Carente de infraestrutura material e humana para dar sustentação e credibilidade a pesquisas que retratem o andar da carruagem do mercado imobiliário na Província do Grande ABC, Milton Bigucci, presidente da quase ficcional Associação dos Construtores, recorre a malabarismos, invencionices e mandraquismos para artificializar estatísticas. Como vamos provar neste texto. Restará a ele dois caminhos. O primeiro, mais uma vez, recorrer à Justiça, com o espírito ditatorial que o caracteriza, para impedir que este jornalista exerça a profissão que abraçou e honra há mais de quatro décadas. A segunda é aceitar o desafio a um debate em qualquer espaço público, inclusive na sede da entidade que dirige, e provar documentalmente que minhas informações são delírios. Ainda existe uma terceira saída, a mais provável: o silêncio envergonhado de quem foi pego em flagrante delito de cidadania.
Disse Milton Bigucci neste mês prestes a terminar, e os jornais reproduziram suas declarações sem se darem o trabalho de checá-los, que a Província do Grande ABC viveu intensa movimentação de vendas de imóveis novos no primeiro trimestre, em contraste com o mesmo trimestre do ano passado. O crescimento, vejam só, atingiu 26% em números de unidades. Mesmo se fosse verdade, não uma arrematada bobagem, o simples enunciado de venda de unidades, sem especificações detalhadas de metragem e de valores monetários, já deveria colocar a divulgação sob condicionalidades. Mas como se trata de besteira juramentada, a desclassificação veio de forma inapelável. Querem ver?
Não bastassem todos os indicadores econômicos, ou quase todos, que colocam o Brasil em situação delicada (daí a intervenção do governo Dilma Rousseff na tentativa de reanimar o mercado interno, que anda de lado e compromete o pretendido avanço do PIB em 4%, contra menos de 3% que já está no radar dos especialistas) o próprio mercado imobiliário nacional, em média muito melhor que o da Província, revela o quadro.
Apenas 1% de crescimento
Sabem os leitores quanto cresceu o mercado imobiliário nacional no primeiro trimestre deste ano (o mesmo primeiro trimestre onírico de Milton Bigucci) em relação ao primeiro trimestre do ano passado (o mesmo comparado por Milton Bigucci)? Exatamente 1%. Repito: exatamente 1%. Uma marca que se distancia quilometricamente dos 26% apontados por Milton Bigucci na Província do Grande ABC.
Somente se houvesse um fenômeno de efervescência econômica na Província seria possível acreditar em algo tão descomunalmente contrastante. Infelizmente, vivemos situação antagônica. O mercado automotivo patinou e patinou durante os quatro primeiros meses deste ano e exigiu intervenção do governo federal. Mesmo assim está longe do esperado. No mercado de veículos pesados a Mercedes-Benz, maior empregadora industrial da região, colocou 1,5 mil trabalhadores
Com tudo isso e muito mais, Milton Bigucci aparece na praça para propagandear crescimento de 26% em unidades vendidas quando se compara o primeiro trimestre deste ano com igual período do ano passado. Uma afronta aos números nacionais que estão na edição de ontem do jornal Valor Econômico, numa matéria que recorre a dados da Abecip (Associação Brasileira das Empresas de Crédito Imobiliário e Poupança).
O balanço da Abecip envolve a soma de financiamentos do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) que atingiram R$ 17,6 bilhões no primeiro trimestre deste ano, e do FGTS (Fundo de Garantia de Tempo de Serviço) que atingiram R$ 8,5 bilhões. Os R$ 26,1 bilhões significam crescimento nominal, sem efeito inflacionário, de 10% sobre o primeiro trimestre do ano passado. Quando se aplica a inflação do período, cai para menos de 5%. Em unidades financiadas, ainda segundo a matéria do Valor Econômico, a alta no primeiro trimestre deste ano, sempre em relação ao mesmo período do ano passado, foi quase que um empate técnico: 234 mil ante 231 em 2011.
A covardia das instituições da Província do Grande ABC ante a farra do boi do mercado imobiliário só não causa indignação porque nada altera o ritmo cardíaco dos responsáveis pelas unidades da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), tampouco das representações empresariais, sindicais e sociais. E muito menos da classe (classe?) de intelectuais e acadêmicos. Vive-se na profundeza da inação coletiva. Uma sociedade sadia, fertilizada de ideias e de propósitos, já teria colocado Milton Bigucci para fora da Associação dos Construtores no mínimo por conta de propaganda enganosa. Aliás, por falar nisso, bem caberia uma intervenção do Procon ou do Ministério Público para acabar com esse jogo de números fantasiosos que atinge diretamente o bolso dos moradores da região.
À mesa com Marinho
O conluio descarado entre o presidente da Associação dos Construtores e representantes da mídia regional, quando não com outras entidades e mesmo com o Poder Público (ele estava à mesa ao lado do prefeito Luiz Marinho, no começo desta semana, num evento político-empresarial da Associação Comercial de São Bernardo) afrontaria uma sociedade se essa mesma sociedade não fosse tão ingênua e acomodada ao acreditar que o regime democrático implica em responsabilidade compulsória.
Mal sabem os crédulos que democracia é um abismo só superado por um fio de ultrapassagem que se estende entre dois pontos extremos, o qual, se frouxo, torna-se tão inseguro quanto potencialmente desastroso.
As algazarras numéricas e também semânticas controladas por Milton Bigucci são uma pauta permanente à crítica deste jornalista porque interferem diretamente no presente e no futuro de incautos que recorrem a financiamentos habitacionais de longevidade muitas vezes superior à própria existência física. A especulação imobiliária concentrada numa entidade sem representatividade de classe e também sem apetrechamento técnico-operacional é a extrema-unção institucional da Província do Grande ABC. Está na hora de reagir.
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