Economia

Só nas contas de Bigucci Capital
perde para Província em imóveis

DANIEL LIMA - 08/03/2012

Não existe meio termo, até porque a situação é escandalosamente aviltante para quem quer ser bem informado: a Província do Grande ABC se transformou num fenômeno no mercado imobiliário na temporada de 2011 ou o presidente da Associação dos Construtores, Milton Bigucci, é um tremendo embromador. Se não for um tremendo embromador, é um portentoso mal-informado. Se não for um portentoso mal-informado é um inigualável descuidado. Se não for um inigualável descuidado é um insuperável manipulador.
 
Escolham a melhor alternativa, caros leitores. Como haverá o risco de imprecisão com apenas uma escolha, porque Milton Bigucci é múltiplo, sugiro que até três alternativas não excludentes possam ser apontadas de modo a se complementarem. No fundo, no fundo, apenas uma das quatro alternativas exclui as demais.
 
Alguém é capaz de acreditar na possibilidade de, em tempos normais, em tempos de paz, em tempos de economia razoavelmente aquecida, como a do ano passado, quando o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu 2,7% sobre o PIB de 7,5% do ano anterior, a Província do Grande ABC mostrar-se mais dinâmica no mercado imobiliário que a Capital paulista? Pense bem: você seria capaz de afirmar por intuição ou por conhecimento que se venderam mais imóveis novos na Província do Grande ABC, em termos proporcionais, do que na Capital?
 
Somente uma hecatombe econômica ou natural, como um terremoto que se limitasse às áreas mais disputadas da Capital, permitiria sugerir que a cidade de São Paulo perdeu de lavada para a Província do Grande ABC em 12 meses acumulados no mercado imobiliário. Fora isso, fora um fenômeno econômico ou natural, a Província poderia ter alguma possibilidade de fazer cócegas no dinamismo imobiliário da vizinha tão pujante, o mais pujante pedaço urbano do País?
 
Um mágico dos números
 
Então, como é possível o presidente da Associação dos Construtores, o mago das estatísticas, Milton Bigucci, vir a público, reunir a imprensa, e desfilar números regionais fantásticos?
 
Sabem quanto o mercado imobiliário da Província cresceu em 2011 sobre 2010, segundo a versão rocambolesca de Milton Bigucci? 8,57%. Quase três vezes o PIB daquela temporada. Foi isso que informou o eterno dirigente da Acigabc segunda-feira, em encontro mais que manjado com a imprensa.
 
Agora respondam os leitores: quanto foi que no mesmo período cresceu o mercado de imóveis novos na Capital? A resposta está em todos os jornais de ontem, depois de coletiva à imprensa do Secovi, Sindicato da Habitação de São Paulo. Pensem bem para não cometerem erro crasso. Pensaram? Pois bem, não houve crescimento algum. Pior que isso: houve rebaixamento, houve perda em relação a 2010. E que perda? Nada menos que 21,2%.
 
Isto mesmo: enquanto Milton Bigucci dribla o distinto público ao afirmar que o mercado imobiliário da Província cresceu mais de 8% na temporada passada, o Secovi anuncia que em São Paulo houve recuo de 21,2%. Membro do Conselho Consultivo do Secovi, o mínimo de trabalho a que deveria se dar Milton Bigucci seria contextualizar o suposto crescimento da Província do Grande ABC, porque os números da Capital já eram conhecidos nos bastidores.
 
Descobre-se, portanto, que o mercado imobiliário da Província do Grande ABC é um espanto? Bobagem: o que existe é o despreparo da frágil Associação dos Construtores em cuidar das próprias galinhas numéricas, espalhando-as pelo quintal da imprevidência de modo a contabilizá-las sem a menor competência.
 
Cadê a transparência?
 
O que a imprensa regional ainda não descobriu ou não quer descobrir é que a entidade de Milton Bigucci é uma falácia estrutural, incapaz de prestar informações de interesse público com comprometimento social.
 
Para que não sobre dúvida sobre a veracidade das informações, reproduzo alguns parágrafos da matéria publicada pelo jornal Valor Econômico:
 
 Após registrar queda da comercialização de imóveis residenciais novos em número de unidades e em Valor Global de Vendas (VGV) na cidade de São Paulo em 2011, o Secovi-SP, o Sindicato da Habitação, espera crescimento modesto na cifra total de vendas em 2012 e já considera a possibilidade que o volume apresente nova retração. O total de imóveis residenciais novos a ser comercializado no maior mercado imobiliário do país, neste ano, é estimado de R$ 13,5 bilhões a R$ 14 bilhões pelo presidente do Secovi-SP, Claudio Bernardes, ante R$ 13,3 bilhões de 2011. (...) Na cidade de São Paulo as vendas de imóveis caíram 21% na comparação com 2010, para 28,3 mil unidades, menor patamar em cinco anos.
 
Agora, alguns parágrafos da matéria publicada no Diário do Grande ABC:
 
 O Grande ABC superou as expressivas vendas de imóveis de 2010 e, com isso, fechou o ano com alta de 8,57% sobre o resultado anterior. Com 7.307 unidades adquiridas, 2011 também bateu o número registrado em 2008 -- ano pré-crise e considerado bom pelo mercado porque atingiu 6.952 unidades, segundo melhor resultado em cinco anos. A crise havia derrubado o segmento a 5.126 apartamentos em 2009, quebrando sequência de boom na construção civil verificada a partir de 2007. Os dados foram divulgados ontem pela associação, sem considerar Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que somam quase 10% do mercado. O levantamento representa 85% do setor.
 
Abra as contas, abra
 
Afinal, o que teria provocado tamanha discrepância de desempenho no mercado imobiliário entre a Província e a Capital? Tenho informações de fontes próximas da entidade de Milton Bigucci de que tudo não passa de encenação numérica. Comparam-se alhos com bugalhos. Em anos anteriores, tanto o mercado de Diadema quanto o de Mauá não constavam das estatísticas da Associação dos Construtores. Acrescentaram-se, portanto, duas cidades e estabeleceram comparação tendo as três anteriores como base. Algo como dizer que uma família passou a ter rendimento salarial 50% superior sem considerar que novos membros foram incluídos.
 
Números do programa Minha Casa, Minha Vida, também teriam sido utilizados para inflar os ativos comercializados. Uma forma de mascarar o setor e embrulhá-lo para presente aos incautos. Dadas as características do programa federal de habitação popular, as estatísticas deveriam ser claramente dissociadas. Meter os números de Minha Casa, Minha Vida num contexto de mercado imobiliário convencional é forçar a barra.
 
Enquanto Milton Bigucci não clarear o terreno, contestando ou confirmando as informações, estará em uma ou em várias das situações sugeridas na abertura deste texto.
 
Meu ímpeto de solicitar informações a Milton Bigucci foi contido porque seria mais uma vez pura perda de tempo. O dirigente que comanda a entidade desde antes da queda do Muro de Berlim não dá satisfação a ninguém em questões muito menos importantes, o que dirá então a esse tipo de indagação? Pobres daqueles consumidores de habitação que se fiarem nas informações de Milton Bigucci, as quais vão muito além de números inflados. Apenas nos números furados da associação que dirige a Província ganhar ares de Capital e a Capital de Província.
 
Não tenho dúvidas de que Milton Bigucci é um dos principais agentes que fortalecem os laços deste território com tudo que é depreciativo sob o rótulo de Província. Tanto ele quanto aqueles que assistem contemplativamente seus arroubos de grandeza.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000