Esta é a última edição da primeira temporada de análise sobre o Diário do Grande ABC desde que passou ao controle do empresário de transporte coletivo Ronan Maria Pinto. O marco inicial é, portanto, o ano de 2004.
É possível que no futuro volte a produzir curadoria semelhante. Não haverá um vácuo entre o agora e o futuro. Permanentemente, com intermitência, tanto o Diário do Grande ABC como outros veículos de comunicação seguirão sob minha mira. Como sempre estiveram antes mesmo que esta série fosse iniciada.
Poderia reservar aos últimos parágrafos o resumo em forma de nota de zero a dez o que é o Diário do Grande ABC de hoje, resultado, claro, de duas décadas sob novo comando. Mas não vou fazer suspense, e justifico a avaliação em seguida, com a abordagem de seis vetores essenciais.
O Diário do Grande ABC só não recebe nota zero em respeito aos profissionais de jornalismo que lá estão, sacrificados a cada dia. A fragilidade estrutural é um obstáculo intransponível. Não há talento que resista.
APENAS NOTA UM
Por isso, de zero a dez, sem pestanejar, estabeleço a nota um. Não muito diferente, aliás, de 2004, quando assumi a diretoria de Redação. Se não me engano, atribuí àquela ocasião uma nota dois, também numa escala de zero a dez.
Para facilitar a compreensão dos leitores não só na definição da nota mencionada, mas para que também entendam tudo o que já escrevi nesta série e este capítulo final como importante jornada pedagógica, listo os seis pontos conceituais que lastrearam essas etapas superadas. Em seguida, pretendo dar conta explicativa de cada uma.
JORNALISMO DE INFORMAÇÃO.
JORNALISMO DE PRESSÃO.
JORNALISMO DE PROTEÇÃO.
JORNALISMO DE ACOMODAÇÃO.
JORNALISMO DE COERÇÃO.
JORNALISMO DE TRANSFORMAÇÃO.
Decidi criar essas categorias de jornalismo para identificar o estágio em que está o Diário do Grande ABC. De fato e para valer esses pontos nem sempre afloram à consciência crítica ou mesmo diante de pouca preocupação avaliativa dos leitores de jornais – como é o presente caso.
Até que chegasse à pauta que definiria este último capítulo da série, também não havia diagramado o conjunto de vetores que marcam o jornalismo impresso e que poderiam ser adaptados a qualquer tipo de jornalismo profissional.
De qualquer modo, subjacentemente, tudo que se produziu nos 19 capítulos anteriores se ancorado nesses princípios. Até porque são princípios óbvios, embora não inseridos na compartimentação temática proposta.
Dessa forma, nada melhor que dar o pontapé inicial à avaliação do Diário do Grande ABC, principalmente sob o controle de Ronan Maria Pinto, tendo essa dinâmica de transversalidade como centro de controle analítico.
JORNALISMO DE INFORMAÇÃO
O Diário do Grande ABC encontra-se em situação de empobrecimento informativo estarrecedor. Os espaços editoriais são cada mais restritos, com páginas magérrimas em quantidade e escassas em circulação. E, muito mais que isso, há um vazio preenchido por um casamento frustrante entre assessorias de imprensa de órgãos públicos e uma quantidade de estagiários de jornalismo que procuram conciliar palavras em forma de textos primários.
Quando o Jornalismo de Informação, o mais primário dos jornalismos, não preenche o noticiário de um jornal de papel, não se deve esperar mais nada. Afinal, o Jornalismo de Informação é a porção mais fluente na praça. Os profissionais do Jornalismo de Informação não precisam de outro predicado senão ter a percepção do que significa a própria atividade e, por conta disso, produzir o básico. O Diário do Grande ABC conta com um Jornalismo de Informação estarrecedor. Não se entrega uma faxina básica a quem não sabe segurar o cabo da vassoura.
JORNALISMO DE PRESSÃO
A identificação do Jornalismo de Pressão se dá com clareza e mesmo com satisfação quando se encontra o meio de caminho ideal entre o Jornalismo de Acomodação e o Jornalismo de Coerção. Trafegar entre uma coisa e outra é uma especialidade que requer muito conhecimento, ética e determinação. Poucas publicações atingem esse nível de qualidade. O Diário do Grande ABC está a léguas de distância disso.
Jornalismo de Pressão é a competência de tornar a linha editorial constante inquietação com iniciativas do Poder Público e de representações sociais e econômicas.
Como o Diário do Grande ABC poderia exercitar Jornalismo de Pressão se há ausência tácita da matéria-prima à empreitada, no caso a insípida, inodora e incolor definição de conceitos da linha editorial?
Por ser uma publicação carregadíssima de contradições que se chocam e se convertem em caldo de uma cultura de improdutividades, o Diário do Grande ABC não tem a menor noção do significado de Jornalismo de Pressão. Exceto no sentido deletério da expressão.
JORNALISMO DE PROTEÇÃO
Essa é para valer e sem dúvida alguma uma das mais frequentes, densas e intocáveis prova de coerência do Diário do Grande ABC. Entenda coerência no sentido de que não admite flexibilidade. O Diário do Grande ABC executa o Jornalismo de Proteção em benefício de todos que estão ao redor de interesses editoriais. E isso não inclui compromissos programáticos, ideológicos e sociais no mais abrangente sentido. Ou seja: o Diário do Grande ABC do Jornalismo de Proteção é uma peça-chave de cumplicidades de indivíduos e grupos de interesse.
A agenda do Diário do Grande ABC não comporta nada que supostamente comprometa as relações com grupos com os quais mantém relações que vão muito além do jornalismo propriamente dito. O Jornalismo de Proteção do Diário do Grande ABC faz vistas grossas e desconsidera tudo que é praticado por seus aliados.
JORNALISMO DE ACOMODAÇÃO
Diferentemente do Jornalismo de Proteção, o Jornalismo de Acomodação tem viés decorrente da incapacidade técnica e operacional de sair da condição de expectativa permanente e meter-se mato adentro em busca de identidade editorial mais ativa.
Quando um jornal observa situações que implicitamente exigiriam intervenção, mas é incapaz de avançar em busca de qualquer coisa que possa ser chamada de informação, temos Jornalismo de Acomodação.
Entretanto, é preciso distinguir o Jornalismo de Acomodação de outras tipologias de jornalismo. O Jornalismo de Acomodação necessariamente não carrega dolo nem equívoco. É genuinamente um jornalismo anestesiado pelas contingências estruturais que o identificam a partir de uma redação em frangalhos.
O Diário do Grande ABC também carrega essa enfermidade editorial. Não se fazem omeletes sem ovos. O Jornalismo de Acomodação é o filho que se joga na lata do lixo quando uma mãe não encontra meios e está em nível de desespero enlouquecido de desesperança. A imperiosidade de dar conta de pautas geralmente sob controle e factíveis do ponto de vista de execução, amoldadas às condições de infraestrutura geral de produção, dinamita a embarcação fora do roteiro diário.
Explico: entre o certo mais fácil de execução e o certo de execução mais dispendiosa, complexa ou mesmo contraditória, não há como pestanejar. O Jornalismo de Acomodação não é um compartimento esterilizado de outros aspectos inseridos no conjunto de tipologias, mas geralmente se insere renitentemente no pragmatismo da Redação dar conta do recado mais à mão, mais simples, menos trabalhoso e, portanto, menos profundo.
JORNALISMO DE COERÇÃO
Encontrar amostras diárias do Jornalismo de Coerção é uma tarefa que o Diário do Grande ABC jamais poderia colocar ao desafio dos leitores. Afinal, incidiria numa tempestade de manifestação. Assim como o Diário do Grande ABC se tornou um exemplar provinciano do Jornalismo de Proteção, também faz do Jornalismo de Coerção reprovável intermitência.
Entenda-se Jornalismo de Coerção sob condições brandas ou graves como uma deformação editorial gradual que compromete a reputação de um jornal.
Quando se adotam medidas típicas de Jornalismo de Coerção no sentido opressivo da expressão, todas as barreiras eventualmente erguidas ao longo dos tempos que oferecem respaldo de credibilidade a um jornal acabam colocadas sob suspeição.
Não há nada pior para o jornalismo que despertar ceticismo de que se está exagerando na dose de avaliações sobre determinado alvo. Quando não existe sustentação de fatos, de provas, de equidade entre os agentes principalmente públicos, coloca-se em risco também o descredenciamento de fatos, de provas e de equidade quando de fato existirem.
O Jornalismo de Coerção se desgarra dos leitores quando o limite entre a verdade e a meia-verdade, quando não da verdade da mentira inteira, é invadido e estuprado eticamente.
Uma das fórmulas mais corriqueiras do Jornalismo de Coerção é colocar sob holofotes atores políticos com os quais sustenta relações de conveniências para atingir alvos incômodos.
O Diário do Grande ABC pratica o Jornalismo de Coerção quando sistematicamente instala, em forma de ouvidores, adversários políticos de prefeitos com os quais mantêm dificuldades de relacionamento (principalmente Orlando Morando nestes tempos, mas também José Auricchio). A função de ouvidoria, no sentido mais democrático de compreensão, jamais poderia ser terceirizada.
Um jornal de personalidade e, portanto, sem compromissos explícitos ou implícitos com personagens e organizações ocasionalmente alinhadas, jamais poderia introduzir o atalho editorial em forma de atravessadores.
O Jornalismo de Coerção do Diário do Grande ABC é autofágico. Desnuda uma face oculta apenas aos ingênuos consumidores de informações: o ouvidor e seus aliados geralmente são beneficiários do Jornalismo de Proteção.
JORNALISMO DE TRANFORMAÇÃO
O Diário do Grande ABC está muito distante do Jornalismo de Transformação. Nem sequer se aproximaria desse estágio ao mergulhar de cabeça e de alma em outros tipos de jornalismo que interditam a estrada rumo a reformas.
A pauta geral do Diário do Grande ABC é oposta aos princípios do Jornalismo de Transformação porque tem os movimentos abortados pelo ambiente que o aprisiona. Um exemplo? O jornal jamais e em tempo algum se lançou a uma crítica orgânica, sustentável, detalhada, sobre os efeitos do sindicalismo na região. E tampouco ao outro lado da moeda de reações trabalhistas, ou seja, os representantes de entidades empresariais.
Esse vácuo diz tudo sobre uma das debilidades mais constrangedoras do Diário do Grande ABC – um processo contínuo de omjssão -- que o afasta de qualquer tentativa de qualificação como Jornalismo de Transformação. É de omissão que se está escrevendo.
A omissão do Diário do Grande ABC é latente em questões polêmicas no sentido de que o contraditório de valor agregado é indissociável das demandas conflitantes. Mais que isso: essa cláusula pétrea do Diário do Grande ABC de omissão em questões essenciais da região só é superada -- e nesse ponto é largamente -- quando o jornal diretamente ou com braços de terceiros pega o atalho de posicionamentos antagônicos aos interesses da região exatamente porque a pauta foi roubada por terceiros.
Um exemplo? Os efeitos danosos do Rodoanel Sul, uma pauta que contem dezenas de análises deste jornalista nesta publicação, jamais foram levados a cabo. Afinal, as relações do jornal com governos locais e principalmente estadual, durante o período dos tucanos, impedia ou desestimulava incursões supostamente críticas.
Sem contar também, como causa dessa e de dezenas de outras pautas regionais de ampla preocupação social, as demais características editoriais do jornal, expostas aqui.
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