A preocupação com a doença holandesa da Província do Grande ABC finalmente chegou ao comando do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Doença holandesa é expressão que há alguns anos reboquei da literatura econômica para retratar o perigo em que nos metemos com essa regionalidade fajuta. Doença holandesa significa que dependemos demais e exageradamente do setor automotivo. Simetricamente, em conceito, como os países que vivem à custa da exploração de petróleo e gás.
Quem está inquieto com a doença holandesa regional, cujo centro de debilidade concentra-se
Acompanhar o que disse Sérgio Nobre em entrevista é uma oportunidade e tanto para confirmar integralmente os textos deste jornalista, que há mais de duas décadas vem batendo na mesma tecla, quando se trata de vulnerabilidade econômica regional: precisamos buscar intensamente novas fontes de riqueza, sem jogar fora com a água da bacia da renovação a criatura bem crescida da indústria automobilística.
Sérgio Nobre está numa entrevista riquíssima de informações e conceitos no blog de José Dirceu. Achei Sérgio Nobre naquele espaço de debates quase que por acaso. Exercito-me diariamente durante algum tempo não mais que providencial em busca de informações qualificadas na Internet. Os jornais diários e as revistas não conseguem preencher integralmente minha curiosidade jornalística. Fuço sempre em busca de novidades. Por isso que, entre outras decisões, dispenso todos os convites para participar de redes sociais. De vez em quando encontro na Internet algumas pérolas jamais vistas na mídia tradicional.
Uma entrevista atual
A entrevista foi realizada no começo de abril mas continua atual. Atualíssima. Perguntado sobre os riscos de desindustrialização e como os sindicatos avaliam as medidas do governo, Sérgio Nobre disse exatamente o seguinte:
Nós tivemos uma reunião com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O governo vem tomando medidas no sentido de proteger a indústria. Essas medidas ainda não mexem no ponto central. O que está em jogo é uma divisão entre os países que serão produtores de bens industriais e os que serão importadores. Mas a indústria tem duas fases, a da produção e a da engenharia. A da produção não é criativa. Repete o que Charles Chaplin retratou tão bem: o movimento repetitivo, que paga pouco. O que interessa na indústria -- e é isso que está sendo disputado -- é a fase da engenharia da criação, do desenvolvimento dos produtos. As empresas que têm produção no Brasil estão transferindo a engenharia para as suas matrizes. Querem concentrar essa capacidade em seus países de origem. E o que está espalhado pelo mundo é só a montagem de produtos. (...) Por que os alemães têm custo elevado de mão-de-obra e não enfrentam o problema de perda de competitividade? Porque se dedicam a um outro tipo de trabalho, que tem alto valor agregado. Eles são engenheiros, técnicos especializados, criam e desenvolvem os produtos. Esse é o caminho que o Brasil tem de percorrer. Na China, quando alguém quer produzir por lá, tem de firmar esse compromisso com o governo chinês, de parceria com o país, de transferência de tecnologia, sob o controle do governo. E exige-se que a engenharia e o desenvolvimento sejam locais. No Brasil, não. Todo novo investimento que chega não tem esse compromisso. A engenharia local é destinada só à montagem dos produtos.
Mais declarações
Quem ainda respira triunfalismo e poderia esgrimir que o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo não estaria se referindo à região ou mais especificamente sobre a Capital Econômica da Província, deve prestar atenção nas frases que se seguem, da mesma entrevista:
O futuro da Região do ABC enquanto área industrial passa por ter uma indústria que trabalhe com maior valor agregado. Ou seja, com aquilo que eu já mencionei: engenharia, ferramentaria, gestão. Para isso é preciso uma mão-de-obra preparada. Não basta só contar com montador. Estamos falando de um outro tipo de mão-de-obra. Como fazem os alemães, precisamos investir pesadamente na qualificação.
Também está na entrevista de Sérgio Nobre mais um insumo que evidencia a imprevidência regional. Enquanto os afoitos de sempre ainda bravateiam a chegada da Universidade Federal do Grande ABC, barriga de aluguel sem qualquer inserção na economia regional, o sindicalista coloca o dedo numa das feridas locais. Leiam Sérgio Nobre:
Nós estamos reivindicando uma escola técnica federal. Temos, por enquanto, cursos de baixa duração que são de três a seis meses, que fazemos em parceria com o Senai. Entre eles, o de matemática básica. Você não imagina a procura que tem para esse tipo de curso, porque as pessoas saem dos ensinos fundamentais e médio sem saber as operações básicas (...). São 300 vagas para 1,5 mil alunos inscritos. É que, para fazer o curso técnico, o trabalhador tem de dominar as operações de matemática. Hoje, no ABC, temos esses cursos de baixa duração e, na outra ponta, a Universidade Federal do ABC. O que nós vamos fazer? Criar uma escola de Ensino Médio Técnico que fará a ponte entre as duas. A pessoa entra nos cursos de baixa duração, faz o ensino profissional e técnico de 2° Grau e tem o acesso à Universidade Federal do ABC.
Nossa barriga de aluguel
É claro que Sérgio Nobre está contaminado pelo oba-oba da UFABC, de grade curricular completamente divorciada das vocações explicitas ou eventualmente indutíveis da Província do Grande ABC. Mas isso é menos importante neste texto, porque já esmiucei o assunto em muitos artigos. O principal mesmo é que além de a Província ser vítima da doença holandesa automotiva, que ao longo das décadas contaminou atividades industriais fora do espectro de veículos e as levaram a buscar outros endereços, contamos com um organismo em processo generativo quando o núcleo da questão é a competitividade. Ou poderia ser observada de outra forma a constatação do próprio dirigente sindical de que nos mantemos apenas como montadores de veículos sem o resguardo de uma legislação voltada à internalização dos investimentos no sentido mais amplo do termo?
Vácuo de Marinho
O grande vácuo da Administração Luiz Marinho -- e sobre isso também já escrevemos e voltaremos a escrever -- foi ter deixado em terceiro plano uma empreitada que já está por demais atrasada no cronograma da cesta básica de necessidades da região: a reconfiguração do tecido industrial a partir das rebarbas automotivas. O pré-sal alardeado pela gestão Marinho não tem passado de arroubos retóricos, como se pode depreender da seguinte declaração de Sérgio Nobre:
Recentemente saiu uma matéria sobre a cidade de São Carlos, que está em um momento excelente, com perspectivas de se transformar em um polo tecnológico. Também há um movimento parecido
Sugestão:
Digite "doença holandesa" (sem aspas) e veja o quanto já publicamos sobre o assunto.
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