Imprensa

Reformismo solapado (4)

DANIEL LIMA - 05/03/2007

Vamos em frente com nova edição da retomada de uma experiência de nove meses como diretor de Redação do Diário do Grande ABC. A coreografia técnico-operacional foi documentada também em forma de textos, na newsletter Capital Digital Online, enviada a todos os colaboradores daquela empresa, além de acionistas e diretores. Acompanhem com atenção a edição que se segue, de 2 de agosto, menos de duas semanas depois de nossa posse, em 21 de julho de 2004. Como nas edições anteriores, encerramos este novo capítulo com um breve texto de contextualização.


Grande ABC, segunda-feira, 2 de agosto de 2004


Estou muito feliz com o ambiente de Redação. Sinto energia de todo o pessoal. Não acredito que haja um só profissional deste setor que não esteja disposto a se doar para um projeto coletivo, que não entenda o sentido de conjunto, que despreze o senso de coletivismo. Acredito que Deus escreve certo por linhas tortas. Há momentos para tudo na vida. Precipitar-se aqui, retardar-se ali, sempre provoca problemas.


 Pesquisa eleitoral (I)
As reuniões que tivemos com integrantes da Secretaria e outros profissionais para definir o melhor caminho de divulgação da pesquisa do Instituto Brasmarket sobre as eleições no Grande ABC são uma prova provada de que vale a pena trabalhar em conjunto. As idéias florescem. Encontramos uma fórmula de divulgação e análise das pesquisas que certamente se tornará padrão na empresa. Desperdiçávamos muitas informações ao lançar tudo num mesmo dia. Agora vamos explorar o assunto por pelo menos duas semanas.


 Pesquisa eleitoral (II)
Pela primeira vez em quase 30 anos de atividades, os dirigentes da Brasmarket tiveram um encontro com jornalistas para debater os conceitos das pesquisas que realizam. Eles jamais tiveram uma redação de jornal, TV, revista ou o que valha interessada em compartilhar os dados. O encontro que tivemos foi ótimo.


 Pesquisa eleitoral (III)
A recomendação vale para todas as situações, independentemente de quem esteja na liderança: os candidatos superados nas pesquisas sempre encontram um jeitinho de desmoralizar os dados. Por isso, temos de ter o máximo de cuidado para hierarquizar as informações com base no bom senso. Não que devamos deixar de publicar as retaliações dos derrotados, mas não podemos nos omitir no texto. Devemos, sim, interpretar as declarações dos eventualmente mal-humorados. Não podemos, de forma alguma, permitir que um trabalho sério do Instituto Brasmarket seja enxovalhado pelos derrotados circunstanciais. Dar-lhes o direito de chorar não significa que devamos nos calar. Por isso, publiquemos as queixas, mas com as ponderações necessárias.


 Pesquisa eleitoral (IV)
Solicitamos ao DOL (Diário OnLine) que suspendesse a divulgação da pesquisa eleitoral que virou manchete de primeira página do nosso jornal na edição deste domingo. O caráter de sigilo falou mais alto. O material só foi ao ar na tarde de ontem, depois que o jornal circulou. Conversarei com os responsáveis pelo DOL sobre conceitos que adotaremos na divulgação de determinadas matérias. A força da Internet não pode reduzir a capacidade de geração de receitas do jornal de papel. Há certo inconformismo de profissionais da redação cujos textos são repassados automaticamente para o DOL. Compartilho o descontentamento, mas temos de encontrar o melhor caminho para que a empresa não seja prejudicada como negócio, o jornal não vá às bancas envelhecido e os profissionais de redação não se sintam indignados. Apresentarei uma proposta simples e direta: somente os assinantes do jornal devem ter acesso liberado, além dos não-moradores do Grande ABC. Em situações como a de pesquisas eleitorais, que o material só entre no ar no período da tarde da data da publicação.


 Reforço que chega
Chega hoje para se juntar a todos nós com objetivo de contribuir para fazer um produto cada vez melhor o jornalista Eduardo Reina, que até o final de semana defendia as cores do Diário de São Paulo. Reina terá funções múltiplas. Que seja bem-vindo e que nos ajude a superar todas as dificuldades.


 Cidade delas
Bem sacada a coluna Cidadelas que Setecidades resolveu publicar todos os domingos. O time da Rita Camacho está interessadíssimo em dar mais personalidade à editoria.


 Encontros setoriais
Temos mantido reuniões com membros de diferentes editorias do jornal. Espero que até a semana que vem o estoque de encontros tenha sido consumido. São encontros proveitosos, porque temos a oportunidade de repassar conceitos. Quando se colam conceitos numa corporação, estabelecendo-se modus operandi básico, tudo fica mais fácil. Nosso produto está melhorando aos poucos, mas ainda falta muito para atingir o nível esperado. Principalmente porque o banco de horas é uma espinha na garganta da produtividade.


 Pautas racionais
Um dos pontos que tenho ressaltado nas reuniões com editores é que racionalizem as pautas. Isso significa que quanto menos complexas forem as coberturas, mais possibilidades teremos de reduzir o banco de horas, o consumo de transporte, essas coisas. Não precisamos produzir um jornal espalhafatoso. É tempo de pararmos para pensar.


 Mais didatismo
Não percamos de vista que quanto mais didática for uma matéria, mais compreensão haverá por parte dos leitores. Mas também não podemos esquecer que não podemos ser escravos de leitores indolentes, desses que não valorizam informação alguma. Nossos textos precisam agregar valor informativo, qualidade de pensamento, porque assim vamos furar o bloqueio de leitores de maior nível educacional, um de nossos calcanhares-de-aquiles.


 Ombudsman
Estou à cata de um jornalista minimamente qualificado e que conheça bem o Grande ABC para que ocupe as funções de ombudsman. O profissional será bem-vindo porque poderá enxergar situações que nos passam despercebidas.


 Desequilíbrio
Ainda há evidentes desequilíbrios entre as editorias do jornal, mas, de forma geral, não vejo situação cuja solução seja incompatível com o Planejamento Estratégico Editorial. Seria demais imaginar que as soluções estivessem mais à mão. Embora me faltem alguns encontros, tenho um bom diagnóstico sobre o estágio em que se encontra o produto setorialmente. Quando conseguirmos nos entender sobre conceitos de racionalidade, produtividade, multifuncionalidade, interpretação, essas coisas, tudo ficará mais simples. Não quero ninguém com medo de escrever. Os repórteres devem avançar o sinal, se preciso. Os editores saberão corrigir eventuais bobagens, comuns em jornalismo.


 Aniversários
Espero que o grupo de profissionais de redação do nosso jornal consiga comemorar, a cada final de mês, com um bolo, os aniversariantes do período. Na revista LivreMercado é assim. Algo que aproxima os profissionais. Sem qualquer marketing pessoal. Puramente familiar. Essas coisas que nos fazem bem mais dispostos a trabalhar, a viver, a cooperar. Dentro e fora da empresa.


 Presidente do Sindicato
Devo receber o presidente do Sindicato dos Jornalistas esta semana. Vou conversar com ele especialmente sobre o banco de horas. Todos sabem minha opinião a respeito. Vou propor a ele que converse com todos vocês. Faço questão de me retirar da redação durante o encontro. Vou dizer a ele para que os ouça e avalie nosso relacionamento profissional. No dia em que eu e meus companheiros de trabalho não nos sentirmos mutuamente confiantes nas transformações de que o produto precisa, tomo outro rumo. Jamais poderei aceitar a condição de eventual empecilho ao desenvolvimento deste produto. Estou aqui para colaborar sempre. Isso não quer dizer que construo relacionamentos de sociabilidade sob pressupostos de hipocrisia, de malabarismos. Muito pelo contrário. Quero um time pronto para debates, mesmo que mais acalorados. Quando isso acontecer, sinal de que estaremos coletivamente maduros. É assim na revista LivreMercado.


 Conselho Editorial
Cultura & Lazer foi a editoria que deu show de bola com a apresentação de inúmeros profissionais de distintas áreas para ocupar o Conselho Editorial do Diário do Grande ABC. Vários dos nomes sugeridos entraram na lista de personalidades que disputarão os títulos de Imortais do Grande ABC, do Prêmio Desempenho. Teremos um grupo numeroso de conselheiros do jornal, porque, de fato, todos vão atuar como assessores editoriais, além de colunistas.


 Pautas cumulativas
Trabalhar com diversas pautas é uma das maneiras para driblar a baixa produtividade. Várias pautas podem ser desenvolvidas por um mesmo profissional sem que se estabeleça a obrigação de queimar etapas e desperdiçar munição. O que isso significa? Que quando se atua com várias pautas sempre se tem uma boa matéria para publicar. Ninguém melhor do que o próprio jornalista para saber como mover-se nesse sentido. Quando se trabalha com número escasso de pautas ou mesmo sem alternativas de pautas, geralmente o tempo se transforma em adversário e daí ao fracasso é um passo. Quem toca uma pauta depende demais das armadilhas. Quem toca duas pautas depende demais das armadilhas. Quem toca três pautas depende demais das armadilhas. O golpe contra as armadilhas é que uma pode ser desativada agora, outra depois, a terceira mais à frente. E, nessa sequência, eis que as armadilhas desaparecem. E a produtividade avança.


 Entrevistas virtuais
Temos de organizar melhor as entrevistas. Para tanto, o uso da Internet se apresenta providencial. Temos experiência prática de que entrevistas pela Internet se mostram, muitas vezes, muito mais interessantes e maduras. Até porque, às indagações iniciais respondidas pelo entrevistado outras perguntas poderão ser feitas e dúvidas retiradas. Além disso, a desagradável tarefa de degravação vai para o lixo.


 Maior arejamento
As páginas do jornal precisam ter maior arejamento gráfico. Há insistente redução das fotos. Temos de incentivar um equilíbrio maior. Notadamente as páginas de entrevistas sacrificam demais a ilustração. Que a correção não leve à excessiva valorização das fotos nem sacrifique o conteúdo editorial. Harmonizar os espaços escritos e ilustrados — eis o desafio.


 Banco de dados
Dar suporte no dia-a-dia por meio de um agregado de informações de arquivo é questão vital para o jornal mostrar nova cara. A agilidade para transpor o imediatismo com o enxerto de material de retaguarda é desafio que tem de ser superado. A cultura do banco de dados tem de ser incrementada. Trata-se de um desafio permanente, porque a tendência do cotidiano de uma redação é o surto sistemático de amnésia. Vamos bater muito nessa tecla. Que os editores também o façam.


 Acompanhamento editorial
É comum que determinados assuntos sejam esvaziados ou esquecidos após causar certo impacto numa edição. Monitorar com cuidado o processo de apogeu e lona dos temários pode parecer óbvio, mas não é. Tão importante quanto não subestimar o que foi manchete ontem é não pretender que o assunto seja forçosamente manchete amanhã.


 Estrutura logística
Cada editoria precisa ter em conta que a fluidez da produção deve saltar todos os obstáculos burocráticos que se apresentam. Desburocratizar a cadeia de produção que começa com a coleta de informações e que termina com o fechamento editorial será a prova da eficiência. Principalmente se os mecanismos de associação entre agilidade e qualidade não se mostrarem frágeis.


 Caça às inconformidades
Os textos precisam ser rigorosamente vistoriados. Mas o conceito não pode ser conservador. Ninguém escreve integralmente correto. Quem o faz provavelmente não é jornalista. Ou não tem talento. Escrever é superar permanentemente os mata-burros da criatividade. Só corre o risco de errar com substância quem vai além dos manuais. Uma boa entrevista somada à criatividade se traduz em matéria de gabarito.


 Valorização do erro
Os jornalistas precisam saber onde estão cometendo falhas de textos. Todos temos vícios de construção verbal e de sintaxe. A melhor forma de combatê-los e de reduzir a incidência está na copidescagem de cada matéria por alguém que não seja o próprio autor e, em seguida, repassar o material para verificação do autor. É impossível melhorar o texto sem o acompanhamento crítico de alguém e sem que o resultado dessa varrição seja internalizado pelo autor.


 Quebra do ânimo
Todo profissional precisa ser respeitado diante de situações em que o fruto de seu trabalho seja eventual e significativamente alterado. Um texto que venha a ser decepado por força de aperto de edição ou mesmo que seja escanteado por qualquer motivo que fuja do convencional precisa necessariamente ser objeto de explicação ao autor. Inclusive se o motivo for mesmo incômodo, como a falta de qualificação. Transparência é amálgama importantíssimo. Quando a falta de comunicação origina ou potencializa restrições pessoais ou profissionais, a tendência é de entornar o caldo do companheirismo.


 Grau de exigência
Vamos esquecer que são poucos os leitores com grau de exigência apurado sobre o produto jornal. A sugestão é que, quando nos dirigirmos ao computador, pensemos exclusivamente nos leitores ávidos pelo dissecamento do assunto tratado. Na medida em que entendermos que nosso compromisso é com a minoria qualitativa, mais nos aproximaremos do grande objetivo de fazer jornal — ou seja, surpreender os leitores desatentos e encantar os leitores de elevada inquietação.


 Espinha dorsal
Elegeremos uma espinha dorsal temática que conduzirá os passos de nosso regionalismo. Temos de ser absolutamente cirúrgicos na definição dos assuntos que estarão no núcleo editorial do jornal de modo a compatibilizar importância e espaço. Se conseguirmos enquadrar o macroalvo de nossas necessidades, boa parte de nossos problemas estará, senão resolvida, encaminhada à resolução.


CONTEXTUALIZAÇÃO
Esta foi uma edição farta em exemplos do imenso campo de atuação do comando de redação comprometido com o produto. Particularmente as notas referentes ao Instituto Brasmarket são agradabilíssimas de reencontrar neste vôo ao passado. Fiquei estarrecido quando Ronald Kuntz e Sidney Kuntz, primos que dirigem a Brasmarket, me disseram que pela primeira vez em 30 anos um diretor de Redação convocou vários jornalistas para destrincharem com eles todos os detalhes do trabalho realizado. Mais tarde, sem que diretores e acionistas do Diário do Grande ABC soubessem, solicitei sem custos para a companhia uma pesquisa sobre os novos rumos do jornal. Os resultados naquele período foram promissores. E apresentados em reunião de diretores, acionistas e colaboradores da empresa. Descobrimos que ao longo dos anos os responsáveis pelo Departamento Comercial do Diário construíram um mito — os leitores do jornal eram consumidores preferenciais das páginas de classificados, e, só depois, da Redação propriamente dita. Nada mais falso.


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