Sociedade

É melhor ficar em cima do
muro após a tempestade

DANIEL LIMA - 17/11/2023

É isso mesmo: é melhor ficar em cima do muro metafórico após os desdobramentos da tempestade de outro dia que fez especialmente da Grande São Paulo um inferno de destruições, tragédias e transtornos.  

É muito melhor ficar em cima do muro metafórico do que nas proximidades de muros de verdade e, principalmente, embaixo de árvores de fato.  

Depois de mais de trezentos anos de jornalismo aprendi muito e acho que meter a mão da precipitação nessa cumbuca seria muito arriscado. Há tanta gente que, de repente, entende do assunto e já tem traçado tudo o que ocorreu. É melhor manter um pé atras.  

Não tenho coragem de escrever nada além do que já estou escrevendo sobretudo porque desconfio rigorosamente de todos os relatos da mídia e dos políticos cada vez mais ávidos por aparecer nas redes sociais. A Enel virou a Geni da vez e desconfio sempre que ocorre algo semelhante. Prefiro acreditar na teoria comprovada na prática de que um avião não cai por uma razão específica. Nem árvores.  

CHEIRANDO MAL  

Há sobras de inconsistências individuais que, colocadas num ventilador, podem significar aquilo que você está pensando. Sempre que se fala em ventilador há correlação imediata com aquilo que você não cansa de sentir a cada dia no noticiário político, principalmente. A disenteria é generalizada na União, nos Estados e nos Municípios.  

Não desprezem minha suposta sapiência ao tratar (ou não tratar) efetivamente desse assunto. Sou macaco velho e escaldado.  

Depois de tanto aprendizado jornalístico e da experiência como pessoa física de um Tribunal de Júri, não existe outra saída senão acautelar-me.  

Acho que tenho um saldo bastante positivo nas questões polêmicas, por assim dizer, em que me meti, mas se me meti nas questões polêmicas foi por estar bastante convicto de que não estaria caindo numa arapuca.  

ESCOLA BASE 

Não quero (embora tudo possa acontecer) repetir a tragédia profissional de um Walmir Salaro, responsável pela disseminação midiática da farsa sobre a Escola Base e que, recentemente, foi protagonista de documentário da Globoplay numa tentativa de voltar no tempo e penitenciar-se.  

Entre parecer omisso ou se tornar explicitamente defensor de determinada abordagem existe uma diferença fundamental e que explica tanto uma coisa quanto outra: preciso estar forrado de informações e provas para não ser desmentido na sequência.  

E no caso da Enel, não tenho nem uma coisa nem outra. Não tenho e acho que muitos não têm, embora todos pareçam loucos por 15 minutos de fama.  

E olhe que já consumi todas as fontes possíveis na mídia de papel e digital. Nenhuma me convenceu de que as contradições flagrantes ou sub-reptícias não sejam de fato contradições que operariam como armadilha a quem não abre mão de curadoria rigorosa.   

A divisa entre especulação e fatos, entre realidade e fantasia, entre maledicência e congratulação é cada vez mais tênue nestes tempos de paroxismo midiático. 

Antes das redes sociais não havia muita discussão. A Velha Imprensa era tida como uma turma mais que comprometida com a verdade – era quase sacrossanta. Não existia contraditório. A verdade publicada por mais mentira que fosse seria sempre verdade. Ou, no máximo, quando contestada, não comportava muitas derivações. Hoje está tudo diferente. Saímos de um extremo ao outro.  

PROVA PROVADA  

Adotei por princípio ético e moral de que nada será publicado em forma de análise que prescinda de prova provada se não contar com prova provada.  

A exceção que caracteriza navegação em supostas águas rebeldes de compreensão e fidelidade aos fatos geralmente se dá no campo político, no qual as fontes de informações precisam ser de absoluta confiança porque a imaterialidade dos insumos que geram análise é imperscrutável. 

Juro por todos os juros, por todas as luzes, por todas as fiações aéreas, por todas as tarifas e por tudo o mais que não vou exarar parecer jornalístico algum sobre a tempestade da semana retrasada que tem como filtro principal ideologia de privatização versus estatização de serviços públicos. 

VESPEIRO PERIGOSO  

Francamente não dá para mexer nesse vespeiro porque esse vespeiro é apenas uma ficção cada vez mais lubricada por interesses difusos que geralmente desaguam ou pretendem desaguar nas urnas eleitorais. 

O Brasil desta terceira década do século já provou e comprovou que é incompetente para entregar à sociedade infraestruturas físicas (vou ficar apenas nesse caso) conforme a demanda demográfica.  

Somos um fracasso nos investimentos que, de fato, não passam de gastos. A diferença entre investimento e gasto é que o primeiro é um batalhão de iniciativas que resultam em ganhos produtivos e sociais. O segundo é um batalhão de iniciativas tresloucadas e corruptas que estendem sem parar o tempo à disponibilidade das obras que nunca se completam. 

Acho que, como a democracia, a privatização é o pior dos desdobramentos do regime capitalista como força-motriz de desenvolvimento, exceto todas as demais opções. O Estado Brasileiro é indelevelmente incompetente, sem limites na eficiência da ineficiência.  

TEIMOSIA CUSTOSA  

Até picaretagens de privatizações escandalosas são menos ruinosas aos cofres públicos do que o controle estatal da maioria das atividades de interesse público. Energia elétrica integra esse cardápio. 

Não quero fazer desse texto caudal de exemplos de supostos patrimônios públicos que foram para o chapéu nas mãos de gestores públicos que entendem que a gestão pública não permite qualquer alternativa.  

Quem conhece, por exemplo, a história da municipalização (estatização em nível municipal) do sistema de transporte publico da socialista Diadema sabe reconhecer a diferença entre tapeação e abuso. Em outros municípios da região não tivemos casos diferentes. 

Tapeação é quando alguém faz uso de procrastinações para tentar vender a ideia, quando não a certeza, de que os problemas gerados pela estatização vão ser corrigidos. Abuso é a autoridade pública saber que aquele modelo estava fadado ao fracasso mas insiste até que se chegue ao comprometimento visceral dos cofres públicos. 

MUITOS EXEMPLOS  

Isso aconteceu em Diadema e aconteceu também em outros municípios. Esse é o problema gerado pelo dogmatismo estatal. Eles, os estatistas, insistem em ignorar o que se deu no mundo inteiro ao longo de todos os tempos.  

Os moradores da Alemanha Oriental não derrubaram o Muro de Berlim porque o outro lado da fronteira criada após a Segunda Guerra Mundial estivesse distribuindo pirulitos. O caos da Alemanha Oriental foi descoberto e não se tratou de algo que não fosse estarrecedor. 

Então parece mais que definido sob o ponto de vista de gestão que privatizar é sempre melhor que estatizar.  

O erro dos privatistas é que fecham os olhos aos oportunistas que, juntamente com os donos do Poder Estatal, organizam-se para saquear o patrimônio público restante.   

MERCADO IMOBIIÁRIO  

Essa operação não é exceção quando empresários se metem mato adentro de riquezas dos contribuintes, porque é disso que se trata. É praticamente uma regra.  

E não se esgota em empresas de obras e saneamento, em elétricas mal geridas, na área de saúde e em muitas outras atividades. Também se dá e causa danos irreparáveis numa porção valiosíssima da qualidade de vida chamada terra urbana.  

Os meliantes do mercado imobiliários, que fazem proselitismo de benemerências, entre tantas, ficam praticamente incólumes. Eles privatizam as ruas e avenidas, definem regras do jogo de construção e ainda recebem títulos de cidadãos honorários. E contra esses mercadores imobiliários não faltam provas materiais de delinquências quando a loteria do Judiciário ignora, quando não pune, os denunciadores em forma de jornalistas.  

Portanto, senhoras e senhores, distinto público, não me peçam para saltar do muro dos estragos contabilizados em nome da Enel porque não estou convencido da porção majoritária de responsabilidade da empresa no pacotaço de complicações evidentes no sistema de energia elétrica dessa imensidão geográfica.  

IMPONDERABILIDADE  

O que sei mesmo e disso não abro mão no sentido de dizer que sei e o que sei não tenho por que não acreditar que estou certo é que tudo que se registrou na última tempestade tem muito mais peso de fatalidade do que de negligência.  

Uma coisa não exclui a outra, claro, mas como não tenho a menor ideia de quem seja preponderantemente o responsável pela fatia de negligência, e a fatalidade me parece mais protuberante, então repito o parecer tanto do caso da estudante que morreu recentemente em São Bernardo quanto do homem que morreu em Santo André, meses antes, após tempestades.  

Aliás, a tempestade de 3 de novembro praticamente eliminou muita carga de suposta responsabilidade do prefeito Orlando Morando. Mas o prefeito errou ao reagir contra a Enel. Afinal, a tempestade que vimos fugiu completamente da normalidade das tempestades comuns. Ultrapassou, segundo especialistas, tudo que poderia ser chamado de impactação histórica.  

Não estou nem contra nem a favor da Enel, portanto. Até prova em contrário. Quem acompanhou o Caso Celso Daniel, que criminalizou um inocente, ou quem suportou 17 horas de um Júri Popular com dificuldades de entender que o tiro à queima-roupa, documentado por câmeras, não admitiria dúvidas sobre a autoria e as razões, quem tem isso e muito mais no currículo não vai entrar de gaiato no navio de mídias espetaculosas e de políticos loucos por holofotes.   



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