Economia

Olha a bolha imobiliária aí gente!
Quem acredita nessa advertência?

DANIEL LIMA - 17/04/2012

Em quem o leitor botaria fichas sobre a possibilidade de o Brasil estar vivendo uma bolha imobiliária? Faça a escolha: de um lado William Eid Júnior, doutor em administração pela Fundação Getúlio Vargas e professor titular de finanças. Do outro, Claudio Bernardes, engenheiro civil, presidente do Secovi-SP (Sindicato da Habitação) e reitor da Universidade Secovi. Vamos ao debate?


 


Vamos sim, mas antecipo posicionamento: estou com o professor da FGV e não abro. Aliás, William Eid Júnior é um dos raros representantes da sociedade que tem coragem de enfrentar as manipulações de mercadores imobiliários que só enxergam os próprios bolsos. Os argumentos que esgrime são cortantes, enquanto o adversário desse debate traveste-se de garoto-propaganda. Aliás, esse é o padrão dos empreendedores imobiliários incrustados em organizações de classe que enxergam apenas o próprio umbigo.


 


Veja o que diz Claudio Bernardes, do setor imobiliário:


 


 Não existe bolha imobiliária no Brasil. As condições estruturais do mercado imobiliário brasileiro são muito diferentes daquelas que existiam nos Estados Unidos quando eclodiu a crise de 2007. Para existir bolha imobiliária, é preciso que os preços dos imóveis estejam artificialmente inflados, o que não existe em nosso mercado. É importante conhecer os fatos para compará-los e tirar a correta conclusão. A crise econômica norte-americana teve origem nos chamados subprimes: os compradores de imóveis refinanciaram as suas hipotecas lastreadas por valores irreais de mercado. A altíssima alavancagem, tendo como base os papéis emitidos com esse lastro irreal, fez com que o sistema desmoronasse. O que veio depois todos sabemos bem: a economia mundial sofreu um duro golpe. Recentemente, estivemos com representantes de importantes grupos financeiros dos EUA. Eles nos revelaram detalhes dessa desastrosa situação. Os financiamentos para compra, correspondentes a 100% do preço total dos imóveis, eram refinanciados em 100% -- às vezes mais. Uma operação de altíssimo risco, que não é praticada no Brasil. Aqui o cenário é bem diferente. O consistente crescimento do setor imobiliário decorreu de fatos específicos, como a diminuição de taxas de juros, a melhoria do poder aquisitivo de boa parte da população e a volta do crédito imobiliário, após uma lacuna de 20 anos que quase levou o mercado à estagnação. Isso foi possível graça ao novo marco regulatório, que deu garantias a compradores, a produtores e a financiadores.


 


Agora, o contraponto com William Eid Júnior:


 


 Há algum tempo vemos uma discussão intensa sobre a existência de uma bolha imobiliária no Brasil, em particular em São Paulo. A maioria das pessoas acha que ela não existe. E é fácil entender. Jornais, revistas e televisão, quando vão falar sobre um tema qualquer, recorrem aos chamados especialistas. Se falam de ações, procuram um corretor de valores. Se falam de imóveis, procuram um incorporador ou corretor. O problema é que esses especialistas não são isentos. Eles constituem o lado vendedor do processo, e não podem analisar os fatos de forma neutra. Um amigo jornalista diz que adoraria colocar nas reportagens: João da Silva, comprado, diz que a bolsa vai subir. Já Antonio das Neves, vendido, diz que vai cair. Mas não é isso que vemos nas reportagens, então todo cuidado é pouco. O presente autor é apenas professor e não negocia com imóveis. Isso posto, vamos pensar no que causa uma bolha imobiliária. Ela acontece por excesso de demanda – isto é, muita gente querendo comprar imóveis. Mas só o aumento do número de compradores não deve configurar uma bolha. Se há aumento compatível de renda ou de população, então essa demanda a mais é justificável e espera-se uma elevação permanente dos preços. Será que é isso que acontece hoje em São Paulo? A população da cidade nos últimos dez anos aumentou pouco mais de 10% (aliás, houve um decréscimo de 2010 para 2011). A renda per capita nacional de 2005 a 2011 aumentou 20%. Nesse período, o custo da construção civil, pelo INCC, subiu 35%. Ou seja, olhando os principais dados, não há o que justifique um grande aumento no preço dos imóveis. Mas eles aumentaram muito. O Índice FipeZap, criado em 2008, mostra que de lá até hoje o preço dos imóveis em São Paulo aumentou incríveis 132%.


 


De volta o representante do setor imobiliário, Claudio Bernardes:


 


 A sociedade, cuja demanda estava represada, “foi às compras”. Buscou realizar o sonho da casa própria, viabilizado por essas condições elementares. O mercado, então, empenhou-se em suprir essa procura, uma vez que sua função primordial no cenário econômico-social consiste em equilibrar a oferta e a demanda. A produção foi retomada, impactando o crescimento do País e a geração de empregos em escala. Agentes financeiros que antes não tinham o financiamento habitacional como parte estratégica de seu negócio passaram a disputar mutuários. Mas nada disso implicou em relaxamento das exigências para concessão de empréstimos. Aliás, unidades 100% financiadas ainda hoje são casos raros. Em média, os financiamentos concedidos correspondem a 60% do valor do imóvel. O cuidado na concessão do crédito, que pode até ser exagerado, acarreta burocracia tremenda. Houve melhoras. O número de documentos exigidos do comprador, do vendedor e do imóvel caiu de 52 para 14, mas continua elevado, e é grande a demora em se obter toda essa papelada, principalmente porque falta integração entre os órgãos públicos expedidores.


 


De novo, volta à cena o professor William Eid Júnior, da FGV:


 


 Ao lado do aumento do preço dos imóveis, o descompasso com os aluguéis é um indicador muito claro de bolhas imobiliárias. Um investidor espera um aluguel mensal de algo em torno de 0,6% ou de 0,7% do valor do imóvel. Um apartamento de R$ 1 milhão deve ter um aluguel em torno de R$ 6 mil ou R$ 7 mil, senão é melhor investirem em outra coisa. O Índice FipeZap indica que de 2008 até agora os aluguéis subiram 70,5%. Isto é, os preços dos imóveis subiram 90% a mais que os aluguéis. Qual foi a causa do aumento de preços? Aumento do crédito disponível. O crédito imobiliário em 2011 foi 500% maior que o de 2005%. Isso é durável? Não. Não é possível imaginar uma expansão contínua do crédito. Além de ser uma condição utópica, ela tem impactos sobre a política monetária e, sobretudo, sobre a inflação.


 


Agora, a tréplica de Claudio Bernardes:


 


 Os cartórios ainda não estão totalmente informatizados – ao contrário dos bancos, que investiram com força na tecnologia. Esse criterioso processo nos autoriza a afirmar que, no Brasil, temos “superprime”. Além disso, não temos a cultura do refinanciamento de hipotecas. O brasileiro valoriza a propriedade do bem. Quer quitar logo a dívida e ter a escritura do imóvel. Depois, fica livre para novos endividamentos, pois conta com a segurança de que a casa da família, patrimônio dos filhos, está garantida. Na fase atual da nossa economia, não existe espaço para aumentos significativos, mas também não há risco de queda dos preços. O mercado deve crescer na proporção direta do desempenho da economia. Há bolha imobiliária. Definitivamente, não.


 


A tréplica de William Eid Júnior:


 


 O problema é que, com a informação enviesada fornecida por vendedores, as pessoas passam a acreditar que desta vez será diferente e que os preços continuarão subindo. Mas é preciso pensar: os preços podem continuar subindo se a renda que os sustentam não sobe na mesma proporção? Podemos ter preços de imóveis superiores aos de países desenvolvidos com renda muitas vezes maior? A resposta é sempre não. Nem os custos de produção dos imóveis justificam esses aumentos. É preciso fugir da unanimidade que, como dizia Nelson Rodrigues, é sempre burra. Bolhas surgem porque as pessoas acreditam que dessa vez os preços estão descolados dos seus fundamentos. Isso só acontece momentaneamente. Um último ponto: é provável que a queda de preços seja suave, até porque, ao contrário de outras bolhas imobiliárias, (Japão, Dubai, Irlanda, Inglaterra e EUA), não há um gatilho a ser disparado, como uma crise bancária, que faça a bolha estourar. O pior negócio a ser feito é comprar imóveis neste momento de preços elevadíssimos. Pense nisso.


 


A raiz do debate


 


O leitor provavelmente quer saber alguns detalhes sobre esse confronto. Afinal, onde William e Claudio se enfrentaram? Como CapitalSocial conseguiu transpor integralmente suas declarações? Apenas intercalei os dois artigos que eles publicaram na edição do último sábado da Folha de S. Paulo, à página 3, no espaço editorial “Tendências/Debates”. Reproduzir o material é uma maneira de contribuir para o enraizamento de informações importantes sobre o mercado imobiliário.


 


Se há dúvidas quanto à bolha imobiliária quando se trata de Brasil ou se há sinalização clara de que em São Paulo já há indícios de complicações, aqui na Província do Grande ABC não existe quem coloque em dúvida o processo. A cobra já começou a fumar: os preços de imóveis começam a desabar na prática dos negócios e já, já, o presidente da Associação dos Construtores, Milton Bigucci, deverá aparecer em cena para mais uma comédia pastelão, anunciando maravilhas sobre o setor. É assim que funcionam as relações entre a mídia e os operadores do mercado imobiliário -- como bem acentuou o especialista que carrega a marca da FGV.


 


Observador atento do site da Associação dos Construtores, notei no final da tarde de ontem, segunda-feira, que os dois textos publicados na Folha de S.Paulo não foram transplantados àquelas páginas digitais. É provável que se houver postagem, seja apenas as do artigo triunfalista do presidente do Secovi-SP, entidade à qual a Acigabc de Milton Bigucci está atrelada. O site da Associação dos Construtores é a versão digital do comportamento institucional de Milton Bigucci, ou seja, conteúdos que coloquem contrapontos à euforia planejadamente mercantista não têm vez.


Leia mais matérias desta seção: Economia

Total de 1894 matérias | Página 1

21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?
12/11/2024 SETE CIDADES E SETE SOLUÇÕES
07/11/2024 Marcelo Lima e Trump estão muito distantes
01/11/2024 Eletrificação vai mesmo eletrocutar o Grande ABC
17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima
12/09/2024 Vejam só: sindicalistas agora são conselheiros
09/09/2024 Grande ABC vai mal no Ranking Industrial
08/08/2024 Festejemos mais veículos vendidos?
30/07/2024 Dib surfa, Marinho pena e Morando inicia reação
18/07/2024 Mais uma voz contra desindustrialização
01/07/2024 Região perde R$ 1,44 bi de ICMS pós-Plano Real
21/06/2024 PIB de Consumo desaba nas últimas três décadas
01/05/2024 Primeiro de Maio para ser esquecido
23/04/2024 Competitividade da região vai muito além da região
16/04/2024 Entre o céu planejado e o inferno improvisado
15/04/2024 Desindustrialização e mercado imobiliário
26/03/2024 Região não é a China que possa interessar à China
21/03/2024 São Bernardo perde mais que Santo André
19/03/2024 Ainda bem que o Brasil não foi criado em 2000