Algum assessor precisa alertar o governador Geraldo Alckmin para a improcedência, quando não à contradição, de rasgar seda ao Grande ABC quando repete com insistência publicitária que estamos na melhor esquina do Brasil. Desde a implementação do trecho sul do Rodoanel o governador utiliza essa frase feita do dicionário político. Quem sabe o deputado estadual Orlando Morando, líder do governo na Assembléia Legislativa, seja porta-voz da correção. Somos logisticamente uma sinuca de bico, isto sim.
Está certo que dificilmente Geraldo Alckmin vai resistir à tentação do elogio fácil, porque é de seu estilo e do estilo da maioria dos políticos, mas ao suspender a máxima com que pretende definir essa região de sete municípios e 2,6 milhões de habitantes, estará fazendo um favor à sociedade.
Melhor esquina do Brasil é a ponte que caiu.
Estamos encalacrados logisticamente há muito tempo.
Aliás, o volume de investimentos anunciados por Geraldo Alckmin (e cuja aplicação é outra história, como estamos cansados de observar na cena política) condena o bordão do governador à retórica. Afinal, dos R$ 6,3 bilhões que o Estado reservaria a investimentos no Grande ABC, a quase totalidade, R$ 5,2 bilhões, está carimbadíssima pelo compromisso de atender às demandas de transportes. Tudo porque a suposta melhor esquina do Brasil é uma parafernália logística.
O Rodoanel Sul, cantado como grande obra deste início do século no Grande ABC, depois de longa espera na última década do século passado, é um convite à evasão industrial.
Debitem na conta de improdutividades regionais do trecho sul do Rodoanel a baixíssima inserção com o calamitoso sistema viário do Grande ABC.
O Rodoanel Sul tem potencialidade poderosa de afastamento das empresas industriais do Grande ABC, exceto em poucas áreas nas quais a vizinhança mais acessível é compensadora.
De resto, com apenas três alças de acesso e tendo o metro quadrado de terrenos sob intensa especulação, a obra inaugurada em abril do ano passado é o caminho de maior produtividade em direção ao Porto de Santos e ao Interior do Estado — desde que o ponto de partida não seja o território do Grande ABC.
É impossível Geraldo Alckmin não dispor dessas informações. Possivelmente as tenha, mas certamente o blindam de tal forma que más notícias, ou notícias que supostamente devam ser evitadas, não chegam no seu gabinete.
Vivemos uma era em que a comunicação se banalizou a tal ponto que todo executivo público tem marqueteiro por perto. Sempre há algum prontíssimo a arrancar do coldre do oportunismo alguma tirada que supostamente definiria o conceito de governo. Imaginem os leitores, então, o quão cercado de especialistas no assunto está o governador do maior Estado do País.
Quando qualquer instância de governo conta com a cultura da comunicação entranhada, a caminhada em direção aos consumidores de informação é mais que convidativa. Além do baixo senso crítico da sociedade, a maioria da mídia é cada vez mais dependente de publicidade oficial. Os profissionais de comunicação não têm como contornar desmandos publicitários.
Enquanto Geraldo Alckmin alardeia que o Grande ABC é a melhor porta de entrada do País, os problemas regionais se acentuam. Perdemos o bonde de investimentos, mas ficamos paralisados, quando não extasiados, diante de um governador bom de voto a nos embriagar com frases feitas que lustram o ego provinciano.
De todos os jornais que deram cobertura à comitiva liderada por Geraldo Alckmin e que teve em Orlando Morando anfitrião extra-oficial, quem melhor retratou o encontro foi o Estadão, simplesmente porque praticou o jornalismo que a maioria dispensa: foi aos arquivos e contextualizou as novas declarações do governador.
A manchete do Estadão de quarta-feira, dia seguinte à visita de Geraldo Alckmin, é elucidativa:
Alckmin desengaveta projeto de trem expresso para o ABC lançado há cinco anos.
Nenhum outro jornal fez referência similar. Vejam os trechos principais da matéria do Estadão:
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou ontem em Santo André um pacote de R$ 6,3 bilhões em obras para a região do ABC. A principal delas será um projeto que ele próprio havia lançado em seu outro mandato no Palácio dos Bandeirantes, em fevereiro de 2006: o Expresso ABC, uma ligação rápida sobre trilhos entre a Estação da Luz e Mauá (que na ocasião foi chamada de Expresso Sudeste).
Agora, apenas a título de curiosidade, vejam os títulos dos demais jornais que consegui amealhar para compará-los em termos de enfoque do noticiário:
Diário do Grande ABC: “Alckmin libera R$ 2 bi para o Grande ABC” — Se contabilizados investimentos futuros do Estado, montante chega à ordem de R$ 6,3 bilhões.
Valor Econômico: “Alckmin anuncia R$ 6,3 bilhões para o ABC, onde o PT lidera em prefeitos”.
Diário Regional: “ABC terá R$ 6,3 bilhões de verbas estaduais”.
Repórter Diário: “ABC terá R$ 5,2 bi em investimentos para o transporte”.
ABCD Maior: “Diadema receber pouco investimento do governo do Estado”.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?