Regionalidade

DETROIT À BRASILEIRA
É DESAFIO GERAL (2)

DANIEL LIMA - 08/01/2025

É muito complexo traçar o futuro do ABC Paulista tendo o passado do separatismo regional como ponto de largada e o presente de afrouxamento econômico e social, além de fragilidades institucionais, como chegada. Talvez uma forma pragmática de projetar o amanhã  sem ser  insensata sob qualquer aspecto é tomar São Caetano como base, caso a proposta for espalhar o paraíso por todo o território.

São Caetano seria o ABC Paulista ideal porque é o único endereço resultado da emancipação político-administrativa que deu relativamente certo. O restante dançou o tango no pior sentido da expressão.

Considerando-se os cinco maiores municípios da região (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra ficam para outras avaliações, porque representam muito pouco do poderio econômico regional e não estão disponíveis em banco de dados com a assiduidade desejada), a Receita Total de Santo André, São Caetano, São Bernardo, Diadema e Mauá em 2022, com dados consolidados da Secretaria do Tesouro Nacional, chegaria a R$ 29.416.732 bilhões. 

SONHO E REALIDADE

Entretanto, como a realidade não combina com devaneios, quando não oportunismos do passado, a situação é outra:  foi bem menos que isso o que os prefeitos dos cinco municípios tiveram de orçamento para aquela temporada – R$ 13.553.173 bilhões. Repetindo: de quase R$ 30 bilhões imaginados o que temos é pouco mais de R$ 13 bilhões de fato para distribuir de maneira disforme.

A conta é simples para a trajetória que colocaria o ABC Paulista desses cinco municípios como a mais próspera área ocupacional do País: bastaria multiplicar a Receita Total per capita de São Caetano daquela temporada pela população  dos cinco municípios: 2.536.80 milhões.

Todos esses números e outros que se somarão nesta série partem de constatação sobre danos dilacerais  causados pelo emancipacionismo comemorado por saudosistas e frequentes constatações de que o regionalismo é uma quimera. 

LIDERANÇA FOLGADA

O prefeito José Auricchio Júnior contou em 2022 em São Caetano com uma vantagem enorme em relação aos demais prefeitos das maiores cidades da região. A Receita Total per capita registrou um dos valores mais elevados do ranking nacional. O Executivo amealhou receita por habitante de R$ 11.596,00 para atender cada morador de São Caetano. Bem mais que os R$ 6.537,36 disponíveis ao prefeito Orlando Morando, de São Bernardo, ou aos R$ 4.422,38 de Paulinho Serra, em Santo André. Em Diadema, o valor médio por habitante representado pela Receita Total  totalizaria naquela temporada R$ 4.030,21, enquanto em Mauá registraria R$ 3.373,80.

Leia com atenção esse último trecho desta série porque está aí uma das plataformas dos conceitos que aplicarei ao longo desse trabalho inédito.

ORÇAMENTO DEFINIDOR

Tentar compreender o que se passa no ABC Paulista sem olhar atentamente para o orçamento financeiro de cada Prefeitura é o mesmo que comparar a qualidade de um time da Série D do Campeonato Brasileiro com um time campeão da Série A do Campeonato Brasileiro. E o ABC Paulista tem times de todas as séries oficiais do Campeonato Brasileiro.

Qualquer cabeça sem enviesamento jamais negaria um enunciado redundante por força do poder econômico por habitante: são muito mais vantajosas as possibilidades de o prefeito de São Caetano gozar de probabilidades muito superiores a dos demais cidades da região para executar plano de governo que chegue o mais próximo possível de resultados especiais no confronto regional.

Trata-se, portanto, de uma competição desigual. Essa desigualdade, que também envolve os demais municípios entre si, tem raízes profundas no emancipacionismo dos sete municípios.

VANTAGEM LARGA

Para se ter ideia mais precisa do quanto a Receita Total de São Caetano é maior que a da vizinhança, basta lembrar que supera São Bernardo em elásticos 43,62%. Traduzindo: o prefeito de São Caetano aproxima-se de superioridade próxima a 50% de Receita Total por habitante de São Bernardo. Diante de Santo André a vantagem de São Caetano ainda é maior: 61,68%. Diadema é superada em 65,24% e Mauá em 70,90%.

Diante dessa disparidade de forças econômicas, é natural que São Caetano ganhe mais destaque em competições intercidades que levem a sério o desempenho das administrações municipais. É o caso do Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros, organizado pela CLP  (Centro de Liderança Pública).

Na temporada de 2023, entre municípios com mais de 80 mil habitantes, São Caetano classificou-se em sexto lugar. São Bernardo ocupou a posição 21, Santo André a posição 117, enquanto Diadema (215) e Mauá (250) ocuparam posições mais modestas.

TRÊS DIMENSÕES

O Ranking de Competividade dos Municípios Brasileiros, sobre o qual avançaremos em detalhes em outros capítulos, mede três dimensões: Gestão Pública, Gestão Fiscal e Gestão Econômica. Esses três macroindicadores ganham frondosa genealogia de resultados que agregam 65 indicadores. Não há nada no cenário nacional mais confiável como medidor do estágio individual e comparativo dos municípios.

O resumo dessa ópera regional parece ensurdecedor: o separatismo dos anos 1940/1950 causou estragos para valer ao ABC Paulista do futuro que chegou. Um futuro que chegou de forma preocupante ao fim do primeiro quarto deste novo século.

Como será mostrado também nesta série, há  frequente quebra da qualidade de vida na região, inclusive na líder São Caetano. Quebra de qualidade de vida, não custa reforçar, é expressão que retrata o comportamento econômico e social da região nas três ou quatro últimas décadas.

GEOGRAFIA E DEMOGRAFIA

Diante disso, o que temos é espécie de paradoxo no sentido do que a São Caetano que deu certo com o processo de emancipação político-administrativa também se vê às voltas com a assombração causada pela desindustrialização generalizada que atingiu o ABC Paulista.

O que separa internamente São Caetano dos demais endereços locais é que o estoque econômico da população não foi tão intensamente deslocado ao terreno da preocupação porque se deu de forma menos drástica.

É verdade que São Caetano perdeu muito poderio industrial, setor que gera mais riqueza que qualquer outro, mas está salva de  hecatombe porque o território de apenas 15 quilômetros quadrados, em meio ao espaço regional de 840 quilômetros quadrados, tornou-se controlável à ocupação demográfica. Além disso, na medida em que se converteu em território de classe média, mais afugentou nichos de pobres e miseráveis. Outro tema que constará desta série especial.

A proximidade geográfica com a Capital também contribui para São Caetano safar-se de  danos econômicos mais dramáticos.  A localização na vizinhança de bairros de classe média de São Paulo valoriza o território de São Caetano no campo imobiliário. A mobilidade urbana internamente aterradora é resultado de gigantesca frota de veículos e reflexo evidente do potencial de consumo e da densidade demográfica elevadíssima.  Deslocar-se à Capital  para desempenhar funções profissionais  é menos desgastante que a maioria dos casos dos demais municípios do ABC Paulista.

NEGÓCIO DA CHINA

Quando os emancipacionistas de São Caetano ficaram com os 15 quilômetros quadrados de área então industrializada,  praticamente se isolaram de contrapontos territoriais que ensejariam inchaço populacional. Os ônus ficaram com Santo André, território-mãe. Um negócio da China que herdeiros de Anacleto Campanella e de outros separatistas comemoraram até hoje – mesmo que a cidade não seja mais a mesma de duas décadas atrás, embora siga com facilidade como campeã regional em qualidade de vida.

Não custa lembrar que o território sob a guarda e administração de Santo André é 12 vezes maior que o destinado a São Caetano. E que do total de Santo André, mais de 50% está sob a Lei de Proteção dos Mananciais. Santo André é um convite à ocupação irregular de terrenos.

Enquanto São Caetano não conta com um núcleo sequer de favelados, Santo André soma 76,  São Bernardo 94, Diadema 109 e Mauá 60 confirmam o desastre.  

MELHOR METODOLOGIA

A transformação de valores monetários absolutos  da Receita Total dos municípios do ABC Paulista (menos Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra) em valores monetários per capita é a melhor metodologia possível para uniformizar  porções desiguais. Comparar os cinco municípios do ABC Paulista sem levar em conta distinções demográficas é assinar atestado de ignorância. A proporcionalidade de recursos financeiros para gerir um Município é diferente de cada um dos demais.

Vejam os casos específicos dos cinco municípios da região. Em valores absolutos, São Bernardo lidera a Receita Total de 2022 com R$ 5.300.026 bilhões. Bem mais que os R$ 3.336.983 bilhões de Santo André. Diadema aparece com R$ 1.584827 bilhões enquanto Mauá chega a R$ 1.411.130 bilhões. Tanto Mauá quanto Diadema estão um pouco abaixo de São Caetano, que contabiliza R$ 1.920,205 bilhões.

A contabilidade por habitante é de simples operação e de indispensável compreensão analítica. Basta dividir a Receita Total pelo total de habitantes. É aí que São Caetano leva ampla vantagem, como já foi mensurado. Da mesma forma, São Bernardo leva vantagem sobre os demais vizinhos, Santo André supera Diadema e Mauá e Diadema é maior que Diadema.

AVANÇO VACILANTE

Esse divisionismo de riqueza arrecadatória, que é o que ocorre quando se trata de Receita Total, tonifica uma trajetória que vem do passado e vai seguir adiante no futuro: os desníveis de realidade econômica e social do ABC Paulista seguirão demarcando o terreno.

A São Caetano de Série A do Campeonato Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social seguirá na dianteira, enquanto Santo André e São Bernardo vão seguir na Série B, Diadema e Mauá na Série C e Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra na Série D. 

A dramaticidade que já atormenta o ABC Paulista e tende a se agravar no futuro que sempre chega em forma de presente é que o ritmo de avanço econômico regional está aquém da média dos maiores municípios brasileiros.

Quando se observa o longo prazo, de duas décadas, por exemplo, o bom-senso sugere que haverá estreitamento de vantagens comparativas frente aos demais integrantes da lista dos 100 maiores municípios brasileiros catalogados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e também no Ranking de Competitividade dos Municípios Brasileiros.

CONFRONTOS PERIGOSOS

Um bom exemplo dessa premissa é o próprio Orçamento Total per capita, liderado por São Caetano na região. A média por habitante de receita dos 100 maiores municípios brasileiros é de R$ 5.588,75. Somente São Caetano e São Bernardo contam com média superior. Os demais estão abaixo: Santo André com R$ 4.422,38, Diadema com R$ 4.030,21 e Mauá com R$ 3.373,80.

Estamos perdendo fôlego individual, ou seja, por Município, e também coletivamente, porque as perdas são democraticamente extensivas aos cinco municípios de maior porte da região. E também de Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

Somente São Caetano e São Bernardo detêm desempenho superior a três municípios que são sedes de regiões metropolitanas no Interior de São Paulo. Sorocaba conta com Receita Total por habitante de R$ 5.499,73, São José dos Campos com R$ 5.420,81 e Campinas com R$ 6.257,89.

O que poderia inspirar tranquilidade é  de fato inquietação. Uma década atrás de 2022 a situação era muito mais confortável para São Caetano e São Bernardo e bem menos desconfortável para Santo André. Isso também consta desta série.

Na próxima edição vamos tratar de indicadores de saúde, costumeiramente manipulados para transmitir informações que nem sempre combinam com os fatos.



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