Se, como defini em livro e também em muitos trabalhos jornalísticos, o Grande ABC sofre tremendamente com o Complexo de Gata Borralheira, não falta aos visitantes circunstanciais discurso fácil às qualidades e supostas qualidades da região, sempre para agradar à platéia. No fundo, no fundo, é a confirmação do Complexo de Gata Borralheira: os visitantes sabem que nos sentimos inferiorizados em relação à vizinha Capital e fazem de tudo para lustrar o nosso ego. Alguns o fazem de forma cínica.
A exposição involuntária ou não de incorreções, equívocos, bobagens, coisas assim, é sempre vista como gentileza, elegância, jamais como ignorância ou impropriedades por desconhecimento. Muito menos como forma de tentar elevar uma autoestima de segunda linha.
Se para a sociedade brasileira a verdade dói e incomoda, no Grande ABC atinge extremos de estresse, quando não de repulsa pública. Por isso a bajulação é reverenciada. Depois, reclamam da classe política. Coitado do político que se meter a falar verdades que o sobressaltam todas as noites ao travesseiro.
O ambiente de prá-frente-Brasil que minou os alicerces de cidadania no Grande ABC nos anos 1990 ainda não se dissipou. Mais que isso: surgem aqui e acolá movimentos claros de revigoramento dessa praga. Para deleite dos especuladores econômicos que precisam se alimentar de ilusões para aplicar contos de mil e uma noites. São predadores sociais.
Na semana que passou, edição de 12 de julho do Diário do Grande ABC, um renomado jurista paulistano, especialista em eleições, caiu na armadilha de comentar o que desconhece para satisfazer quem lhe oferecia palanque. Munido do instrumental dos forasteiros que querem se ver bem na fita regional, lá foi Alberto Rollo responder à repórter sobre suposto predomínio de uma determinada faixa etária no eleitorado do Grande ABC. Alberto Rollo pisou no tomate ao invadir a cerca da economia quando o assunto se circunscrevia à demografia. Acabou levando umas chifradas da realidade. Esse é o preço a pagar quando a cautela baixa a guarda. Possivelmente Alberto Rollo já tenha utilizado essa figura de linguagem na defesa sempre brilhante de clientes que cometeram desatinos em campanhas eleitorais.
Vejam os leitores o que ele respondeu à repórter do Diário do Grande ABC quando informado sobre o aumento do número de eleitores na região e também na faixa de 45 a 59 anos, segundo os números absolutos desfilados pela jornalista.
Segundo Alberto Rollo, o aumento (do total de eleitores) pode ser explicado pela migração interna no Estado e o crescimento econômico da região nos últimos anos. “Por conta da implantação de mais indústrias houve retorno de pessoas para o Grande ABC”. Rollo confirma que tais características podem ser vistas especialmente em Santo André, São Bernardo e Diadema. “Essas três cidades têm caminhado para o progresso”. Diadema, que tinha problemas com segurança, agora já atrai novos habitantes. Já o aumento de eleitores com idade entre 45 e 59 anos pode ser explicado, de acordo com o especialista, pela oferta de oportunidades de emprego, ou até mesmo pela qualidade de vida. “Normalmente, são pessoas que têm capacidade de trabalho e buscam novos empregos. Outros procuram melhor lugar para viver”.
Uma semana depois da publicação da matéria o mesmo Diário do Grande ABC voltou à carga, referindo-se ao universo de eleitores na região tendo como pano de fundo numeralha no Estado e no País. E insistiu no mesmo erro, um erro crasso aliás: esqueceu da participação relativa dos eleitores nas faixas etárias delineadas, optando por números absolutos que, quando expostos sem contexto não dizem muita coisa.
Por isso que o advogado Alberto Rollo caiu na enrascada ao meter o bedelho na economia regional, da qual sabe tanto quanto este jornalista quando se coloca à mesa de debates pontos que determinam para valer a cassação de mandato eleitoral.
Alberto Rollo desconhece particularidades do Grande ABC que anulam completamente sua intervenção no Diário. Uma intervenção, repita-se, sob pressuposto equivocado, porque o enunciado da reportagem é falso. O Grande ABC não registrou aumento de eleitores acima do Estado e do Brasil tendo como base de comparação as eleições de 2006. Acrescentar 112 mil eleitores aos então 1,820 milhão em quatro anos não passa de uma frágil exposição de número absoluto. No Brasil, o crescimento de eleitores no mesmo período alcançou 7,5%, contra 5,80% registrados no Grande ABC.
A recuperação econômica do Grande ABC nos últimos anos está muito aquém de outras praças. Tanto que a participação relativa no PIB (Produto Interno Bruto), no Potencial de Consumo e em outros indicadores, inclusive de emprego formal, cai sistematicamente. O Grande ABC há muito deixou de ser o Eldorado dos anos 1970 e 1980.
Tive o cuidado de listar todas as faixas etárias do eleitorado. Comparei os números relativos do Grande ABC, do Estado de São Paulo e do Brasil. Não há grandes solavancos que possam caracterizar algo em especial. Na faixa etária aludida pelo Diário do Grande ABC (de 35 a 44 anos), o Grande ABC registra 20,87% entre os quase dois milhões de eleitores, praticamente igual aos 20,17% do Estado de São Paulo e aos 19,80% do Brasil.
Para completar o quadro, agora sob ângulo demográfico, uma matéria publicada na última segunda-feira pelo Estadão é oportuna porque explica que nos últimos seis anos cerca de 425 mil jovens de 18 a 24 anos deixaram de pressionar o mercado de trabalho na seis principais regiões metropolitanas do Brasil. Tudo porque o ritmo de crescimento da população brasileira está diminuindo a velocidade maior que a esperada. Enquanto a participação dos mais jovens na força de trabalho encolhe, a da população de mais de 50 anos é a que mais cresce, refletindo a expansão demográfica do passado.
Os jovens de 18 a 24 anos que representavam 15,1% da população em idade economicamente ativa das principais regiões metropolitanas do País em 2003, passaram a responder por 12,6% no ano passado. Nesse mesmo período, a fatia dos trabalhadores com 50 anos ou mais saltou de 24,9% para 30,2%.
A matéria explica que a população está envelhecendo porque a taxa de natalidade tem caído num ritmo maior que o da mortalidade. Em pouco mais de 40 anos, da metade da década de 1960 até 2006, a taxa de fecundidade brasileira passou de 6,2 filhos por mulher para 1,8 filho.
Portanto, leitores, cada vez mais teremos elevação da faixa etária da população e igualmente dos eleitores. Política, econômica e demografia não estão dissociados numa equação que vai muito além da superficialidade e da tentativa de amenizar nosso Complexo de Gata Borralheira.
Total de 1089 matérias | Página 1
11/11/2024 GRANDE ABC DOS 17% DE FAVELADOS