Economia

Façam suas apostas sobre novos
números do mercado imobiliário

DANIEL LIMA - 13/06/2012

Saíram os números de vendas de apartamentos novos em São Paulo em abril. Agora faltam os números da Província do Grande ABC. O empresário Milton Bigucci, presidente da quase ficcional Associação dos Construtores (que outro dia distribuiu afagos à cúpula da Polícia Militar da região sem contar com o respaldo presencial da categoria de construtores) deve estar preparando o discurso de sempre. A dúvida é quanto às estatísticas que vai apresentar. Chutará novamente às alturas, para azeitar uma engrenagem viciadíssima de interesses corporativos, ou terá responsabilidade social de moderar na encenação?
 
Quando digo que os números esgrimidos por Milton Bigucci são encenação não é força de expressão, tampouco abuso do direito de liberdade de expressão e de liberdade de opinião. Não faço uso dessas prerrogativas constitucionais como pressuposto aos escritos. Os números da Acigabc são acintosamente fantasiosos. A entidade não conta com estrutura técnica, pessoal e administrativa para medir a temperatura do mercado imobiliário regional. Os métodos utilizados são uma combinação de imaginação, amadorismo, oportunismo e certeza de impunidade.
 
Sinais de preocupação
 
Que o mercado imobiliário da Província do Grande ABC está retraído, só os alienígenas duvidam. Deem uma espiadinha em alguns micos espalhados pelo território regional. Vejam como andam as coisas no entorno do Paço Municipal de São Bernardo, onde uma cachoeira de empreendimentos saltou aos céus. Várias torres residenciais já foram liberadas, mas o movimento de novos condôminos é escasso. Olhem quantas varandas e janelas dão sinais de vida. Verifiquem bem. Mirem nos estacionamentos de veículos.
 
Reparem e anotem. Os preços dos imóveis foram absurdamente elevados nos lançamentos, os investidores quebraram a cara e agora procuram desovar aos poucos. Mas faltam compradores. São valores excessivamente elevados para o perfil econômico médio dos moradores da região e, também, dos incautos paulistanos que acreditaram no conto da carochinha. Disseram-lhes que ao morarem aqui e trabalharem em São Paulo eles teriam o melhor dos mundos, sem grandes complicações em termos de mobilidade urbana.
 
Reiterando o que escrevi em outras situações, o índice de apartamentos novos à venda em várias áreas geográficas da região é escandalosamente preocupante. Os preços já estão baixando. Há queima de estoques para fazer caixa. Há uma enxurrada de corretores às nossas portas. Mas não existe mágica em economia. A crise macroeconômica está aí. E a Província do Grande ABC, por conta da dependência exagerada do setor automotivo, é uma das primeiras áreas nacionais a sentir chumbo grosso. O desemprego industrial renitente encaixa golpes de cautela na potencialidade de compra de imóveis.
 
Novos fetiches
 
Outro dia li no Diário do Grande ABC uma declaração de um conhecido empresário do setor imobiliário de São Caetano. Ele alardeava um mundo ao melhor estilo Milton Bigucci. Dizia o texto que há uma euforia regional na área corporativa, ou seja, dos investimentos em salas comerciais, por conta do pré-sal e do Rodoanel Sul. O preço médio do metro quadrado na região para locação de espaços para escritório teria chegado a R$ 90. O jornal deu destaque à entrevista de Aparecido Viana (esse é o nome do empresário). Uma matéria jornalística ou uma propaganda disfarçada de informação? Propaganda enganosa disfarçada de informação. O preço médio do metro quadrado nas torres mais concorridas da Província do Grande ABC não chega à metade do alardeado por Aparecido Viana.
 
É possível que exista uma ou outra ilha de valorização artificializada na região, mas não se deve tomar a informação como realidade abrangente. No próprio entorno do Paço de São Bernardo, onde a disparada de ofertas de apartamentos novos não teve fluxo semelhante de aquisições, há encalhes clamorosos de salas comerciais igualmente lançadas para um público imaginariamente abastado. Caíram no conto do pré-sal e do Rodoanel Sul, os dois novos fetiches de embromações do mercado imobiliário. Mal sabem os imprevidentes que o pré-sal está longe de nossa realidade factual de metalurgia que corre atrás de tecnologia e que o Rodoanel Sul é apenas uma serpentina asfáltica que passa tangencialmente na região, com alguns aditivos empresariais na área de logística nas bordas de São Bernardo, Diadema e Mauá. Nada excepcional, posso garantir.
 
Qual é o discurso?
 
Mas, voltando à origem, o que estaria reservado no discurso de Milton Bigucci sobre o comportamento do mercado imobiliário da Província do Grande ABC em abril? A recomendação é que tenham cuidados. Sejam céticos. Além da inconsistência metodológica e de aplicação do que não ouso chamar de estudos, existe um viés triunfalista seletivo insuportável. Basta recuperar o tempo e verificar que, embora a Província seja Gata Borralheira em relação à Capital tão próxima, e isso vale para quase tudo, inclusive para o mercado imobiliário, os índices de comercialização de apartamentos novos na região quando comparados com São Paulo são sempre maiores por aqui. Obras de Milton Bigucci, é claro.
 
Segundo o Secovi, entidade da qual Milton Bigucci é conselheiro, a venda de imóveis residenciais novos na cidade de São Paulo caiu 13,4% em abril último, em comparação com o mesmo mês de 2011. A retração chegou a 9,7% em relação a março. Mas o mesmo Secovi, cuja metodologia também está longe de consistência estatística, divulgou que mesmo assim houve crescimento de 12,5% neste ano, até abril, em relação ao mesmo período do ano passado. Quais serão os números da região, já que terminamos 2011, segundo a versão de Milton Bigucci, muito, mas muito acima da Capital?
 
Fossem as entidades representativas da região preocupadas com o bolso dos compradores numa atividade de visceral importância social, as manipulações que regem as estatísticas da Associação dos Construtores seriam objeto de severas contrapartidas. A melhor forma de evitar que o lobby imobiliário siga nesse jogo especulativo sem alma seria a colaboração estreita entre organismos de proteção ao consumidor e cartórios de registros especializados, caminho obrigatório à formalização dos negócios, com a vantagem adicional de constituir-se um banco de dados apreciável porque  iria muito além de unidades comercializadas.



Mas a quem de fato interessa essa iniciativa se a atividade é um verdadeiro cassino, movido em associação com uma parcela relativamente maciça da mídia que depende em larga escala de investimentos publicitários do setor para compensar emagrecimento de outras atividades?
 
Não ouso fazer aposta sobre os números que estariam reservados ao mercado imobiliário da região em abril último porque sei que Milton Bigucci é surpreendente na capacidade inventiva. 


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