Imprensa

Reformismo solapado (42)

DANIEL LIMA - 12/03/2007

Não é que chegamos às duas últimas edições de prestação de contas (mas não desta série) à frente da Redação do Diário do Grande ABC, no período de julho de 2004 a abril de 2005? Como reforçamos, mais embaixo, no “contextualizando”, muitas outras questões deixaram de ser esmiuçadas porque encerramos nossa jornada naquele jornal em 21 de abril. Aliás, num confronto da relação de profissionais de Redação daquela empresa alguns dias antes de iniciarmos nosso trabalho e estes dias atuais, mais de 60% foram substituídos, e um montão de gente entrou e saiu nesse intervalo, o que eleva a rotatividade à estratosfera. Assim, é claro, é absolutamente impossível chegar minimamente próximo dos pressupostos do Planejamento Estratégico Editorial que norteou aquela trajetória a que nos propusemos acima de tudo com idealismo imbecil.


Grande ABC, segunda-feira, 18 de abril de 2005


Pergunta: Quem passou a frequentar diariamente as reuniões de pauta, além dos quadros de comando da Redação?


Resposta: O compartilhamento da definição da hierarquia das matérias que constarão da edição do dia seguinte do Diário do Grande ABC é a maior revolução introduzida no produto. Um grupo de 14 profissionais, líderes de suas respectivas editorias, envolve-se diretamente na formulação da edição seguinte, depois de analisados vários aspectos do produto que circulou no dia anterior. O diretor de Redação abre a palavra a todos os participantes com o objetivo específico de, numa primeira rodada de debates, reunir as avaliações sobre a edição que circulou naquele dia. Depois, segue a exposição individual para debates do que há de mais expressivo para a edição do dia seguinte.


Participam dessas reuniões diárias, de segunda a sexta-feira, todos os profissionais relacionados à Redação, de todas as editorias, do setor de fotografia e de artes gráficas. Implementou-se, com isso, a filosofia de despartamentização da Redação, algo que pode ser entendido como a relevância de que todos, absolutamente todos, enxerguem o produto como responsabilidade coletiva e de que prováveis sugestões vão se refletir num jornal melhor, eliminando-se portanto o desequilíbrio. Não adianta uma edição brilhante no esporte se na política regional a improvisação der o tom. De nada vale uma boa cobertura da economia regional se na área de Setecidades, que trata do noticiário local em vários campos de atividades, houver evidente acomodação. A tendência de os editores depositarem olhos e mentes apenas sobre as próprias crias é culturalmente arraigada no jornalismo diário. As reuniões de pauta emolduradas sob medidas multilaterais arremetem a edição para um patamar diferenciado.


Essa dinâmica que em média exige uma hora e meia diária de trocas de idéias e informações é recheada por dois novos vetores. Estamos relacionando e recebendo o Conselho Editorial integrado, como se sabe, por 101 representantes da comunidade do Grande ABC, e também repórteres de várias editorias. Sem contar, também, a presença de um representante do Departamento de Circulação, responsável pela adequação do temário de primeira página aos interesses de atendimento dos leitores que adquirem exemplares nas cerca de mil bancas espalhadas pela região. Nesse caso, uma manchete principal sobre o impasse eleitoral em Mauá determinará atendimento suplementar de tiragem nas bancas daquele Município, porque esse é um assunto que mobiliza parcela considerável da população. São muitos exemplos de equacionamento da edição seguinte aos princípios de suprimento específico de distribuição especial previamente selecionada.


A participação de conselheiros editoriais é uma inovação que aplicamos nas reuniões de pauta porque julgamos indispensável que os leitores, representados por esse grupo de especialistas nas mais diversas atividades, sentem curiosidade em acompanhar o processo de definição da edição que circulará no dia seguinte. Como é impraticável que estejam durante um dia inteiro na Redação, de forma a capturar todos os detalhes de operações multitemáticas lideradas por editores-editores, editores-secretários, secretários-editores e secretários-secretários, optamos pela sintetização dessa jornada ao integrá-los ao Conselho de Redação durante em média 90 minutos de reunião de pauta.


Os resultados têm sido extraordinários porque os conselheiros têm-nos oferecido avaliações críticas que consubstanciam o acerto do Planejamento Estratégico Editorial voltado à regionalidade dentro da metropolização e, também, propostas e idéias que passam a constar de nosso portfólio de análises. A presença de conselheiros editoriais não retira a espontaneidade de cada reunião de pauta. Sentimos que eles são partes integrantes do cotidiano de produzir jornal. Instigamo-os, em realidade, a debaterem os pontos em pauta. Aos poucos, descobrimos que todos encontramos de fato novas fontes de informações. Eles vivem intensamente suas respectivas áreas.


Também adotamos o chamamento à reunião de pauta de repórteres envolvidos em matérias de ressonância. Há situações em que somente o próprio autor tem as explicações de que precisamos para avaliar o grau de importância editorial da pauta em questão. Geralmente nessas ocasiões há defasagem entre os dados relatados pelo responsável pela área e o desenrolar dos acontecimentos. E é justamente a possibilidade de novas informações darem cores adicionais à disputa pela manchete principal da edição do dia seguinte que nos levou a solicitar periodicamente a presença do próprio repórter na linha de frente da definição editorial.


O que se desenvolve a partir da decisão de requisitar a presença do repórter na reunião do Conselho de Redação é um intenso bombardeio de finalidade explicitamente clara: conhecer a fundo a matéria-prima de informações que poderão assegurar a manchete principal da edição ou, em caso de afrouxamento dos dados, remeter o temário a rebaixamento editorial, minimizando o posicionamento gráfico. Não foram poucos os casos em que esse procedimento se efetivou. Os temários mais importantes do jornal nos últimos meses, como a doença do prefeito Tortorello, as idas e vindas da Febem, o Consórcio de Prefeitos, a Universidade Federal do Grande ABC, foram questionados diretamente aos próprios repórteres.


Há uma certeza com a adoção desse sistema que chamaria de peritagem informativa: o Conselho de Redação deixa a reunião de pauta absolutamente em ordem unida, certo de que todos os possíveis buracos foram providencialmente fechados para evitar surpresa desagradável quando cada exemplar chegar às bancas e aos assinantes. Não nos permitimos, de forma alguma, carregar para a primeira página, como manchete principal ou secundária, notícias que possam estar tecnicamente gelatinosas, com margem de risco que coloque sob suspeição a qualidade da informação.


O mais interessante nesse mergulho diário por todas as editorias é que o espírito colaborativo do Conselho de Redação se manifesta sem excessos de personalismos. Aliás, diria que não há, normalmente, egocentrismos além da conta. Seria exagero, entretanto, carregar na dose de que jornalistas não exibam porção natural e mais que indispensável de auto-estima intelectual. A vantagem do coletivismo do Conselho de Redação é que eventuais exageros acabam neutralizados pelo conjunto. O supra-sumo dessa verdade é a definição da manchete principal de primeira página. A sensibilidade geral prevalece não porque seja subjetiva e, portanto, vulnerável. Muito pelo contrário: o martelamento sobre os pressupostos do Planejamento Estratégico Editorial induz todos a seguir a rota da regionalidade no sentido mais cosmopolita possível do termo.


Costumo repetir aos membros do Conselho de Redação algumas definições sobre os pilares da manchete principal de primeira página. Divido a interpretação em três vetores. O primeiro é a manchete institucional, cuja impetuosidade está muito mais centrada na necessidade de fincar estacas de regionalidade, como são os temários relativos ao Consórcio de Prefeitos, à Febem, à UFABC, entre outros. O segundo é a manchete factual, estruturalmente voltada para o que é o mais impactante do dia, como um dia de cão sob águas de enchentes, a morte de Tortorello, a morte de Serginho, os novos números de desemprego ou de produção industrial, entre outros. O terceiro tipo de manchete é atemporal, e envolve questões históricas, estatísticas, comportamentais.


É claro que não há edição que resista ao factual, porque não se despreza algo que estará envelhecido no dia seguinte. O institucional tem um peso eletrizante porque é reconhecidamente uma alavanca para a mobilização de autoridades públicas e privadas no encaminhamento de soluções em favor da comunidade. A manchete atemporal preferencialmente é preparada com antecedência e se torna reserva de luxo acionada quando as outras duas modalidades não têm consistência. Entretanto, quando se corre o risco de a manchete de gaveta, como poderíamos resumir o espectro desse modelo, vir a ter o prazo de validade vencido, aciona-se o alarme e o material desloca-se da posição de manchete principal para submanchete. Essas matérias são geralmente preparadas para aproveitamento em finais de semana prolongados, mas têm impacto jornalístico forte.


Durante os nove primeiros meses de aplicação do Planejamento Estratégico Editorial no Diário do Grande ABC, somente em uma e única edição não foi possível — e muito menos tentado — utilizar o espaço da manchete principal com informação prevalecentemente de interesse regional. No caso, quem nos roubou a manchete regional de uma edição de domingo e nos fez dividir o assunto com todos os jornais do planeta foi o Papa João Paulo II, morto numa tarde de sábado.


Como papa não morre todo dia, como Jânio Quadros não ressuscitará e como o Corinthians vai demorar um ano para voltar a ser campeão do mundo, agora sob o domínio da MSI, temos a obrigação de garantir a cada reunião de pauta de final de tarde a manchete regional do dia seguinte. Esse é um dos preços de regionalidade que nos arrancam mais fios de cabelo.


Grande ABC, terça-feira, 19 de abril de 2005


Pergunta: Qual foi a grande transformação na relação entre o jornal e a comunidade?


Resposta: A criação do Conselho Editorial é o amálgama entre a Redação do Diário do Grande ABC e representantes da comunidade. Ainda estamos tateando nessa aproximação se o sentido da frase for o contato físico, porque o batalhão de leitores contemplados nessa instância informal é relativamente numeroso. Entretanto, se avaliarmos sob outro aspecto, mais permeável aos tempos modernos, de proximidade virtual, por meio do ferramental da Internet, então demos passos mais que vigorosos.


Parto do princípio filosófico provavelmente revolucionário no jornalismo brasileiro, reconhecidamente autocrático, de que a função jornalística é responsabilidade pública. Por mais que o empreendimento chamado mídia seja concebido como ramal emblematicamente capitalista, e como tal deve ser gerenciado como negócio, a divisão relativa a insumos editoriais reúne todas as nuances de compromisso com a sociedade com a qual nos comunicamos. Se observado esse princípio, chegaremos à conclusão de que, na medida em que se tornar referencial de respeito e de representatividade da comunidade a que serve, o jornal será cada vez mais viável como empreendimento.


Trocando em miúdos, diria que produzir informação jornalística tem semelhança com outras atividades. O processo é metodologicamente o mesmo. Mudam-se apenas as nomenclaturas, as denominações, mas o enfoque é o mesmo: é fundamental colocar no mercado impressas em papel as informações que alimentarão o desejo dos consumidores.


A grande diferença entre produzir comunicação e outra coisa qualquer está nos efeitos sociais. Uma comunidade mal-informada ou informada longe da profundidade necessária para entender e reagir às circunstâncias e às conjunturas, será uma comunidade capenga. Os efeitos são duradouros, reprodutivos, espalham-se como metástase. Ora, se isso é tão verdadeiro quanto óbvio, por que então abdicarmos de enriquecer nossas páginas com talentos geralmente escondidos em guetos corporativos dessa mesma comunidade?


Grande parte do Conselho Editorial do Diário do Grande ABC é composto por profissionais que raramente ocupavam as páginas desse mesmo jornal. Ainda não estão ocupando na medida esperada, mas as portas estão abertas para várias alternativas de expressão de conhecimentos. Cansamos de acompanhar os mesmos e manjados personagens do cotidiano do Grande ABC, geralmente pouco consistentes na função de intérpretes da comunidade. Mais que isso: como esses personagens contavam com lugar cativo na agenda de reportagem, decidimos acrescentar mais de uma centena de identidades alternativas e suplementares.


A bem da verdade, é vício da mídia nacional centrar baterias sobre determinado número de fontes de informação. São sempre os mesmos. Há grupo de incluídos da mídia que parece dotado de suprema sabedoria. É claro que não estamos generalizando. Existem profissionais indispensáveis na interlocução entre a mídia e a comunidade, mas, na maioria dos casos, deixam-se alternativas de lado. O Conselho Editorial veio para ampliar possibilidades de relacionamento com a reportagem. Sem contar que já está demonstrando senso extraordinário de participação, envolvendo-se diretamente em debates com legisladores locais na Assembléia Legislativa e na Câmara Federal, além de introduzirem-se nas páginas do jornal com artigos e ensaios de calibres variados.


A diversidade temática do Conselho Editorial é ingrediente especial desse caldeirão de interatividade. Contamos com especialistas das mais distintas áreas, prontos a serem acionados, prontos a se acionarem também. As rodadas de pesquisas que promovemos são uma forma de avaliarmos individualmente esses colaboradores. Como é pouco provável que teremos oportunidade de reuni-los todos num único evento, a virtualidade da Internet de alguma forma nos coloca frente a frente.


Contar com a interatividade do Conselho Editorial em questões-chave para o Grande ABC é também uma forma de evitarmos que antigas e desgastadas percepções de grupos que se encastelaram na mídia sobreponham-se, eventualmente, a novas configurações interpretativas de fatos. A amplitude técnico-intelectual dos conselheiros editoriais são algemas que mantêm presos os delinquentes sociais. Entenda-se como delinquentes sociais os sonegadores de idéias, os trapaceadores estatísticos, os arrombadores de imagens. Essa cadeia de criminalidades a que toda a mídia está vulnerável tem agora corredores mais estreitos e mais sensíveis à profilaxia ética e moral.


Não falta quem lance mão da numerologia do Conselho Editorial e faça correlação com os 101 Dálmatas. Se o sentido for o sentimento de fidelidade, de lealdade, de determinação, acertou-se na mosca. O número é obra do acaso. Até o último minuto do segundo tempo da confirmação de nomes relacionados, trabalhávamos com duas possibilidades: a de que não chegaríamos ao centésimo participante e a de que conseguiríamos atingir a marca. Não é que a ultrapassamos?


O Conselho Editorial do Diário do Grande ABC é único no mercado jornalístico nacional. Não se tem notícia de algo semelhante no campo internacional. Há conselhos de jornalistas, de jornalistas e diretores de empresas de comunicação e também de leitores conforme a base social de assinantes. Conselho de especialistas, independentemente de classes econômicas e sociais, só o Conselho Editorial do Diário do Grande ABC. A conversão de tantos saberes em direção a uma linha editorial regionalizada dentro de uma metrópole aponta o caminho das pedras de aperfeiçoamento constante de nossa linha de produção editorial. A sabedoria individual dos conselheiros editoriais se junta à perspicácia, à técnica e à dinâmica de comunicação como associação perfeita.


CONTEXTUALIZANDO
Muitas das questões a que me propus responder no Capital Digital Online ficaram pendentes para os leitores da newsletter porque o Diário do Grande ABC dispensou este profissional em 21 de abril. A independência da Redação durou muito pouco. Independência no sentido ético, porque jamais descolamos os objetivos do setor dos interesses da empresa, levando-se em conta que os interesses da empresa teriam de ser, necessariamente, o bem-estar informativo dos leitores.


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