Economia

Quando mais empresas não significam
mais desenvolvimento econômico

DANIEL LIMA - 14/03/2012

O Diário do Grande ABC de ontem caiu numa antiga armadilha que desmontamos também há muito tempo: acreditou no conto da carochinha de que mais empresas nos setores de comércio e de serviços significam dinamismo econômico. No caso da Província do Grande ABC, mesmo nos últimos anos da Província do Grande ABC, é melhor não acreditar. Mais que isso: é melhor descartar. Vivemos há uma década e meia o que chamo de "nordestinização” econômica. Vou explicar o neologismo.
 
Até metade dos anos 1990, quando a Província ainda não sentia as dores mais profundas da desindustrialização que na última década do século passado cortou 100 mil empregos industriais com carteira assinada, comércio e serviços estavam muito aquém do potencial de consumo da região. O emprego industrial, embora já em processo de declínio, que, de fato, começou em meados de 1980 com a interiorização movida à guerra fiscal, anestesiava o sonho do negócio próprio. Quem estava empregado na indústria, numa indústria que sempre pagou salários maiores que os demais setores, não tinha razões para montar o próprio negócio. Comércio e serviços da Província eram negócios de famílias. Rentáveis, confortáveis, acomodados.
 
Aí veio o que se sabe (e a maior parcela da imprensa regional procurou esconder na esperança de que os sintomas seriam imperceptíveis) e houve uma enxurrada de desempregados com dinheiro no bolso de indenizações por longos anos de trabalho prestado a indústrias. Foi um deus-nos-acuda. Gente completamente despreparada montou todo tipo de empreendimento com a cara, a coragem e dinheiro no bolso. A grande maioria se deu mal também porque os grandes conglomerados nacionais e internacionais aportaram na região. Mas a explosão de empreendimentos provocou e ainda provoca estragos num ambiente de refluxo do PIB (Produto Interno Bruto).
 
Mercado canibalizado
 
Canibalizou-se de tal forma o mercado regional que empreender se tornou uma aventura. O número de empreendimentos corre em raia própria com velocidade assombrosa, enquanto a produção de riqueza expressa no PIB tem o andar de tartaruga. Não poderia mesmo dar certo.
 
Essa disputa maluca ainda não terminou, embora tenha arrefecido desde que, nos últimos anos, mesmo com a baixa capacidade de geração de emprego industrial, a saturação do mercado evidenciou-se. Ainda há mais gente abrindo negócios do que fechando negócios formalmente. Ou seja: a quantidade de estabelecimentos comerciais e de serviços que abre as portas é invariavelmente maior do que a quantidade de estabelecimentos comerciais e de serviços cujos titulares procuram os órgãos competentes para dar baixa. Há um desvio estatístico que ilude os incautos. Sem contar que mais competição num ambiente econômico constrangido pela flacidez do PIB significa carnificina concorrencial.
 
Minha experiência prática com o inchaço do comércio e de serviços na Província do Grande ABC não pode ser desprezada. Não me fio apenas nas estatísticas de organismos especializados que, por si sós, não esclarecem a situação. Quando na direção editorial da revista LivreMercado, monitorava pessoalmente o supervisor de circulação. Era o período em que a publicação ainda não caíra no conto do vigário de ser encartada no Diário do Grande ABC. A distribuição era autônoma. O monitor de circulação saia às ruas com a listagem completa dos endereços das empresas destinatárias dos exemplares. Voltava sempre com infinitas anotações para mudanças dos destinatários, quando não da supressão.
 
Rodízio de negócios
 
Num período de um ano não faltavam casos de trocas sucessivas de empreendimentos no mesmo endereço. Saia o açougueiro para entrar o florista que não resistia às intempéries e era substituído por um empório. A taxa de mortalidade concorria diretamente com os níveis de criminalidade naquele período em que a Província estava abandonada pelo governo do Estado e as Prefeituras entendiam que não deviam meter o bedelho na gestão de Segurança Pública. Depois da morte de Celso Daniel tudo mudou.
 
Por isso tudo e por muito mais é que, ao ler a matéria louvatória do Diário do Grande ABC completamente desplugada de sinergia crítica, que vem a ser a observação atenta do ambiente econômico regional além dos números simplificados de unidades formalmente abertas, sempre fico como um pé atrás quando se pretende mesmo que involuntariamente encher a bola regional. Embora tenha havido recuperação do nível econômica da região, muito longe entretanto dos níveis elevados dos bons tempos, não podemos cair na besteira que achar que encontramos o caminho. Apenas estamos repetindo velhos equívocos de não saber decifrar o que as estatísticas oferecem.
 
Empreender no setor de comércio e de serviços na Província do Grande ABC é muito mais que ter nas veias e na alma o espírito de construção de novos caminhos. É sobretudo um ato de coragem ou de loucura que não pode estar desconectado de estudos, de pesquisas, de análises. Tudo o que a manchete do Diário do Grande ABC, por ser simplória, desqualificada. Os casos de sucessos na região só confirmam a regra de que já se foram os tempos de improvisação e de voluntarismo. Aqui, nesta Província, o buraco é muito mais embaixo. À escassez de empreendimentos até metade da última década do século passado sobreveio uma dose cavalar de iniciativas que se tornaram frustrantes para a maioria. Essa realidade ainda não se dissipou.
 
Por todos os cantos
 
Nossa nordestinização está explicitamente clara nas ruas de todos os quadrantes: como naquela região do País, há estabelecimentos de tamanhos geralmente diminutos espalhados por todos os cantos, a competir entre si, a dividir espaços e recursos financeiros dos vizinhos, a sufocar a rentabilidade, a estreitar os horizontes, a asfixiar o orçamento familiar da maior parte de quem sobrevive dos negócios. É assim que é a regra desse jogo. Até o início dos anos 1990 o cenário era outro. Qualquer pequeno negócio era bom negócio.
 
Nosso capitalismo, como escrevi numa das mais importantes reportagens de capa de LivreMercado, já era de terceira classe naquele começo dos anos 2000. E não mudou nada desde então. Só as manchetes apressadas seguem a mesma trilha de triunfalismo. Não tivemos, nesse período, capacidade organizacional para preparar um grande plano de desenvolvimento econômico que contemple todos os setores.  


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