Economia

Setor imobiliário sofre com refluxo
e faz de tudo para reduzir estoques

DANIEL LIMA - 24/05/2012

O lobby do mercado imobiliário, industrializador de espumas da Província do Grande ABC (e no País como um todo, porque é um modus operandi generalizado) está escondendo uma realidade latente: há mesmo uma crise já indisfarçável no setor, principalmente na venda de apartamentos novos de mais de 90 metros quadrados de área útil. Não que os imóveis de menor porte devam ser excluídos do descompasso entre oferta e demanda. Esse é um nicho menos agressivamente atingido pela retração econômica, mas, como tem excesso de produtos, não escapa à vagarosidade do fluxo de vendas.
 
O que se vê de arranjos explícitos de marketing sofisticado e também rudimentar para conquistar a clientela, com rebaixamento de preços e elasticidade de prazos de pagamento, retrata bem a situação. Os corretores nos acalçam em casa, nas ruas, na fila do cinema, nos estádios de futebol, nos faróis. Eles estão em todos os lugares. Nas páginas de jornais os anúncios de lançamentos rareiam em proporção contrastante com as ofertas de queima de estoques mal-calibrados.
 
Entretanto, como o mercado imobiliário é uma atividade movida por interesses múltiplos, com torcidas organizadas poderosíssimas, a começar pelo conluio entre boa parte da mídia e os produtores, é bem possível que as próximas estatísticas apontem novos golpes contra o dia a dia prático que está deixando os incorporadores inquietos. Quem acredita nos números de negócios divulgados por representação do setor imobiliário é inocente por natureza ou crédulo por safadeza.
 
Particularmente na Província do Grande ABC a situação econômica faz tempo está distante da tranquilidade que se esvai no restante do País e que aponta crescimento pífio do PIB (Produto Interno Bruto) nesta temporada. Sofremos mais duramente os efeitos de crises internacional e nacional. Dependemos demais da indústria automotiva, nossa Doença Holandesa. As medidas governamentais para estimular a venda de veículos, anunciadas nesta semana, são apenas um refresco temporário. Não vão resolver nossos problemas estruturais que carecem de investimentos produtivos.
 
A queda do emprego industrial é um termômetro a ser levado muito a sério. Desapareceram 6.748 postos de trabalho no setor nos últimos seis meses na região. Um desastre para um território que acusa permanentes perdas quando o critério de produção industrial é confrontado com outros endereços municipais mais competitivos, como estamos cansados de publicar com base nos números reais do balanço intermitente do G-20, o Clube dos 20 Maiores Municípios do Estado de São Paulo.
 
Manipulando empregos
 
Sem tônus industrial mais diversificado e fortalecido, a economia da Província do Grande ABC naufraga. Nosso terciário é de baixo valor agregado. Não temos a riqueza e a abrangência de atividades concentradas na Capital tão próxima. Mas não perdemos oportunidade para manipular. A Prefeitura de Santo André, na ânsia de camuflar o desastre da carência de planejamento e ações para dinamizar a economia local, infestou as ruas com placas comemorativas da liderança em geração de emprego na Província. Uma meia-verdade calculada porque omite a maciça predominância de postos de trabalho do setor de serviços. Um setor de serviços fortemente dominado por postos de call-center, de salários baixíssimos. Estamos falando irritantemente, como são todos os call-center, com o mundo do consumo, mas perdemos o faro para gerar riqueza.
 
A retração do mercado imobiliário na região se comprovará mais alarmante que na maioria das demais áreas metropolitanas porque não temos flexibilidade à mobilização de recursos ante a contração da venda de veículos. Representamos 20% da produção nacional do setor. Respiramos automóveis. Mais que respirar automóveis, nos acomodamos com a industrialização seletiva gestada em meados do século passado. Passamos por uma mal-ajambrada reforma na última década do século passado.

Perdemos 100 mil empregos industriais nos anos 1990. Vimos a destruição da base de empresas familiares do setor. O declínio da classe média tradicional está refletido nos indicadores do G-20. Como pensar e agir em busca de soluções para a economia da Província do Grande ABC exigem discernimento, determinação, competência e uma regionalidade madura, acima de vaidades pessoais, administrativas e partidárias, continuaremos encalacrados. Mais que isso: seguiremos como cenário preferencial de gente abusada a desfilar informações incompatíveis com a realidade. Seguiremos a conviver com a artificialização do sucesso.
 
Créditos diferentes
 
Uma das bobagens mais propagadas pelo mercado imobiliário, num discurso uníssono porque integrante da cartilha de ilusionismos das lideranças do setor, é que não há maiores riscos de uma crise no setor, mesmo que essa crise não seja uma bolha imobiliária como em vários países da Europa e também nos Estados Unidos. Argumentam que o crédito imobiliário está muito aquém dos níveis médios internacionais. Em resumo, enquanto os brasileiros comprometem não mais que 5% da renda com crédito imobiliário, outros povos contabilizam números muito maiores. Aparentemente, uma situação confortável.
 
Só aparentemente. Primeiro porque critérios e conceitos sobre crédito imobiliário não estão padronizados e não permitem comparações lineares. Segundo porque o endividamento do consumidor brasileiro não se limita a financiamentos imobiliários. Especialista em finanças, economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio e ex-diretor do Banco Central, Carlos Thadeu de Freitas fez um alerta ontem nas páginas do Estadão. Vejam o que ele disse sobre o atual quadro nacional:
 
 O consumidor que planeja comprar um imóvel pode mudar de ideia e comprar um carro diante dos descontos atraentes (...). Quase 23% da receita disponível está comprometida com pagamento de dívidas. Além disso, o País vive hoje um período de fraco crescimento, no qual a renda da população não deve ser ampliada no ritmo registrado desde 2010.
 
Há uma infinidade de indicadores a denunciar a instabilidade econômica. Os valores de calotes no financiamento de veículos somaram R$ 177 bilhões em março deste ano. Na fatia de financiamentos com prestações atrasadas acima de 90 dias, a inadimplência chega a 5,67%. Não foi por outra razão senão para reverter o aumento do calote de veículos e ajudar a desovar os estoques de carros zero-quilômetro estacionados nos pátios das montadoras que o governo federal baixou medidas para impulsionar o setor.

Tudo isso e muito mais fazem parte do mesmo enredo, mas o setor imobiliário pouco transparente ou, mais que isso, especialista em embromações numéricas, segue a se comportar com a arrogância de sempre. Quem duvidar que numa próxima rodada de ilusionismos  as chamadas lideranças do setor deixarão de lançar estatísticas que contrariariam o andar da carruagem da maioria dos setores de produção desconhece a capacidade de manipulação dos queridinhos da Imprensa.
 
Já estamos pagando caro por isso. Menos mal que o consumidor de produtos e serviços já começou a entender a mecânica econômica. É o que trás ao público a Nielsen, consultoria especializada em tomar o pulso dos consumidores. Numa pesquisa em que entrevistou 28 mil pessoas em 56 países, a Nielsen detectou que os brasileiros vão passar a tesoura nos gastos. Esse "vão passar" deve ser considerado passado, porque a pesquisa é de fevereiro e já estamos no final de maio. Segundo a informação que consta do jornal Valor Econômico de hoje, a pesquisa mostra que o consumidor virou a chave. A explicação é de Claudio Czarnobai, analista de mercado da Nielsen. Vejam o que ele disse:



 O brasileiro tem uma preocupação altíssima com o ter o nome sujo. Quando começa a perceber que os gastos não se encaixam no fluxo de caixa, vira o circuito do consumo para quitar as dívidas. 


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