Não resisto à tentação de contribuir, mais uma vez, e garanto que não será a última, para socorrer a sofrível atuação do empresário Milton Bigucci à frente da Associação dos Construtores do Grande ABC. Antes, convém lembrar que Associação regional é muita pretensão; entretanto, é assim que a entidade é denominada, embora não abarque quase nada de corporações de outros endereços municipais senão de São Bernardo. Mas, deixemos isso para lá, porque até mesmo de São Bernardo a representação é baixíssima e a representatividade quase nada. O que pretendo mesmo é colaborar, e nesse sentido, vou ser direto: que Milton Bigucci contrate um consultor especializado em urbanismo.
Em vez de perder tempo com um pobre calendário de atividades (atividades?) da Associação dos Construtores, Milton Bigucci poderia dar uma baita ajuda à reorganização do tecido urbano da Província do Grande ABC. A entidade que dirige tem poucos associados, mas não precisa recorrer a eles diretamente para arrumar dinheiro e pagar o que merece um consultor de primeira. O legado valerá a pena, por isso mesmo aqueles empresários que abandonaram a entidade por discordar de seu titular não recusariam recursos para dar uma guinada no setor, com influência direta no futuro de construtores, incorporadores e imobiliárias e, principalmente, para a comunidade regional. Está na hora, ou já passou da hora, de Milton Bigucci deixar o marasmo diretivo que o torna a bola da vez dos opositores ainda silenciosos, mas que querem derrubá-lo da quase vitaliciedade à frente da Acigabc.
Mas vamos ao que interessa: o consultor que sugiro é Sérgio Magalhães, entrevistado pela revista semanal Época que está nas bancas. Ex-secretário de Habitação do Rio de Janeiro entre 1993 e 2000, Sérgio Magalhães é professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A vantagem dele ante os acadêmicos é que já colocou a mão na massa, sabe como lidar com os espaços urbanos e não tem preconceitos. A vantagem dele sobre a média dos grandes atores do setor imobiliário é que sabe conciliar lucro e responsabilidade social.
Densidade e verticalização
A primeira lição que Sérgio Magalhães disseminaria na Associação dos Construtores, especialmente a Milton Bigucci, é explicar detalhadamente, profundamente, culturalmente, a diferença entre densidade urbana e verticalização urbana. Pode parecer algo simples demais, quase mobralino, mas Milton Bigucci precisa ouvi-lo para não voltar a escrever artigos, como já escreveu aos magotes, sobre a imperiosidade de construir arranha-céus para dar vazão à demanda por novas residências.
Sim, Milton Bigucci chegou ao cúmulo de proclamar a quadruplicação do potencial de construção do solo urbano. Edifícios de 20 pavimentos são uma merreca perto do que pretende o presidente da Associação dos Construtores. Ele quer torres de até 80 andares. Já imaginaram o tamanho da encrenca urbana se já com os limites estabelecidos e o festival de compra e uso de veículos o trânsito se tornou um inferno?
Milton Bigucci aprenderia com o possível contratado o que os leitores de Época aprenderam ante a seguinte pergunta do jornalista escalado para ouvi-lo:
A alta densidade costuma ser associada à má qualidade de vida, poluição, engarrafamentos e outros problemas urbanos. Por que o senhor a defende como algo bom para a cidade?
Querem ler agora a resposta do arquiteto Sérgio Magalhães? Então, não percam uma vírgula sequer:
Densidade não quer dizer edifício alto, espigão. Quer dizer mais gente num território onde os serviços públicos são viáveis. Paris é uma cidade muita densa, mas não tem prédios altos. No Rio, os quarteirões entre Ipanema e Lagoa, com prédios de cinco andares, têm alta densidade, mas alta qualidade de vida. Precisamos de cidades compactas. Assim você cria espaços de convívio com serviços de mais qualidade. Serviço público custa muito. Com as pessoas espalhadas, é mais difícil atendê-las. Na prática, só se atende quem tem mais poder, as áreas mais ricas. Tome o exemplo da Barra da Tijuca, no Rio, que tem baixíssima densidade.
Respostas previsíveis
Perceberam a diferença entre um empresário competente como Milton Bigucci mas que, à frente de uma entidade de classe empresarial cuja especialidade tem forte relação com a qualidade de vida da sociedade, não pode atuar com vendas nos olhos, e um arquiteto com experiência de atuação pública em cujas veias, alma e coração estão impregnados cuidados essenciais com o que costumamos chamar de gente?
Já li tantos artigos supostamente escritos por Milton Bigucci (sempre estou de olho em todas as anunciadas lideranças da região, uma tarefa obrigatória de jornalista que se preze, até porque sei que os leitores estão de olho em meus textos, e devem estar mesmo para observar e denunciar eventuais incoerências) que sei exatamente o que o dirigente da Associação dos Construtores produziria em resposta indireta (ele não tem a franqueza deste jornalista, que não usa subterfúgios para endereçar-lhes mensagens) a estas observações.
Dirá Milton Bigucci que o custo da construção é um impeditivo, sobretudo porque os terrenos são caros e precisam ser utilizados ao máximo em direção aos céus para minimizar o investimento. A lógica do mercado é a que impera impositivamente na relação com a sociedade, eis o resumo da ópera. Maximizar o lucro é questão de honra. Buscar alternativas com o Poder Público para viabilizar empreendimentos que atendam à chancela social é pura bobagem.
Esperar que Milton Bigucci siga a sugestão deste jornalista tem sentido semelhante a acreditar que ele se mobilizará também para montar com representantes da sociedade uma comissão de ética na Associação dos Construtores para atuar diretamente nos casos denunciados de irregularidades envolvendo o setor imobiliário e organismos públicos, por exemplo. Justamente Milton Bigucci que jamais se pronunciou em nome da entidade e dele próprio, como empresário, para condenar e solicitar providências junto a organizações públicas.
Fechando os olhos
É contra esse tipo de organização classista, que só enxerga o próprio umbigo, mas vem a público com demagogia, proclamando-se inquieta com os rumos dos acontecimentos em várias áreas, menos na qual está envolvida, que tenho insistido. Para tentar safar-se dessa zona de desconforto que a liberdade de expressão assegura, Milton Bigucci tem recorrido à Justiça para calar este jornalista. A Justiça tem se comportado de maneira exemplar sem que meu advogado reafirme a constitucionalidade intocável da liberdade de expressão, porque o caso é simplesmente de alinhamento às necessidades sociais subvertidas por uma organização que fecha os olhos a tudo que diga respeito à sustentabilidade ambiental.
Um consultor em urbanismo é uma ótima pedida porque poderia dar nova roupagem de planejamento técnico e de sensibilidade social ao mercado imobiliário. A iniciativa, acredito, poderia elevar a disponibilidade de áreas à composição de acréscimos de densidade demográfica para aliviar as dores da horizontalização descentralizada demais que obriga o Poder Público a despender cada vez mais recursos financeiros ao esticamento de serviços essenciais à população. Esse é o princípio da densidade defendida por aquele especialista e também por gente com um mínimo de boa vontade. Até porque, a horizontalização burra tem parentesco consanguíneo com a verticalização estúpida.
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