Esportes

Sucesso em campo, Ramalhão
fracassa como clube empresarial

DANIEL LIMA - 20/04/2010

Quando os leitores deste site tomarem conhecimento — nesta quinta-feira, 22 de abril — da proposta que enviei aos acionistas do Saged (Santo André Gestão Empresarial e Desportiva) em outubro de 2007, depois de redigir o documento três meses antes, o título deste texto não parecerá nada apocalíptico, nada emocional, nada ofensivo, nada de nadinha.


Será apenas a constatação de um coito interrompido, ou seja, o futebol de Santo André perdeu três anos seguidos para honrar a denominação de clube-empresa com que foi concebido após absorver a história e o patrimônio do Esporte Clube Santo André.


O Saged não passa de um clube fechado comandado de cabo a rabo pelo empresário Ronan Maria Pinto. Com tudo de bom e tudo de ruim que isso pode significar. Inclusive a gangorra de disputar uma final de um estadual depois do rebaixamento na Séria A do Campeonato Brasileiro.


Insisto na pregação pedagógica do que ocorreu com o futebol da cidade: o Santo André que está às vésperas de mais uma página de sucesso no futebol brasileiro, finalista da Séria A do Campeonato Paulista, é resultado do comando do Saged, organização que privatizou o Ramalhão por obra e graça do então presidente Jairo Livolis.


O que o então presidente Jairo Livolis imaginou para o clube-empresa, principalmente a presidência por período razoavelmente elástico, foi completamente dissolvido. Faltou combinar com os russos, no caso Ronan Maria Pinto, que o apeou do poder.


Aquele documento sob o título “Clube-empresa? Empresa-Clube?” foi a contribuição que ofereci naquele começo do que imaginava tempos de grandes transformações do futebol de Santo André. Vivia-se a expectativa de que um regime empresarial comprometido com a sociedade civil viria a revolucionar o futebol brasileiro. Ledo engano. O Saged tornou-se empreendimento fechadíssimo, concentradíssimo, imperialista — sob a presidência do empresário Ronan Maria Pinto.


A possibilidade de o sucesso nos gramados, do qual todos nos orgulhamos (cantei essa bola já no início da competição, como pode ser verificado em artigos neste site) entorpecer o senso crítico de quem pensa o futebol do Grande ABC muito além da próxima competição, muito acima das quatro linhas, estimula mais essa contribuição jornalística. Resgatar aquelas propostas que alinhavei num final de semana, imaginando o Ramalhão definitivamente no panteão da modernidade esportivo-empresarial é, portanto, questão fundamental para a compreensão integral dos textos que tenho escrito ultimamente.


Esse recado vai principalmente para atravessadores éticos que destilam a ideia de rusga particular entre este jornalista e a presidência do Saged.


Costumo dizer aos amigos mais chegados que escrever é uma forma de amalgamar ideias e compromissos. Não diria que fico frustrado com alguns desenlaces que fogem completamente ao figurino impresso em cada parágrafo. Faz parte da vida conviver com decepções e alegrias. Não fosse assim, não teria esperado 27 anos para ver meu time ganhar o Campeonato Paulista. Não carrego nenhum tipo de anomalia psíquica por conta de resultados adversos. No máximo, a memória insiste em alguns momentos em açodar o pensamento. Faz parte do show.


Entretanto, ao reler aquele texto encaminhado aos acionistas do que se transformou em Saged (até então a nomenclatura para definir a empresa que passou a cuidar do futebol da cidade era Santo André Gestão Empresarial, como consta daquele trabalho) um vazio percorre cada mililitro de meu sangue regionalista. Não é que praticamente nada, nada e nada foi executado?


Nada surpreendente, convenhamos. Se há algo que o Saged não pretende implantar é estrutura que ao menos resvale em algo que sustente o coletivismo e a transparência. O que mais interessa à direção do Saged é o centralismo decisório e informativo.


O pior da situação, que poderá ser constatada pelos leitores do material que será postado nesta quinta-feira sob o título “Como substituir romantismo por clube-empresa e empresa-clube?” é que não havia nenhuma nesga de doidice naqueles traçados. Muito pelo contrário: o clube-empresa ou a empresa-clube com que sonhava não passa de obviedade tão escandalosa que, sinceramente, me sinto de fato apenas reprodutor de ideias de gente de bom-senso.


O problema todo é que sobram oportunistas e arrivistas.


Apenas para aguçar o interesse dos leitores, transcrevo alguns trechos do texto que preparei há três anos, os quais, provavelmente transmitirão certa estrutura aos conceitos que repassei aos acionistas do clube-empresa e da empresa-clube:


 A melhor combinação de clube-empresa e empresa-clube é equivalência de pesos. O desbalanço poderia adernar o futuro desse cooperativismo capitalista que vai muito além de interesses negociais, embora não possa deixar de levar em conta também interesses financeiros.


 A substituição de dirigentes, conselheiros e torcedores de um modelo com prazo de validade vencido por cotistas que olhem os balancetes financeiros como contraface dos resultados em campo é o ponto de maturidade.


 Sem retaguarda que reproduza organogramas de empresas saudáveis não haverá espaço no futebol brasileiro para clubes que pretendem fazer de vitórias, conquistas e rentabilidade financeira um encadeamento lógico.


 O pior dos mundos para o Santo André Gestão Empresarial é acreditar que seja clube-empresa porque a formalidade legal foi finalmente sacramentada.


 Enquanto o Santo André não se enxergar como empresa, provavelmente sofrerá as consequências de um clube médio constantemente ameaçado pelas circunstâncias e armadilhas do mercado da bola que tanto poderão embalá-lo aos primeiros postos e voltar a conquistar sazonalmente um título de expressão, como a Copa do Brasil em 204, ou deslocá-lo para a zona de rebaixamento.


 Um clube-empresa que não tenha a contraface de uma empresa-clube seria péssima e frustrante conclusão de um processo que demorou para sair das planilhas.


 Seria um desperdício de dinheiro e de oportunidade satisfazer-se simplesmente com a porção financeira dos acionistas.


 A separação entre futebol e clube poliesportivo não pode ser levada ao pé da letra da nova configuração societária.


 Uma campanha de marketing seria providencial para que a imagem do Santo André Gestão Empresarial não sofra prejuízos e os resultados fora de campo não demorem demais.


 Os conservadores ainda não entenderam que o nome do jogo começa com competitividade e termina com rentabilidade nos balanços financeiros, ou começa com vitórias e termina com títulos no calendário esportivo.


Aguardem, portanto, quando esta quinta-feira chegar. Valerá a pena.


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