Economia

E seguimos com manipulações
para embalar mercado imobiliário

DANIEL LIMA - 19/03/2012

O céu não é de brigadeiro no mercado imobiliário da Província doGrande ABC como teimam em anunciar manchetes de jornais sequestrados, seduzidos ou mancomunados com forças de pressão e de interesses. Diferentemente do que publicou na edição de sexta-feira o Diário do Grande ABC e em linha oposta ao que mostrou no mesmo dia o jornal Valor Econômico, há trovoadas inquietantes. Tanto que começou a liquidação de imóveis residenciais e comerciais na Região Metropolitana de São Paulo, Província do Grande ABC incluída.
 
O que mais me espanta quando trato do mercado imobiliário regional nesta revista digital é a insistência do Diário do Grande ABC, principalmente do Diário do Grande ABC, em bater na mesma tecla de triunfalismo. Sempre com o apoio estreito da Associação dos Construtores, do eterno e agora também mais explicitamente descredenciado presidente Milton Bigucci, o Diário do Grande ABC pretende-se mais realista que o rei. A credibilidade de um veículo de comunicação entra em choque com seus leitores quando a realidade sentida no bolso é negada nas manchetes.
 
Oferta não é demanda
 
Querem um exemplo? Na edição de sexta-feira, sob o título "Demanda por imóvel comercial sobe 45%" e a linha fina "Região é facilitada pela logística com Rodoanel e é vista como nova capital de negócios", o jornal ouve o que chama de "especialistas" no assunto. "Especialistas", para o Diário do Grande ABC, são agentes do mercado imobiliário que não passam de vendedores, com fartos interesses em tergiversar. Até porque não existem especialistas no mercado imobiliário regional que não tenham essa característica suspeitíssima. As academias locais são um deserto na formação de gente qualificada a preparar análises regionais também no setor imobiliário. Somos uma terra sem eira nem beira em estudos sérios. Por isso os amadores técnicos e os profissionais em embromação se destacam tanto na mídia, mas não cansam de mostrar os fundilhos da malandragem.
 
A correlação da suposta efervescência do mercado imobiliário no setor comercial com o traçado do trecho sul do Rodoanel ou mesmo com o pré-sal, como afirmou o Diário do Grande ABC, é uma anedota de mau gosto. O Rodoanel que passa tangencialmente pela Província do Grande ABC: com apenas três alças de acesso, não refrescou em quase nada a temperatura econômica regional. Principalmente na conexão aventada com a procura de salas comerciais. Nossa logística é um circo de horrores que o Rodoanel Sul em nada atenuou, quando não agravou ao criar uma expectativa resolutiva que não se confirmou. Muito pelo contrário.
 
Seria gozação pura, não fosse desconhecimento explícito, a configuração dessa teia de argumentação a que o Diário do Grande ABC se deu ao trabalho ouvindo gente mais que suspeita de manipulação de dados. Desta feita excluiu de comentários abalizados o insuperável Milton Bigucci, que defende com unhas e dentes os interesses dos grandes empreendedores imobiliários e deixou à míngua, há muito tempo, pequenos e médios. Como prova o movimento articulado para que o segmento seja ouvido por autoridades públicas. Ao rebocar o pré-sal para a geografia da Província como explicação à suposta demanda, o jornal se supera em ingenuidade ou entreguismo.
 
O Diário do Grande ABC e suas fontes mais que viciadas de informações do mercado imobiliário confundem oferta de imóveis comerciais com demanda. Embora não apresentem números que deem sustentação estatística ao anúncio de que o crescimento da "demanda" chegou a 45%, é mais que certo, é cristalino que o quadro é diametralmente oposto. Há um excesso de salas comerciais à disposição dos interessados, principalmente no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, onde um grande empreendimento deu com os burros nágua em relação aos planos de rentabilidade com que foi concebido.
 
Expectativa frustrada
 
Primeiro porque o preço fixado por metro quadrado teve como referência a Capital, e vivemos numa Província. Segundo porque o pífio crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) da Província não possibilita o encaixe de tantas ofertas sem que se ameace com algo que poderia ser chamado de depreciação do mercado como um todo. Há uma liquidação disfarçada de preços nesse empreendimento e também em outros grandes lançamentos residenciais naquela área. São Bernardo é uma coisa, São Paulo é outra, estão descobrindo os invasores imobiliários, companhias que invadiram a praia regional certas de que havia dinheiro abundante para fazerem uma senhora feira de negócios.
 
Quem leu no Diário do Grande ABC a matéria a que me refiro e no mesmo dia teve a oportunidade de desfrutar do melhor jornalismo nacional, no vaso do jornal Valor Econômico, pode sentir a diferença. Sob o título "É hora de desconto na compra de imóveis", o jornal paulistano tratava com responsabilidade social e comprometimento público o que o Diário do Grande ABC, opostamente, desfilava  como carnaval de ilusões. Vejam alguns parágrafos do Valor Econômico:
 
 A Even anunciou que vai oferecer, no domingo, até 36% de desconto em mais de mil apartamentos e salas comerciais na Grande São Paulo, no chamado Even Day. A iniciativa não é isolada. Num momento em que boa parte dos lançamentos de 2007 e 2008 fica pronta, incorporadoras lançam mão de descontos, principalmente em imóveis prontos ou em conclusão até o final de 2012, para acelerar as vendas no primeiro trimestre, geralmente o mais fraco. As incorporadoras têm estoques prontos que variam de 2% a 10% do total estocado em valor, conforme o analista do setor imobiliário do Banif, Flávio Conde. Não é vantajoso para as empresas manter unidades concluídas, devido a despesas de manutenção, como o pagamento de condomínio, e à possibilidade de depreciação.
 
 (...) Não se espera que os descontos oferecidos reduzam a média de preços dos imóveis no mercado, por se tratarem de ofertas pontuais e porque condições como demanda por imóveis e oferta de crédito continuam existindo. Há quem diga que, em bairros com mais entregas de unidades prontas ainda não vendidas, os abatimentos poderão provocar algum movimento de queda de preços.
 
Não é necessário transpor toda a reportagem de Valor Econômico para concluir que, embora o texto seja bastante cuidadoso, para não dizer excessivamente cauteloso, porque há em torno da atividade série de interesses, exala-se cheiro de queimado. Poucos profissionais que conhecem a fundo o mercado imobiliário nacional e que se posicionam francamente preocupados com a existência de uma bolha não necessariamente com o mesmo poder destrutivo do que se viu no Primeiro Mundo ganham espaços nos veículos de comunicação. Raríssimos rompem a barreira dos interesses editoriais e comerciais que se cruzam.



Exame, primeiros sinais
 
Se até a revista Exame, há três semanas, elevou à condição de Reportagem de Capa uma ampla reportagem sobre movimentos estranhos no setor, com agravamentos do quadro financeiro de várias companhias de grande porte, o melhor é que todos se cuidem. Na Província, então, os níveis de esgarçamento da segurança no mercado imobiliário são proporcionais à ênfase que o Diário do Grande ABC imprime em forma de espetacularização de estatísticas sem sustentabilidade metodológica. Sempre tendo, de forma direta ou indireta, a Associação dos Construtores, um clube fechadíssimo de poucos amigos de Milton Bigucci, como porta de entrada à felicidade total.


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