Sociedade

Criminalidade dá de goleada no PIB.
Que desenvolvimentismo é esse?

DANIEL LIMA - 16/12/2010

Os gastos com segurança pública correm em velocidade de trem-bala enquanto o PIB (Produto Interno Bruto), soma de bens e serviços do País, caminha em ritmo de cágado. Está na cara que estamos alimentando um monstro, como revelou, aliás, recente pesquisa do Ipea, órgão do governo federal. Em 2009 o PIB brasileiro caiu 0,6%, enquanto os gastos da União, dos Estados e dos municípios com segurança pública apresentaram crescimento de 15% sobre o ano anterior. Foram despejados R$ 47,6 bilhões no setor.


As informações são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com base em dados oficiais. As informações criminais, é bom que se diga, porque o entrelaçamento analítico é deste jornalista. A imprensa de maneira geral — e os dados do Fórum foram divulgados pelo jornalismo impresso, eletrônico e digital — passa batida nesse tipo de comparação. Dá muito trabalho sair do lugar-comum de informações rasas.


Quem disser que não há nada de equivocado num País cujo PIB de segurança pública cresce muito, mas muito mais que o PIB propriamente dito, precisa se reciclar. Está na cara que recursos orçamentários da União, dos Estados e dos municípios estão sendo deslocados ao combate à criminalidade. Como o PIB não cresce na mesma raia, o dinheiro está saindo de outras rubricas. Como Educação e Saúde têm recursos carimbados, sobram para outras áreas. Principalmente na quebra de investimentos em infraestrutura social e material, que repercute em exclusão ou apropriação muito aquém de indicadores de qualidade de vida.


Duvido que, diante dessas novas informações, exista neste País algo que garanta maior rentabilidade que o negócio das quentinhas, ou das marmitas, para o sistema presidiário. Fortunas são amealhadas porque a demanda é seguramente garantida. Um País que cresce erraticamente como o Brasil ao longo de décadas, com avanços e recuos persistentes, num ritual interrompido discretamente durante a maior parcela do governo Lula da Silva, é um País fadado à gangrena social.


Uma gangrena social disfarçada pela mobilidade de classe de pobres à classe média emergente por conta de facilidades de financiamento de bens, medidor materialista demais do pulso socioeconômico da população, com riscos inerentes de possíveis bolhas e solavancos macroeconômicos. Basta verificar a febre rediviva de anúncios de lançamentos imobiliários.


Uma gangrena que também atinge diretamente a classe média tradicional, de salários cada vez mais achatados e mobilizada a colocar mais membros familiares na ativa para compensar perdas individuais. Mas essa é uma pauta indigesta mesmo para a mídia que não suporta Lula da Silva. Valem mais os interesses mercadológicos.


Segundo o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos problemas que agravam a superlotação das cadeias é o aumento de presos provisórios (ainda não julgados). Se for considerada a evolução do número de pessoas nessa condição desde 2004, o crescimento foi de 87%, “um reflexo da dificuldade que o Judiciário tem de dar resposta ao aumento de detenções”. Resumo da ópera: prende-se adoidadamente no País, o que provoca gargalo no sistema prisional. Tanto que apesar de o número de vagas nos presídios ter crescido 9% de 2008 para 2009 (já imaginaram se esse indicador fosse de novos empregos de remunerações elevadas?) o universo de presos que esperam julgamentos passou de 34% da população carcerária em 2008 para 37% no ano passado.


O lamentável é que todo o conjunto de gastos com segurança pública, na maioria dos casos esparadrapos sociais que se retroalimentam a cada temporada, é contabilizado para efeitos de produção de riqueza em forma de Produto Interno Bruto. Isso mesmo.


Assim como acidentes de trânsito, obras de reparos de enchentes e o que mais resultarem de calamidades, tropeços, descuidos e malversação de recursos públicos e privados tudo é canalizado em forma de PIB. Não é à toa que há movimento internacional de especialistas para liquidar com essa farsa numérica. Mais que isso: para instaurar uma nova ordem de conceituação de PIB que sufoque as contradições do convencionalismo histórico dessa medida de poderio econômico e social.


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