Imprensa

Passado de farsas que pretende se
repetir como presente inquestionável

DANIEL LIMA - 06/12/2011

Por força de compromisso com os leitores, sou obrigado diariamente a mergulhar no ontem. Estou de volta ao final da última década do século passado, após incursões pelos primeiros anos da primeira década do novo século. Faço esforço para não perder o contato com a realidade regional, mas desconfio de que o presente é uma farsa do passado ainda recente que se pretende passar por original intocável. Explico: pelo menos para mim e para quem tem um pouquinho de cérebro e memória, os passos mais que manjados de uma coreografia mambembe de hoje não encantam como antes, porque é uma cópia ordinária, caricatural e desgastada pelo tempo.

 

Explico melhor aos leitores: nos últimos três anos tenho me dedicado tão intensamente ao jornalismo quanto nos 43 anos anteriores. A reconstrução digital do melhor jornalismo regional que a então revista LivreMercado proporcionou durante quase duas décadas completas é uma tarefa cansativa no sentido físico e desgastante no aspecto emocional. Meter-me nas páginas impressas daquela publicação, selecionar os textos por ordem de importância e levá-los a esta revista digital chega a ser extenuante.

 

Para os leitores terem uma ideia dos efeitos emocionais que essa tarefa me causa, ainda na semana passada, ao capturar um texto do final de 1997, quando a publicação deixava circunstancialmente uma postura mais cáustica dos anos anteriores e passou a acreditar no embalo do Fórum da Cidadania, do Consórcio de Prefeitos, da Agência de Desenvolvimento Econômica e da Câmara Regional, produzi analise com tamanha confiança em novos tempos que senti dificuldades em identificá-lo como obra pessoal. Só o contexto explica cada um daqueles parágrafos. Vivíamos uma fase de esperança reformista que, breve, esboroou-se.

 

Impacto emocional

 

Não bastassem os fatos sempre traduzidos de forma interpretativa por mim e pela equipe de Redação que comandei durante todo o período (essas lembranças me deixam felizes e me fortalecem inclusive para tentar apagar o grupelho de oportunistas no entorno daquela publicação), o impacto emocional a cada virada da coleção daquelas edições organizadas por quem entende do assunto (no caso a jornalista Malu Marcoccia, sempre previdente) é transformador.

 

Vejo no virar de cada página gente que se foi deste mundo, gente que o tempo tratou de desmistificar, gente que ganhou consistência em novas ou antigas empreitadas, gente que simplesmente desapareceu, gente que continua a mesma coisa, gente que deixou exemplos jamais copiados.

 

Quanta ironia cerca minha vida profissional. Revirar o passado jamais foi meu ponto forte. Isso é tarefa para Ademir Medici. Mas o que fazer se tenho uma missão a cumprir, ou seja, transplantar para o mundo democrático da informação online uma sucessão de obras-primas impressas do jornalismo regional.

 

Diria que é impossível conhecer a realidade da Província do Grande ABC dos anos 1990 e dos anos 2010 sem submergir nos arquivos de LivreMercado que CapitalSocial reproduz.

 

Os mais diferentes temários regionais estão ali. Os personagens que ajudaram a construir obras e fantasias também. O contexto econômico, cultural e social está esquadrinhado e pronto para ser dissecado por mentes inquietas.

 

Aquelas mais de 200 edições não foram perfeitas. Erros foram cometidos. Falsários vicejaram também naquelas páginas, porque eles são bons de lobby e a edição da publicação estava em algum grau suscetível ao trabalho de equipe da empresa que editava a publicação. Até para que fosse possível continuar com a publicação sem que me desclassificassem como empreendedor, mesmo um empreendedor ocasional.

 

Voltando no tempo

 

Para que os leitores entendam o que estávamos repassando às páginas de CapitalSocial após edições impressas na revista LivreMercado, estamos de volta ao final dos anos 1990, agora com a seleção de textos que não foram nem Reportagem de Capa nem Entrevista Especial, seções inicialmente privilegiadas na transposição a que me referi. Com a reprodução de Reportagem de Capa e Entrevista Especial chegamos a 2002. Pretendíamos alcançar o final do ano 2008, quando deixamos a publicação. Mas mudamos de rota.

 

Resolvemos alterar o planejamento que determinou o suprimento editorial desta revista digital. Por que ir até 2008 com Reportagens de Capa e Entrevistas Especiais enquanto outros pontos importantes que consumiram milhares de horas de trabalho jornalístico ficariam desgarrados demais no contexto daquelas transposições?

 

Foi aí que decidimos interromper temporariamente as Reportagens de Capa e Entrevistas Especiais. Voltamos a 1996, quando se iniciou o período de LivreMercado em formato físico de revista. Estamos postando todas as matérias importantes a partir de então, até paragonar no tempo com Entrevista Especial e Reportagem de Capa.

 

Quando chegarmos à igualdade temporal, passaremos à etapa seguinte: colocaremos a cada dia em ordem cronológica de edição uma nova matéria até alcançar a 2008. Ou seja: Reportagem de Capa, Entrevista Especial e todo o conjunto de matérias caminharão no mesmo passo do calendário, até se esgotaram as respectivas edições mensais.

 

Verborragia demagógica

 

O resultado final para quem acompanhar essa engrenagem de transporte do passado para o presente sem a menor possibilidade de mudar o ritmo e o destino das informações e análises ali contidas será a compreensão do quanto tenho de motivos para chamar o Grande ABC de Província do Grande ABC, bem como para encetar incursões críticas contra gente que se acredita intocável, passe o tempo que passar.

 

Não há outra explicação, senão a própria história, para o fato de este jornalista tornar-se ainda mais ácido ante as fanfarronices e manipulações de gente sem qualquer condimento social, exceto na verborragia demagógica.

 

Não conseguiria resistir ao repasse editorial do trecho histórico mais importante da região, período de grandes transformações sociais, culturais e econômicas, sem oferecer a contrapartida da indignação. Infelizmente, o que temos visto na praça na maioria dos casos não passa mesmo de repeteco de improdutividades que só agravam o quadro social mesmo nestes tempos de consumismo forjador de uma classe média emergente que, convenhamos, não resiste a qualquer análise mais séria se for levado a ferro e fogo o conceito desse estrato social, mesmo que metamorfoseado politicamente.

 

A Província do Grande ABC comete o erro capital de tentar reproduzir no presente como original e inquestionável um passado farsesco, do qual apenas alguns poucos personagens da vida pública e privada se salvaram dos tentáculos de oportunistas que proliferam como nuvens de gafanhotos.



Leia mais matérias desta seção: Imprensa

Total de 1859 matérias | Página 1

16/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (14)
13/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (13)
11/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (12)
09/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (11)
05/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (10)
03/09/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (9)
21/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (8)
15/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (7)
08/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (6)
02/08/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (5)
25/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (4)
16/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (3)
10/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (2)
04/07/2024 Diário: Plano Real que durou nove meses (1)
13/06/2024 CapitalSocial: atacado do atacado e livro histórico
09/05/2024 Perguntas para o deputado Manente
08/05/2024 Veja as perguntas ao sindicalista Martinha
07/05/2024 Veja todas as perguntas ao vereador Carlos Ferreira
06/05/2024 Ao Judiciário e ao MP: acusado faz ameaça