Imprensa

Por que me botaram para fora do
comando de Redação do Diário?

DANIEL LIMA - 22/12/2011

A pergunta que mais ouço nestes tempos de reprodução da série “Reformismo solapado”, que mostra o dia a dia dos nove meses que comandei a Redação do Diário do Grande ABC, entre 2004 e 2005, refere-se aos motivos de minha saída. Antes do detalhamento, uma síntese: não sou estúpido de rasgar um planejamento estratégico que entreguei aos diretores daquela empresa como condição a aceitar a função de gestor editorial.

À primeira tentativa de subverterem os conceitos alinhavados em quase 100 mil caracteres produzidos num final de semana numa casa de campo do Interior do Estado, abri uma fenda que culminou com minha demissão. Saí aliviado, certo de que naquele endereço jamais me submeteria ao cotidiano do jornalismo diário.

Tampouco em nenhum outro. Chegara ao estado de loucura que não admitia excessos, sob pena de internação especializada. Para ser breve, explico minha saída do Diário do Grande ABC naquele 21 de abril de 2005 sem entrar em pormenores que, descobri mais tarde, o cartão vermelho vinculara-se à compra de uma sentença judicial que livrou a cara de gente graduada lá de dentro.

Trinta dias antes

O que ocorreu 30 dias antes de minha queda é que não aceitei proposta que considerava indecorosa e hoje, refletindo melhor, alço à condição de ofensiva e despropositada: a mulher do dono do jornal, Ronan Maria Pinto, Terezinha, propôs-me em reunião no sexto andar, que abrisse uma lista de dispensa de jornalistas por conta de suposto descasamento entre receita e despesa.

O diálogo foi ameno, sem qualquer resquício de grosseria de minha parte, muito menos da parte de Dona Terezinha. Esse ponto comportamental é importante. Tenho fama, vejam só, de ser desbocado. Justamente eu que jamais integrei qualquer torcida organizada. Talvez seja porque não frequentei a turma de canto da Igreja.

O resumo da ópera é que respondi à Dona Terezinha, com a convicção de quem estava ali para continuar se dedicando integralmente a um projeto de responsabilidade social, que a lista de dispensas deveria começar comigo. Isso mesmo: se era preciso demitir e se o projeto ao qual me dediquei estaria comprometido, nada mais lógico que deixar a companhia. E foi o que se deu 30 dias depois. Uma profissional de outras paragens e amiga de Ronan Maria Pinto havia três meses ocupava cargo algum mas viera para a Província do Grande ABC para dominar a Redação. A engrenagem fora montada com cuidados redobrados para o casamento perfeito entre uma coisa e outra. Se é que me entendem.

Uma linha de coerência

Quem acompanha a série “Reformismo solapado”, publicada originariamente em 2007, tem a oportunidade de conferir uma segura linha de coerência: aquela decisão comunicada à mulher do dono do jornal, com quem jamais tratei até então de minhas atividades naquela empresa, e os textos que elaborei na newsletter encaminhada periodicamente a todos os colaboradores do Diário do Grande ABC, tinham uma conexão consistente, engrandecedora, diria.

A reprodução de “Reformismo solapado” muito me orgulha, porque retrata com absoluta fidelidade o macrotratamento de minha atuação no Diário do Grande ABC. Entenda-se por macrotratamento a revelação dos pontos mais importantes daqueles 270 dias de trabalho. Os detalhismos ficavam reservados às reuniões com chefias temáticas da Redação.

Costumo dizer aos amigos e dar recados aos inimigos que os nove meses que passei no comando do Diário do Grande ABC talvez não tenham sido os mais importantes de minha longa carreira jornalística — as duas décadas de LivreMercado são mais apaixonantes inclusive que os 15 anos anteriores em que estive naquele jornal, entre os anos 1970 e 1980, quando ocupei todos os cargos possíveis na Redação — mas certamente são os mais emblemáticos. Aqueles que estão acostumados a concessões em troca de suposta relevância social caíram do cavalo ao imaginarem que dobraria a espinha do compromisso a que me impus.

Fissuras estruturais

Verdade seja dita: jamais durante aqueles nove meses fui coagido mesmo de forma diplomática a abrigar jornalismo de conveniências. Em nenhum instante me pressionaram a submeter-me a interesses subalternos à ética e à moralidade. Entretanto, mais tarde acabei por descobrir fissuras na estrutura da Redação, por conta de controles sedimentados no passado, através das quais alguns trabalhos jornalísticos supostamente de combustão espontânea não passavam, de fato, de influências estranhas. Mas isso é outra história.

O que me fez escrever este artigo foi o desejo de ratificar o momento especial que determinou minha queda da direção de Redação do Diário do Grande ABC. Algo que comparo a uma ação divina porque aquele ambiente estava a minar minha saúde, apesar de contar com a experiência coletiva fantástica: um quadro de jornalistas engajados na construção de um projeto editorial.

Só explodi em descontentamento à iniciativa de Dona Terezinha quando desci os três andares que separavam a direção da empresa e o reservado no qual me reuni com os jornalistas e soltei os cachorros quanto à falta de visão dos acionistas. Creio ter cumprido fielmente meu dever no Diário do Grande ABC.

E não aceitei, como pretendia Ronan Maria Pinto, seguir nos quadros da empresa, ocupando sei lá qual cargo. Não sou profissional de cargos. Prefiro os encargos. Tomei a decisão mais sábia de minha vida.

Leiam todas as edições de “Reformismo solapado” e entendam mais criteriosamente o que foram aqueles nove meses.



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