Duas revistas paulistanas (sãopaulo, da Folha de S. Paulo; e Vejinha, da Editora Abril)publicaram Reportagem de Capa neste final de semana sobre a guerra no Morumbi, bairro síntese das desigualdades espalhadas pelo território brasileiro, com ricos, classe média e favelados compartilhando os mesmos espaços públicos. Compartilhando é força de expressão, claro. Ali o jogo está ficando cada vez mais pesado, a exigir intervenções cada vez mais duras da máquina policial.
Os trabalhos jornalísticos me incentivam a não dar trégua às ambições imobiliárias extratificadas na inútil e lobbista Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC), controlada há duas décadas pelo empresário Milton Bigucci.
O mesmo Milton Bigucci que ainda recentemente propagou aos quatro cantos disposição de lutar por verticalização insana na Província do Grande ABC. Chegou a sugerir que torres residenciais e comerciais deveriam ter espaço aéreo multiplicado por quatro. Estou num prédio de 20 andares. Não imagino como seria a vida profissional com o acréscimo de 60 pavimentos.
Tampouco como seria a vida lá em baixo, no sistema viário, estrangulado antes mesmo da ocupação de prédios e mais prédios no entorno do Paço Municipal de São Bernardo. Teremos adicional diário de 50 mil pessoas e 20 mil veículos. Vou repetir esses números à exaustão até lá, porque quando a barbeiragem pública for às ruas, a chiadeira será insuportável.
É claro que Milton Bigucci, presidente da Associação dos Construtores, não tem a menor preocupação com tudo isso. Tivesse, não escreveria o que escreveu. E seria, naturalmente, mais transparente na aquisição do terreno público que aumentará ainda mais o fluxo de veículos e pessoas no entorno da Avenida Vergueiro e da Avenida Kennedy, alguns quilômetros acima do epicentro do inferno do Paço Municipal.
Vale a pena a reprodução de alguns trechos das duas matérias daquelas revistas paulistanas. Longe de pinçar situação exclusiva de uma determinada área da Capital Desvairada, é uma realidade dramática dos bairros paulistanos que se espalha na Região Metropolitana, fomentada por gente sem escrúpulos éticos de respeito à qualidade de vida.
Começamos com a Vejinha:
Sinônimo de riqueza e certa calmaria até o início dos anos 1990, o Morumbi tem assistido, nos últimos anos, a mudanças na rotina e na paisagem do que antes eram considerados símbolos do bairro. A região viu áreas arborizadas serem substituídas por espigões e favelas, sua população crescer 44,6% em dez anos — para efeito de comparação, no mesmo período a taxa na cidade toda foi de 7,9% — e testemunhou uma série de crimes nos dois últimos meses. (…) Com o aumento populacional, vieram a reboque problemas de trânsito, infraestrutura e segurança. (…) Como ainda existem terrenos desocupados, prédios não param de brotar — nos últimos cinco foram 206. (…) Ao mesmo tempo em que chegam mais moradores, os acessos ao bairro são insuficientes, o que deixa as ruas abarrotadas. O transporte público tampouco acompanhou a demanda. (…) “A região não teve um projeto viário e se tornou passagem para uma das áreas mais ocupadas de São Paulo, caso de Taboão da Serra”, afirma Emílio Haddad, professor da FAU-USP.
Agora alguns trechos da revista sãopaulo, da Folha de S. Paulo:
Entre os pontos mais críticos do Morumbi estão as vias com saída para a Marginal Pinheiros, que servem de rota de fuga para os marginais, e a Rua Dr. Francisco Tomás de Carvalho, conhecida pelo Ladeirão, que liga a Avenida Giovanni Gronchi à região da Vila Andrade, nas redondezas de Paraisópolis. “Ali os roubos são muito frequentes”, diz o delegado Carlos Batista, titular do 89º DP. O crescimento das favelas na região nos últimos anos é um dos fatores que explicam a atual onda de criminalidade. Paraisópolis, a maior delas, surgiu nos anos 60, tem hoje 80.000 habitantes e já é a segunda da cidade em população, atrás apenas de Heliópolis, na Zona Sul, com 100.000 pessoas.
Tanto uma quanto outra matéria não vão a fundo, para variar, nas lambanças éticas e empresariais de um setor que conta com lideranças da mesma tipologia. São replicantes na arte de conquistar a mídia com nacos generosos de publicidade, estabelecendo relação de dependência que, mais que qualquer determinação ditatorial que infrinja a Constituição Federal, amordaça a capacidade crítica das redações, tornando-as reféns induzidas ou coercitivas dos departamentos de publicidade, cada vez mais avantajados na relação de mando nas empresas de comunicação.
O modelo de ocupação de espaço nas regiões metropolitanas brasileiras — e que se espalha também a municípios de porte grande e médio do Interior — é uma combinação perfeita de ganância irrefreável e omissões generalizadas.
A contrapartida para tentar minimizar, apenas minimizar, os efeitos dessa bomba-relógio é bancada pelos contribuintes, com a carga cada vez mais onerosa de impostos municipais e estaduais para investimentos em infraestrutura material e social.
Ou seja: os custos dos estupros imobiliários são socializados, enquanto os lucros nababescos são privatizados pelos empreendedores que não medem esforços para se manterem a salvo de questionamentos e de novo formato de relações com a sociedade.
Caso mais que evidenciado na performance de Milton Bigucci e seus parceiros da Associação dos Construtores.
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