O que vale para o mercado imobiliário da Província do Grande ABC em situações aparentemente favoráveis não vale para situações aparentemente desfavoráveis. Como o princípio, o meio e o fim do mercado imobiliário sob o controle especulativo de velhas raposas são a propagação de notícias supostamente valiosas e o desprezo à inteligência dos leitores, ouvintes e telespectadores, a contextualização do noticiário depende dos interesses mercantis
Tanto as manchetes que os jornais publicaram em dezembro do ano passado sobre o balanço do mercado imobiliário da região no terceiro trimestre como agora, no balanço do ano passado, pecam pela imprecisão e também pelo descaso com os consumidores de informação.
Por que os jornais abriram manchetes em dezembro do ano passado propagando os números do eterno presidente da Associação dos Construtores, Milton Bigucci, de que o mercado imobiliário da Província teria crescido 34% no terceiro trimestre e agora, fechado o quarto trimestre, não se deu o mesmo tratamento, informando que houve queda de 32% na venda de imóveis novos, refluxo que contaminou os resultados da temporada e rebaixou para 8,57% o crescimento naquela temporada?
Parcialidade seletiva
Dois pesos e duas medidas, evidentemente. Porque, quando o mercado imobiliário estava em alta – e isso sempre gera o que mais o setor aprecia administrar, ou seja, a especulação despudorada – deu-se ampla divulgação a um resultado parcial. Quando se constatou, no trimestre seguinte, uma queda preocupante, preferiu-se optar por uma abordagem anualizada, ou seja, de crescimento de 8,57%.
Reconheço que o enunciado deste texto é aparentemente complexo, de eventual dificuldade de compreensão, mas garanto que não tenho nada a ver com isso. Trata-se mesmo de uma incongruência metodológica patrocinada por Milton Bigucci que, à falta de planejamento voltado ao equilíbrio nas relações entre capital e sociedade, mostra-se bastante inventivo nas artimanhas semânticas. Para a Associação dos Construtores, manchetes circunstanciais que auxiliam na propagação de que o mercado imobiliário está uma maravilha valem muito mais que um tratamento sério que mantenha os interessados bem informados sobre esse que é um dos artigos da cesta básica da cidadania.
Quando, em dezembro do ano passado, Milton Bigucci procurou os jornais para divulgar que o mercado imobiliário da Província do Grande ABC crescera naquele terceiro trimestre 34% se comparado ao mesmo período do ano anterior (embora as manchetes e os textos induzissem à interpretação de que o crescimento anunciado era anualizado, ou seja, de três trimestres de 2011 sobre correspondentes três trimestres de 2010), a intenção era injetar adrenalina nos interessados. Afinal, já se tinha ali, em dezembro, mais que indícios, provas evidentes de que o quarto trimestre de 2011 estava comprometido. Tanto que a queda, que contabilizo à revelia de Milton Bigucci e dos jornais que não se preocuparam em fazer algumas continhas básicas, chega a 32% entre outubro, novembro e dezembro. Os números que utilizo têm como fonte a insuspeita (para o caso, não para outras questões muito mais graves) Associação dos Construtores, chefiada por Milton Bigucci. Consta do site da entidade.
Fazedores de ondas
Fosse a Associação dos Construtores minimamente preocupada com a qualidade da informação que transmite à sociedade, preservando-se critérios éticos que sempre devem estar a salvo de manipulações mercantis, os resultados trimestrais deveriam ser cuidadosamente transmitidos de forma a evitar distorções avaliativas e, portanto, congelando o ciclo especulativo. Mas é claro que isso pouco interessa a um setor que é por natureza fazedor de ondas. Tantas ondas que no Primeiro Mundo, com desvarios já conhecidos, governos foram obrigados a tapar buracos financeiros enormes de malfeitores.
Para exemplificar o que quero dizer, em dezembro do ano passado, quando chamou a Imprensa para informar o balanço do terceiro trimestre, Milton Bigucci deveria ter tido o cuidado de produzir comparações mais responsáveis. Até então, o mercado imobiliário da região, segundo números jamais levados à transparência metodológica desejada, apresentava o total de 5.562 unidades residenciais novas negociadas entre janeiro e setembro, ante 4.730 unidades do mesmo período de 2010. Ou seja: um crescimento de 17,59%.
A opção de Milton Bigucci pelos 34% do terceiro trimestre do ano passado frente o terceiro trimestre do ano anterior foi, portanto, mais que pensada, foi engenhosamente orquestrada para anabolizar os números.
Vou escrever sobre outro aspecto da entrevista compulsória de Milton Bigucci à Imprensa nesta semana, um aspecto renitentemente perturbador da ordem econômica porque se divulgam impunemente números sobre o valor do metro quadrado de área construída em apartamentos novos que não batem com a realidade das negociações. Sem contar que as bases sobre as quais a Associação dos Construtores ergue catedrais numerológicas são desconhecidas do público e de uma aferição transparente. Além do que, trabalha-se com números por unidade negociada quando, entre vários vetores, o mais confiável seria contabilizar o chamado Valor Global de Vendas (VGV), como fazem as grandes consultorias internacionais quando se pretende medir para valer o tamanho de determinado negócio, e até mesmo entidades do mercado imobiliário mais transparentes.
Milton Bigucci não foi à toa à Justiça para impedir que este jornalista se manifeste sobre o mercado imobiliário. Ele sabe o que quer. Represento uma barreira de alerta e indignação ante um público potencial inicial de mais de 120 mil leitores que recebem diariamente chamadas à leitura desta revista digital. A permissividade informativa concedida ao também chamado proprietário da Associação dos Construtores é uma provocação à democracia, que pressupõe comprometimento social.
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