Tem muita coisa, tem muita coisa, essa é a melhor resposta. Não é exagero a imagem de que os interesses que movem as pedras desse enxadrismo de horrores são os mesmos de quem joga em casa com árbitro escolhido a dedo e se beneficia de cara com a assinalação de dois gols em completo impedimento. Por isso os moradores do Condomínio Barão de Mauá, no Parque São Vicente, em Mauá, não podem mesmo se acomodar.
De classe mais popular que os moradores do Residencial Ventura, no Bairro Jardim, em Santo André, vítimas do lançamento de um empreendimento do Grupo Cyrela e do Grupo De Nadai, os mais de dois mil condôminos do Barão de Mauá estão sendo engabelados com um laudo mais que suspeito de uma empresa privada contratada pela Cofap, uma das rés do processo de contaminação ambiental daquela área que envolve 54 blocos de apartamentos.
O Diário do Grande ABC tem dado cobertura com certa frequência e responsabilidade ao caso Barão de Mauá, mas o mesmo jornal, como os demais veículos de comunicação da região, se calam quanto ao Residencial Ventura. É o poder econômico que soterra qualquer resquício constitucional de liberdade de expressão.
Os donos de jornais só se revoltam e ocupam manchetes para reclamar de supostos ou verdadeiros ataques à liberdade de expressão e de opinião quando seus interesses nem sempre confessos são afetados. Quanto os algozes da sociedade são outros, mas os alimentam financeiramente com generosas peças publicitárias, a situação é completamente outra.
Não é diferente a posição da associação dos construtores sob a tutela de duas décadas de Milton Bigucci. A autoridade máxima ou supostamente máxima dos empreendedores do setor imobiliário do Grande ABC se cala vergonhosamente diante dos escândalos no setor. Os já divulgados e outros potencialmente explosivos, porque a legislação mantida pelas Prefeituras com o propósito de vender dificuldades não passa por qualquer tipo de revisão crítica e independente. O mercado imobiliário lembra o capitalismo russo — vive de máfias que se aboletam nas instâncias públicas.
A Acigabc, como se identifica a entidade de Milton Bigucci e de meia dúzia de associados, não passa de mobilização seletivamente lobbista que joga no lixo qualquer objetivo ambientalmente ético. O que lhe interessa é o meio ambiente de resultados. Se nem a integridade física de meninos e meninas é respeitada em lances mais que explícitos, arriscando-se entre veículos como porta-estandartes publicitários, o que dizer então dos grandes interesses econômicos no esquadrinhamento nebuloso da legislação de uso e ocupação do solo?
O Condomínio Barão de Mauá é uma barbaridade que já completou uma década. É um culto à impunidade. Algo que se poderá repetir com o Residencial Ventura, em Santo André.
A separação nuclear entre os dois empreendimentos é que em Mauá houve explosão há 10 anos, um morador morreu e o caso se arrasta na Justiça. No Residencial Ventura o que tivemos foi o lançamento comercial de um empreendimento ao arrepio da legislação ambiental. O Semasa, que cuida do assunto em Santo André, advertiu que aquele terreno, sede de uma indústria química altamente danificadora do solo, registrava inconformidades sérias. Quem conhece a história da Atlântis, durante sete décadas usuária daquele terreno, sabe da profundidade do problema.
Apesar da advertência do Semasa, Sérgio De Nadai e um executivo da Cyrela saíram da sala da presidência da autarquia pública de Santo André cantarolando a festa programada para a semana seguinte. Os convites já haviam sido despachados. Os laudos condenatórios do Semasa que se lixassem. Recorreu-se mais tarde a uma empresa privada de consultoria ambiental, tal qual no caso do Barão de Mauá, para ludibriar a vigilância (vigilância?) da Cetesb.
O que há de mais semelhante entre os dois casos é que a legislação ambiental precisa de reparos urgentes. Uma empresa privada, como a Geoklock, no caso do Condomínio Barão de Mauá, não pode ter autonomia alguma para exarar laudo técnico que consubstancie parecer da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental), ligada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Ou seja: o xerife do meio ambiente paulista, a Cetesb, não pode libertar um delinquente apontado por eventual comparsa como mocinho. Uma empresa privada de consultoria ambiental que vive das corporações às quais serve não tem consistência técnica e ética para se apresentar como suprema força na definição de um laudo de suma importância ao uso e à ocupação do solo. A dependência econômica é inimiga visceral da liberdade analítica. Com o Residencial Ventura o enredo é praticamente o mesmo. Uma empresa privada, cliente da Cyrela em vários negócios, jamais se oporia aos interesses de um parceiro comercial, principalmente após a comercialização das unidades residenciais com o suporte de ampla campanha publicitária.
Quando o empreendimento foi lançado comercialmente, qualquer sentença do organismo municipal contrária aos interesses das corporações envolvidas viraria pó. O ritual de recorrer a consultorias privadas é uma pornochanchada econômica e ambiental compartilhada com uma Cetesb fragilizada ao longo dos anos pela incúria administrativa que provocou a perda de importantes quadros técnicos, muitos dos quais, aliás, servindo agora às empresas particulares. Mais que servindo, entregando-se de corpo e alma às demandas particulares, sabedores que são dos escaninhos do setor público para a consecução de intentos nem sempre nobres.
A imagem do capitalismo russo do mercado imobiliário não é nenhum exagero.
Os moradores do Condomínio Barão de Mauá tem mais é que se reagruparem em torno de uma mobilização que quebre a espinha dorsal dos empreendedores e seus parceiros que construíram aqueles blocos de apartamentos sobre um lixão industrial. Pena que lutem praticamente sozinhos, porque os supostos representantes da classe política se fecham em copas diante da situação, a maioria dos quais, todos sabem, porque vive mesmo que de migalhas das benesses executivas e legislativas do mercado imobiliário, dominadas por coturnos mais graduados.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?