Economia

Mercado imobiliário ou veículo,
quem é o vilão metropolitano?

DANIEL LIMA - 02/05/2012

Os dois, eis a resposta. Uma realidade da qual os mais empedernidos e insensíveis representantes do setor imobiliário fogem como o diabo da cruz. Já a indústria automobilística, do alto de interesses corporativos, não está nem aí com o andar da carruagem. Ou com o andar de cágado, para ser mais preciso, porque o trânsito está cada vez mais insano. Entre um setor e outro está a sociedade amorfa, tanto na Província do Grande ABC quanto na vizinha Capital e nos demais municípios da Grande São Paulo. É claro que não se pode esquecer o Poder Público, que assiste a tudo de camarote ou atua sem o senso emergencial exigido. Como resistir ao lobby imobiliário?
 
Perguntem a Milton Bigucci, proprietário-presidente da ficcional Associação dos Construtores do Grande ABC, o que acha do caos metropolitano, mais precisamente do caos da mobilidade urbana na Província do Grande ABC. Ele vai dizer em nome de representados que não se sentem representados porque não concordam com suas peraltices negociais e institucionais, o que já escreveu (escreveu?) em inúmeros artigos que os jornais (que anunciam os produtos de sua empresa) publicam com generosidade: o vilão de sempre é exclusivamente o setor automotivo.



Coitadinhos dos grandes empreendedores imobiliários. Eles são todos santos, santíssimos. Por isso o Semasa é um monastério.
 
Vou traçar um paralelo entre uma notícia publicada ainda outro dia pelo Estadão e uma notícia que jamais foi publicada em qualquer veículo de comunicação da Província do Grande ABC.
 
Reportagem do Estadão
 
Em 23 de abril último o Estadão noticiou em manchete de página interna, do Caderno Metrópole: "Novos prédios vão levar 50 mil carros para a Marginal". Repasso alguns dos trechos mais importantes da matéria:
 
 Nos próximos anos, São Paulo terá 12 novos empreendimentos na Marginal do Pinheiros que vão criar quase 50 mil vagas de estacionamento ao longo de uma das principais vias da capital. A maior parte desses megacomplexos -- que abrigarão torres comerciais e residenciais, hotéis e shoppings -- concentra-se nas regiões de Santo Amaro, Chácara Santo Antônio, Morumbi, Vila Olímpia e Itaim-Bibi, na zona sul. Esses projetos constam de uma lista de 200 empreendimentos de grande porte -- levando em consideração o metro quadrado construído e o número de vagas criadas -- tidos como polos geradores de tráfego. A relação foi elaborada pela Secretaria Municipal de Habitação e enviada ao Ministério Público Estadual. Como base nessa listagem, o MPE quer saber quais são as contrapartidas exigidas pela Prefeitura para aprovar os projetos e que tipo de obras viárias serão cobradas da iniciativa privada para que o trânsito no entorno dos empreendimentos não vire um caos. "Nossa prioridade neste ano é investigar como a mobilidade urbana vem sendo tratada pelo Poder Público -- afirma o promotor José Carlos de Freitas, da Habitação e Urbanismo. "Os reflexos não são sentidos apenas no trânsito -- também afetam outras áreas, como a permeabilidade do solo da cidade".
 
Acompanho atentamente o movimento das pedras metropolitanas em todas as áreas. Foi a primeira vez que um veículo de comunicação se ateve ao detalhamento do impacto de lançamentos imobiliários numa determinada área geográfica de São Paulo.
 
Segredos indevassáveis
 
Na Província do Grande ABC, que vive uma onda de negócios imobiliários em espaços críticos porque sobrecarregados de veículos, o principal dos quais nas imediações do Paço Municipal de São Bernardo, não há informações disponíveis. Primeiro porque o Poder Público dos municípios de maior atratividade imobiliária (Santo André, São Bernardo e São Caetano) não tem por habito liberar esse tipo de informação. Falta transparência.

Segundo porque os veículos de comunicação não estão nem aí com o assunto, sequestrados pela publicidade do mercado imobiliário sedutor. Terceiro porque a divisão territorial da Província estimula a dispersão e dificulta a pauta jornalística. Quem armou em meados do século passado as ondas emancipacionistas não sabe o mal que perpetraram.
 
O que sei sobre a região do Paço Municipal de São Bernardo, dito pelo secretário de Planejamento Urbano e Ação Regional, Alfredo Buso, é que quando todas as torres residenciais e de escritórios comerciais estiverem ocupadas, o impacto em horários de pico será de um adicional de 50 mil pessoas e 20 mil veículos. Uma barbaridade, porque o que se vive hoje naquele espaço é uma crescente dificuldade para cumprir compromissos porque os engarrafamentos tornaram-se lotéricos. No futuro próximo, a compensação é que deveremos reprogramar o tempo de deslocamento, porque os congestionamentos farão parte da planilha de desperdício. Deixarão, portanto, de ser lotéricos para tornarem-se rotineiros.
 
A defesa do mercado imobiliário esgrimida por Milton Bigucci, seguida de ataque às montadoras de veículos, simboliza mais que corporativismo inquestionável. Trata-se principalmente, a análise do dirigente,  de agressão à comunidade como um todo.
 
Nadando de braçadas
 
O mercado imobiliário, principalmente o mercado imobiliário dominado pelos grandes empreendimentos, não responde a qualquer contrapartida séria quanto ao caráter invasivo e depreciativo dos corredores de tráfego mais densos da região.


 


A grande maioria quer mesmo é alcançar alta lucratividade sem se incomodar com ônus permanentes repassados à sociedade em forma de desgastes cotidianos e de avanço da carga tributária para o enfrentamento minimizatório e compensatório de investimentos em transporte público. Foi assim na Capital vizinha, está sendo assim na Província.
 
Basta ouvir especialistas (sou apenas um esforçado jornalista nesta área, beneficiado pela prática diária de motorização convencional, algo que parece não atingir os grandes empreendedores, que preferem helicópteros) para se reconhecer o grau de preocupação com a acelerada verticalização metropolitana.
 
O mesmo Estadão que foi à luta e mostrou o que se espera ao final de tantos investimentos nas proximidades da Marginal do Pinheiros, ouviu quem entende do ramo. E quem entende do ramo, que fique claro, não são os grandes negociantes de espaços imobiliários, como Milton Bigucci e a tropa do Secovi. Leiam alguns trechos do Estadão de 23 de abril:
 
 O engenheiro Roberto Scaringella, ex-diretor da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), diz que as políticas de uso do solo e de mobilidade precisam ser harmonizadas. "Devem ser duas legislações harmônicas, e não divorciadas", diz. De forma semelhante pensa a arquiteta e urbanista Lucila Lacreta, da ONG Defenda São Paulo. "A Prefeitura tem aprovado grandes empreendimentos sem levar em consideração os impactos cumulativos que vão causar nas regiões em que estão sendo instalados", afirma. Segundo ela, a Secretaria de Habitação aprova alguns projetos e a CET, outros -- mas sem estarem conectados. "Dessa forma, não se sabe a correta dimensão dos impactos para a cidade. E o pior: ao longo desses novos empreendimentos, não há pressão de instalação de transporte público, como o metrô, para desafogar o trânsito. Lá na frente, isso vai dar errado", alerta. Já o professor João Sette Whitaker, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e do Mackenzie, acredita que os interesses imobiliários estão prevalecendo: "As grandes empresas fazem o que bem entendem", diz. "É só ver exemplos recentes: a Ponte Octavio Frias de Oliveira, da Marginal do Pinheiros, não foi feita para ônibus e as vidas da Marginal do Tietê foram alargadas sem que mais quilômetros de metrô fossem abertos. Estão matando a cidade", avalia Whitaker.
 
Semasa, prova cristalina
 
Não vou estender a reprodução da reportagem do Estadão porque seria chover no molhado. A transposição daquele texto para a realidade da Província do Grande ABC é automática. Mudam-se apenas os nomes que identificam nossos espaços geográficos. O que temos é um acintoso desrespeito à cidadania, submetida a um jogo de mercado sórdido, irresponsável.


 


O Escândalo do Semasa, que estão tentando abafar porque atinge em cheio o coração da Administração Aidan Ravin é um exemplo clássico dos desvios entre mercadores imobiliários representados por gente que não sai dos corredores dos Paços Municipais, e chefetes públicos com ramificações atavicamente estruturadas em organismos deliberativos.


 


Num país que levasse a qualidade de vida urbana a sério, mercadores imobiliários inescrupulosos estariam trancafiados porque não fazem outra coisa senão ganhar dinheiro à custa do infortúnio de terceiros, bovinamente usuários de veículos que alguns tentam demonizar sem olhar para o próprio rabo da ganância.


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