda em São Bernardo é o prenúncio de escândalo financeiro ou deterioração orçamentária, quando não de saque contra os interesses dos contribuintes. Em Santo André, em situação análoga, o Diário do Grande ABC tem adotado postura de esconde-esconde, ou seja, de simplesmente não transformar a proposta do Executivo em notícia. E se o faz, quando faz, minimiza de tal maneira a publicação que parece, pela miniaturização editorial, algo inteiramente sem importância. 

A leniência com que o Diário do Grande ABC trata a Administração de Paulinho Serra quando há o Legislativo no meio do caminho também difere de São Bernardo. Enquanto o controle do Legislativo pelo Executivo, rotina nos municípios brasileiros, assim como em Brasília, é arbitrariedade e mandonismo em São Bernardo, vira prova de competência administrativa em Santo André.  

PANDEMIA DESASTRADA  

A gestão da pandemia do Coronavírus na região, sob a suposta liderança de Paulinho Serra, foi solenemente enviesada pelo Diário do Grande ABC. Chegou-se a festejar os dados como obra de uma regionalidade que jamais existiu nas ações do Clube dos Prefeitos.  

Morreram em média, por 100 mil habitantes, 30% a mais de habitantes da região vítimas do Coronavírus em relação à média nacional. E cerca de 20% acima da média paulista. E o mesmo tanto da média do distrito de Sapopemba, da Capital.  Os dados sempre foram omitidos.  

Mas os aplausos a Paulinho Serra se fizeram ouvir em todas as páginas do jornal. Possivelmente Orlando Morando seria execrado se colecionasse algo semelhante à frente do Clube dos Prefeitos – ou algum aliado respondesse pela entidade. 

O Diário do Grande ABC exerce uma política editorial seletiva, como se observa. O que vale em Santo André como suposta fonte de endeusamento, mesmo as fraudes informativas sempre caudalosas da Administração Municipal, não tem alcance algum em São Bernardo e também em São Caetano.  

AVERMELHAMENTO 

Nos últimos tempos entraram no radar informativo chapa-branca do Diário do Grande ABC as administrações petistas de Diadema e de Mauá, já sob a influência de relações comerciais com o PT nacional, sob Lula da Silva e um agregado de assessores inclusive com origem na região.  

Diadema e Mauá passaram a constar mais, muito mais, das páginas do Diário do Grande ABC. Sempre e sempre no mesmo tom propagandístico.  

Reportagens para valer, dessas que mesmo que com fragilidades evocam o outro lado da oficialidade, praticamente não existem nas páginas do Diário do Grande ABC tanto para Diadema quanto para Mauá, quando envolvem interesses dos dois prefeitos.  

Alguma exceção só confirma a regra e geralmente é posta como peça-chave ao aperfeiçoamento das relações institucionais.  

Ribeirão Pires do prefeito Guto Volpi e a avermelhada Rio Grande da Serra também ganharam espaços no Diário do Grande ABC nos últimos tempos. Sempre no mesmo tom do arco-íris de ocasião.        

TRATAMENTOS DESIGUAIS  

A miscelânia editorial do Diário do Grande ABC pareceria a prova provada de independência e democracia informativas, mas é justamente o inverso. A prova do tempero de esquisitices que o Diário do Grande ABC publica diante de olhos mais atentos e mentes mais agudas é simples de fazer: para situações iguais ou semelhantes, qual foi o prato feito que saiu dos fornos? 

Talvez um dos símbolos de dois pesos e duas medidas mais emblemático dos últimos tempos do Diário do Grande ABC foi a morte de uma criança numa escola de São Bernardo, atingida por um galho de uma arvore em estado precário de preservação, e a morte de um adulto poucos meses antes em Santo André também por causa de uma arvore igualmente deteriorada. 

A morte do adulto mereceu do Diário do Grande ABC apenas um registro informativo, uma notícia propriamente dita, que, bem elaborado, fundamentava o acidente como acidente, não como um crime do Poder Público, mesmo com o alerta às autoridades da área.  

Tanto como no caso de São Bernardo, houve sinalizações de que havia grau de risco diante de chuvas e tempestades.  

ÁRVORES QUE CAEM  

Nada, entretanto, que pudesse ser instalado como algo de extrema responsabilidade da Prefeitura ou que diferisse um acontecimento do outro. O que não falta em qualquer endereço municipal é uma enormidade de árvores que podem cair em situações análogas. No caso de São Bernardo, a árvore constava de tombamento patrimonial, ao qual inclusive o Ministério Público se submeteu ao descartar o corte requerido três anos antes da queda.    

No caso da menina estudante, o Diário mobilizou-se com tanto empenho e tanto ardor político-editorial que durante 10 edições seguidas levou aos leitores a subjacente criminalização do prefeito Orlando Morando. O candidato petista à Prefeitura, deputado Luiz Fernando Teixeira, virou porta-voz da sociedade enraivecida.  

A política editorial do Diário do Grande tem distinções quando se trata de Orlando Morando e de José Auricchio, inimigos da vez. Enquanto parece não existir mais a menor possibilidade de aproximação com o titular do Paço de São Bernardo, com José Auricchio lança-se dia sim, dia não, alguma espécie de isca noticiosa que flerta com a cooperação interrompida.  

PACTO FIRMADO  

A tarefa de organizar as teias de interesses que começam e terminam na Redação do Diário do Grande ABC exige muita flexibilidade porque não é nada fácil a coordenação de movimentos que se pretendem complementares. A aura de um produto com a maior tradição no ramo na região já foi mais condecorada.  

Os prefeitos Orlando Morando e José Auricchio parecem ter firmado um pacto de não responder a qualquer investida jornalística do Diário do Grande ABC. Quem observa o noticiário do jornal não deixa escapar esse vácuo. Reportagens que tratam de algum aspecto em que o conjunto dos sete município precisa ser abordado geralmente se esfacelam ante a recusa dos dois municípios.  

Nesta semana, por exemplo, uma reportagem sobre o número de médicos vinculados às prefeituras foi tratada nos títulos de primeira página e internamente como reprodutora do universo regional, mas os dados de São Caetano e São Bernardo não constam dos resultados. Ou seja: quase 50% do PIB regional e dois terços da população ficaram de fora do trabalho jornalístico. 

O Diário do Grande ABC de sete cores municipalistas lembra um equilibrista desastroso. O cabo de aço editorial, que dispensaria memória porque se fundamentaria numa prática constante de pressupostos jornalísticos sólidos, não passa de uma corda bamba ao sabor dos ventos de ocasião.     



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