Economia

Um breve e incompleto manual para
quem não quer perder com imóvel

DANIEL LIMA - 20/04/2012

Não sou especialista em mercado imobiliário mas levo uma betoneira de vantagens sobre mercadores imobiliários: não tenho compromisso com o lobby do setor, que não se esgota nos agentes econômicos da cadeia de produção porque se espalha convenientemente pela mídia, comprometida com caminhões de publicidade. Por isso, traço alguns pontos sobre os quais os interessados em investir ou em adquirir imóvel para uso da família precisam ser alertados.
 
Com base em fontes mais que confiáveis, desenho um mercado imobiliário regional contraditório, dividido em nichos de excelência cercados por empreendimentos micados ou em fase de desapontamentos. Em síntese, o mar de negócios não está para peixe, é ensaboadíssimo e pode provocar muitos estragos. O melhor mesmo é ouvir várias fontes do ramo. Gente do próprio mercado imobiliário, principalmente corretores, porque nossas universidades e faculdades não formam mão de obra qualificada para decifrar o setor.
 
Não é loucura ouvir ávidos corretores para cercar-se de certo grau de protecionismo contra delírios deles mesmos. Na ânsia de vender, corretores acabam por entregar a rapadura. Eles sabem exatamente aonde é melhor não botar os ovos porque os ovos são de má qualidade, estão fora do lugar ou estão caros demais. O risco que se corre para quem pesquisar, e é indispensável pesquisar, é desistir de fazer negócio, porque a língua de trapo dos corretores é dilacerante. A vantagem dos excessos de argumentação deles, porque todos são bons de conversa, é que aumentam e também  inventam. E nesse caso é melhor dar embalo aos exageros porque eles mesmo colocam em dúvida determinados empreendimentos que não constam da respectiva carteira de negócios. São delatores involuntários.
 
Relacionamentos pessoais
 
Mal comparando, e acredito que vou me dar mal com as feministas, seria algo como pesquisar a vida pregressa da mulher que se pretende noivar antes de meter aliança dedo adentro, ou pelo menos antes de trocar a aliança de dedo. A inversão também é válida, e aí me dou bem com as mulheres: que tal dar uma espiadinha básica naquele cara que se escolheu para marido? Quem escolhe mal a mulher ou o homem para casar e ainda por cima cai no conto dos mercadores imobiliários não tem direito a reclamação.
 
Há empreendedores sérios no mercado imobiliário da Província do Grande ABC, é bom que se diga. Gente com responsabilidade, que joga limpo, que alerta sobre as irregularidades na atividade, sobre as barbadas e as barbaridades. Mas é importante conhecê-los bem, domar-lhes a confiança e dialogar com certa intimidade. Estabelecer um noivado negocial. Procurem também os construtores mais antigos, gente que amassou e continua amassando muito barro. Eles têm responsabilidade social. Sabem que negócios mentirosos maculam o mercado e que o mercado em que eles atuam são os mercados de seus filhos e netos.
 
Não dirijam os olhos, ouvidos e os bolsos aos agentes do setor que aparecem constantemente nos jornais e nas entrevistas aos demais veículos de comunicação. É fácil responder por que: eles fazem jogo de cena, são cenaristas por excelência. Negam o inegável, vendem a mãe e não entregam. Geralmente estão mancomunados com os donos da mídia. Agem como torcidas organizadas porque os jornais, na maioria dos casos, tratam a atividade com o mesmo viés festivo do futebol.
 
Descartando vícios
 
Para ser reto e direto, joguem no lixo da desconfiança total as afirmações do presidente da Associação dos Construtores, Milton Bigucci. Ele não tem representatividade de classe, é mal visto pela classe, está em litígio com a classe mas adora enfeitar o pavão. Os números estatísticos do mercado imobiliário da região são a construção de uma imensa alegoria diversionista. Não são para valer. Toda a seriedade de empreendedor de Milton Bigucci à frente da MBigucci, porque ele é um comandante vitorioso apesar dos pecadilhos e pecadões sobre os quais já escrevemos, não se estende à Associação dos Construtores. Quem acredita num dirigente que, sem embasamento metodológico, sem transparência, afirma que o mercado imobiliário da região cresceu 21% no ano passado, enquanto a pobrezinha da Capital, veja só, caiu 17%?
 
Há ilhas de excelência de bons negócios em potencial na Província do Grande ABC que somente quem é do ramo e tem compromisso ético pode indicar. Geralmente essas áreas se localizam em pontos nobres, disputadíssimos, com imóveis residenciais verticais de qualidade e preço justo. Há também nessas ilhas quem jogue os preços nas alturas. Se corretores de empresas concorrentes forem ouvidos com atenção, eles mesmo destrincham os nós. Concorrência faz bem imenso. Ouça uma segunda, uma terceira e se preciso uma quarta opinião. Todas se encaixarão num processo de decifre-me ou será enganado.
 
Quando afirmo que há ilhas de excelência nestes tempos de especulação mantida a crédito ainda farto mas de demanda cada vez mais retraída, refiro-me a  pequena porção no território regional. Em contraposição, há micos por todos os cantos. Principalmente de grandes empreendimentos da Capital, completamente despreparados para entender o perfil socioeconômico e geográfico mais apropriado aos lançamentos. Há torres de apartamentos de classe média alta em bairros de classe média baixa. O contrário também é verdadeiro. Esses grandes investimentos vieram para a Província escoltados por dados estatísticos frios, calculistas, sem entranhamento social, sem arranjos sociológicos.
 
Há apartamentos e mesmo salas comerciais que ganharam alturas de preços por metro quadrado na base de maciças campanhas publicitárias e que hoje estão na corda bamba. Já derrubaram os preços, os corretores já ligam para residências e estabelecimentos econômicos em busca de potenciais compradores e a roda não gira como se pretendia. Há estoques incômodos. Aqueles prédios no entorno do Paço de São Bernardo, aquelas torres inadvertidamente em fase final de construção que vão emperrar ainda mais o trânsito, vão de mal a pior. Só para citar um caso crônico.
 
Quem não se informar detalhadamente sobre o mercado imobiliário da região vai se meter em encrenca. Há investidores de cabelo em pé porque sabem que já dançaram nos gráficos de rentabilidade. Compraram na alta artificializada e não conseguem se desfazer quando o mercado ainda não atingiu a baixa que mais dia menos dia virá. Por que virá? Porque na medida em que há encalhes e se torna necessário desovar os estoques para fazer dinheiro, para fazer a roda da economia girar, os investidores vão contaminar o mercado mais sadio. Por mais que o Brasil esteja longe de qualquer projeção do crash imobiliário que causou estrondos na Europa e Estados Unidos, por uma série de razões já esmiuçadas por especialistas e, principalmente, por empresários do setor, sempre ávidos em contemporizar, um ajuste de contas será inevitável.
 
A Província do Grande ABC concentra grau explosivo sem que isso seja interpretado como rombos de largas dimensões. Os megaempreendimentos da Capital tão próxima desprezaram a realidade que eles mesmos ajudaram a esculpir: somos Gata Borralheira no universo imobiliário que tem na Cinderela Capital o grande chamariz. Vieram para a Província com preços do metro quadrado semelhantes aos da Capital. O apetite financeiro subjugou a realidade econômica.
 
Repetiram um quarto de século depois a mesma extravagância do então Shopping Mappin ABC, que ancorou em Santo André com um mix de produtos do Mappin Itaim e, 30 dias depois, trocou praticamente todas as mercadorias por falta de clientela. Esqueceram que a massa econômica da Província foi tangida pelo setor industrial. Não reunimos uma parte expressiva da elite paulistana que supre o mercado de classe média alta com esbanjamento em nichos muito bem distribuídos em meio a desigualdades sociais.
 
O mercado imobiliário que tem fôlego na Província do Grande ABC é para a classe média baixa. Apartamentos de até 60 metros quadrados cujo valor máximo não passe de R$ 4,5 mil o metro quadrado não vendem como pão quente como alguns pretendem fazer crer, mas também não encalham indefinidamente. Fora isso, há muita sobra por aí. Mas cuidado, porque os profissionais do ramo de vendas pintam quadros de competitividade alucinante. Por isso, ouçam mais de dois, ou mesmo de três de empresas concorrentes. Será fácil matar a charada da realidade. Pode apostar.


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