Economia

Peão, uma ova!

RAFAEL GUELTA - 15/06/2000

Como chamaria o novo trabalhador que emerge na linha de montagem da indústria automobilística do Grande ABC?

  •  Peão Tecnológico
  •  Peão Universal
  •  Peão Global
  •  Peão Inteligente

Se você indicou qualquer uma dessas opções acertou no predicado e errou no sujeito. Cometemos erro idêntico quando elaboramos a pauta desta reportagem e consideramos que o título ideal seria algo como O Peão Tecnológico. Imaginávamos que seria uma forma amistosa e criativa de denominar cerca de 50 mil trabalhadores que nos últimos anos submeteram-se a horas e horas de cursos, treinamentos e reciclagens para fazer emergir uma nova indústria no Grande ABC. Produtiva, competitiva e global. Capaz de manufaturar produtos idênticos aos do Primeiro Mundo sob rígidos controles, normas e padrões de qualidade. Metalúrgico tinha orgulho de ser chamado de peão nos anos 70 e 80 das greves e turbulência política. Não tem mais.

Hoje é ofensa chamar de peão o trabalhador que precisou ser reconstruído — à custa de muita auto-ajuda, inclusive — para ter vez no chão de fábrica. A revolução tecnológica operada na indústria provocou mudanças comportamentais que se refletem no orgulho e na auto-estima de quem a opera. Da mesma forma que médicos e advogados fazem questão de ostentar título de doutor, por tradição e status, trabalhadores reconstruídos no ambiente da indústria pós-reengenharia rejeitam denominações que remetam ao passado recente da formação escolar precária (ou nenhuma), do macacão e rosto sujos de graxa e dos dedos e membros mutilados por máquinas.

Analfabetos e semi-analfabetos não têm mais lugar em modernas e avançadas linhas de produção. Ensino Médio concluído é escolaridade mínima exigida pelas montadoras. Ser receptivo a novas idéias, relacionar-se bem com o grupo de trabalho e saber negociar são pontos essenciais que muitos já acrescentam no currículo. Numa mão o metalúrgico carrega ferramentas; na outra, livros e apostilas. Instalou-se a era da inteligência. Para apertar um simples parafuso é preciso saber ler e escrever bem. Interpretar e transmitir mensagens. Discernir. Pensar. Antecipar. Tomar decisões.

É conveniente que se tenha conhecimento básico de inglês para compreender e operar sistemas e equipamentos modernos, que exigem mais intimidade com palavras do que ações físicas. Para quase tudo existem manuais de instruções e procedimentos que disseminam siglas e conceitos. Nunca antes a linguagem do chão de fábrica esteve tão repleta de siglas herdadas do inglês. Programas de qualidade e excelência estimulam criatividade e opinião própria. Pelos cantos das fábricas há caixas de mensagens nas quais funcionários depositam idéias por escrito. Trabalhador que se envolve com o produto e com a comunidade da fábrica tem valor redobrado. Quem não se adapta ao meio é descartado pelo próprio meio.

Solidariedade e produtividade

A primeira página da edição de maio de 2000 do jornal Acontece, que a Scania Latin America distribuiu aos quase 2,4 mil funcionários em São Bernardo, sintetiza o novo espírito que toma conta das fábricas. Nada de notícias sobre produtos ou produção. Nada de retrato de gente suja de graxa. A manchete é dedicada a Carlos Uliana, supervisor da área de Logística de Motores, que se veste de palhaço nas horas vagas para animar idosos internados em uma clínica em São Caetano. Solidariedade é fundamental para desenvolver equipes produtivas. Volkswagen, Ford, General Motors, Mercedes-Benz, Toyota e Land Rover, as demais montadoras instaladas no Grande ABC, apóiam ações semelhantes.

Julio César Gil, especialista em Desenvolvimento de Pessoal da Volkswagen do Brasil, afirma que quem quiser ter vez na indústria automobilística precisa desenvolver cinco atributos básicos: trabalho em equipe, capacidade de aprender rápido, busca de melhoria contínua, criatividade e saber trabalhar em ambiente de mudanças constantes. “A grande competência individual é saber se relacionar com outras pessoas e saber negociar levando em conta que é fundamental manter o grupo unido” — afirma o executivo.

Jovem que ingressa na indústria automobilística tem apenas vaga idéia do que representou nos anos 70 e 80 a figura do peão. Muito provavelmente irá conhecer só por fotografia o ajudante analfabeto ou semi-analfabeto que até o comecinho da década passada as empresas recrutavam levando em conta um atributo completamente dispensável hoje: força física. Era o peão quem carregava caixas de peças e todo tipo de trambolho sujo e pesado que precisasse ser transferido de uma ala para outra na linha de produção. O trabalhador passivo, que se limita a receber e cumprir ordens como autômato, está excluído do chão de fábrica no Terceiro Milênio. Foi substituído por autômatos de verdade: esteiras, guinchos, ganchos e robôs ligados a sistemas computadorizados que cuidam de fazer o trabalho sujo, pesado e repetitivo.

Duvide dos ufanistas que, em discursos genéricos e sem consistência, atribuem ao Grande ABC a melhor mão-de-obra da indústria automobilística brasileira. Só metade da afirmação é verdadeira. Diz respeito ao contingente treinado e reciclado que se mantém ativo no chão de fábrica. Trata-se de pessoal que está na vanguarda porque tomou um banho de tecnologia e tem como vantagem competitiva experiências e culturas produtivas do passado e do presente. Trabalhador desempregado há mais de dois anos e que não se reciclou por conta própria pode ser classificado como mão-de-obra de uma indústria automobilística que não existe mais. Foi superado em tecnologia e conhecimentos por jovens sem tradição em montar veículos, mas treinados em cursos de última geração e que atuam nas moderníssimas fábricas do pólo automotivo da Grande Curitiba (PR), onde se instalaram recentemente Volkswagen/Audi, Renault e Chrysler.

Um fosso profundo

O especialista Julio César Gil garante que é largo e profundo o fosso que separa o trabalhador reconstruído daquele que está desempregado e não se atualizou. “A substituição de um trabalhador reciclado por outro que tenha ficado bom tempo desatualizado pode demorar até dois anos, em termos de qualidade e produtividade” — acentua. No ano passado a Volkswagen investiu o equivalente a duas ou três semanas de treinamento em capacitação profissional para cada um dos 18,5 mil funcionários da fábrica Anchieta, em São Bernardo.

A montadora de origem alemã não poupa recursos quando a questão é investir em capacitação da mão-de-obra. Criou curso de aprendizado industrial equivalente ao Ensino Médio que abriga 300 jovens entre 15 e 18 anos e no qual transmite conceitos da tecnologia mundial Volkswagen. Como só admite quem tenha concluído o Ensino Médio, a corporação proporciona curso supletivo a 500 funcionários do chão de fábrica. Julio Cesar Gil diz que a fábrica de São Bernardo conta com biblioteca que reúne acervo maior que o de muitas cidades do Interior de São Paulo. “Investir no conhecimento faz sentido porque a tendência é cada vez mais o funcionário agir como dono do que faz” — afirma.

Peão de chão de fábrica nos anos 70 e 80, Flávio De Nardi, 43 anos, passou por muita reciclagem e fez faculdade de Tecnologia para sobreviver na linha de montagem da Scania. Ex-ajustador de ferramentaria, profissão terceirizada pelas montadoras e praticamente extinta, De Nardi coordena na linha de montagem o programa de qualidade P2000. Leitor contumaz de jornais, revistas e literatura técnica, o metalúrgico prevê que a indústria automobilística terá problemas se o aquecimento do mercado provocar forte demanda por veículos e as montadoras precisarem contratar mais gente. “O mercado está cheio de metalúrgico desempregado, só que com índice elevado de desqualificação. Os capacitados serão disputadíssimos” — analisa. O que De Nardi está dizendo, com outras palavras, é que capacitação e qualificação profissional tornaram-se sinônimos de estabilidade no emprego.

O coordenador do P2000 lembra que ao ingressar na Scania, em 1970, encontrou uma indústria pequena, que produzia apenas sete veículos por dia. Os trabalhadores pensavam única e exclusivamente na própria carreira. “Não havia o espírito de equipe que é disseminado hoje. Era cada um por si. Felizmente me integrei às mudanças que ocorreram nos últimos anos e que me fizeram entender que pessoas têm de crescer juntas. Quem não pensa no grupo não é competitivo. Pessoa individualista não serve para trabalhar em empresa moderna” — define De Nardi. “Se ainda fosse a pessoa de ontem, não teria sobrevivido no emprego. Conhecer aspectos técnicos ou computação é importante, mas nem sempre essencial. Também é fundamental ler e aprender sobre psicologia e relacionamento interpessoal. As escolas ainda não atentaram para isso, mas é matéria que precisa ser incorporada ao currículo urgentemente” — conceitua o metalúrgico. De Nardi garante que a mudança de mentalidade no ambiente de trabalho teve grande influência na vida pessoal. “Meu casamento amadureceu. Melhorou muito o diálogo com as duas filhas” — destaca.

Multifuncionalidade impera

Multifuncionalidade é palavra-chave na nova ordem do trabalho. Para sobreviver no mercado o trabalhador tem de desenvolver múltiplas habilidades. E não apenas habilidades relacionadas ao produto manufaturado. Funcionários das células de trabalho da linha de montagem da Ford, em São Bernardo, fazem mais do que revezar-se nas tarefas de montar partes de veículos. Como se constituíssem organização à parte, que precisa ter controle total do negócio, também cuidam de questões paralelas e não menos importantes como limpeza do ambiente, segurança e saúde no trabalho. Para dar conta dessas tarefas, dialogam e negociam.

É por ter desenvolvido esse espírito de equipe que a fábrica da Ford em São Bernardo recebeu no fim do ano passado a certificação de qualidade QS 9000. A distinção classifica a planta como a mais qualificada entre as 33 que a montadora possui nas Américas. Quem conhece a história de vida do mineiro Francisco Mariano de Jesus, 45 anos, ponteador da célula três na linha de montagem, tem bom exemplo da revolução que se operou na indústria. Trabalhador na lavoura de café, soja e feijão no Interior do Paraná, Mariano ingressou na Ford há 20 anos e, aposentado, está de malas prontas para retomar a vida campestre. “Sou de um tempo em que era preciso carregar peso e empurrar caixas para ganhar espaço na linha de produção. Era óleo e graxa por todo lado. Hoje está tudo automatizado e minha profissão está sendo transferida para os robôs. Fiz todos os cursos que a Ford promoveu para o pessoal do chão de fábrica. Me tornei um trabalhador global” — afirma.

O avanço no chão de fábrica é tão significativo que departamentos de Recursos Humanos de montadoras do Grande ABC constatam ser mais fácil desenvolver projetos com o pessoal da produção do que com funcionários administrativos, que os antigos peões chamavam de almofadinhas. Enquanto o pessoal administrativo exibe ar de superioridade, é menos disciplinado e em alguns aspectos refratário a mudanças, os ex-trabalhadores braçais reciclados ganharam consciência de que é preciso participar de iniciativas que, por terem como objetivo o bem comum, reforçam o compromisso com qualidade, produtividade e competitividade. É o caso, por exemplo, de campanhas que incentivam coleta seletiva de lixo dentro da fábrica.

Globalização impera

O que extravaza no comportamento do trabalhador tecnológico é o eco da modernização industrial que se acelerou a partir de 1994, quando o Brasil mergulhou de vez na globalização. Fábricas deixaram de ser ambientes barulhentos, escuros, sujos e cheios de prateleiras e sucatas por todos os lados. Surpreende-se quem conheceu a linha de montagem da Scania Latin America nos anos 70 e 80 e volta ao local hoje. A linha de produção da unidade de São Bernardo é silenciosa, clara, iluminada e limpa. Há vasos com flores espalhados pelos imensos galpões. Pinturas coloridas e alegres nas paredes. Não há vestígio de graxa nem óleo derramado no chão.

Trabalhadores vestem-se com calças e camisas de cor clara. Parece que trabalham em escritório. E é isso mesmo. O escritório instalou-se no chão de fábrica. Computadores interligados a sistemas on-line estão por todos os cantos. Não se deve esquecer, contudo, que parte significativa e trágica dessa mudança foi a demissão de expressivo contingente de mão-de-obra.

O que se vê na Scania é regra e não exceção. Todas as montadoras do Grande ABC estão no mesmo patamar e se empenham permanentemente por novos avanços tecnológicos. A unidade mais moderna da Volkswagen no mundo, em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba (PR), é um show de silêncio, claridade, limpeza e ergonometria. Ambiente digno dos carros de Primeiro Mundo que são produzidos ali: Golf e Audi A3. Não é o trabalhador que se abaixa para apertar um parafuso no assoalho ou ergue o corpo para realizar alguma operação no teto do veículo. Basta acionar um botão para que o veículo na plataforma de montagem se ajuste à altura ideal para ser manipulado. O trabalhador mantém-se o tempo todo na mesma posição, sem recorrer a esforços físicos que em passado recente eram os principais causadores de problemas de saúde, como desvios da coluna vertebral.

Grandes transformações

Produtividade, competitividade e tecnologias de ponta são ingredientes que tornaram as fábricas limpas e confortáveis para o trabalho. Acabaram os estoques de peças e componentes que ocupavam espaço na linha de montagem e prejudicavam a movimentação dos trabalhadores. Operações just-in-time fazem com que bancos, painéis e módulos de suspensão, entre outros componentes automotivos, cheguem à manufatura no exato instante em que serão acoplados ao veículo em produção. Uma equação que parece complicada, mas não é, instalou-se nas fábricas. Com ganho de espaço há condições de administrar melhor o tempo. Por não ser elemento físico, passível de medição racional, o tempo exige raciocínio, disciplina e inteligência, atributos que afloram no trabalho tecnológico.

A tendência é que as fábricas tornem-se cada vez mais silenciosas, limpas e iluminadas, com ganhos acentuados em bem-estar para o trabalho. Por motivo bem simples: tecnologias de ponta exigem ambientes arejados e manejo delicado. O foco das montadoras, que no passado estava no produto, transferiu-se para o consumidor final. A Fiat, instalada em Betim (MG), foi pioneira no Brasil em manufaturar veículos de acordo com encomenda feita pelo cliente na concessionária. Montadoras de ônibus e caminhões, como Mercedes-Benz, Volkswagen, Ford, Scania e Volvo, manufaturam veículos de acordo com necessidades específicas de frotistas. O velho conceito de produção em série, de tudo ser feito exatamente igual, ganhou flexibilidade. Agora um veículo tem de ser igual ao outro e, simultaneamente, atender a características específicas determinadas pelo cliente.

Transformações de tal porte na indústria só foram possíveis porque a própria organização corporativa teve de ser ajustada. Da administração verticalizada partiu-se para o modelo horizontalizado, com redução drástica das instâncias que separam alto comando e chão de fábrica. Muitas empresas já aboliram a palavra chefe. É mais elegante, menos agressivo e menos pedante chamar o responsável por alguma área ou tarefa de coordenador. Funcionário e empregado são termos que aos poucos caem em desuso. Colaborador é palavra que define com exatidão o trabalhador do qual se cobra participação e envolvimento com o produto final. O efeito dessas mudanças é surpreendente. Funcionários e empregados sempre procuraram manter distância dos chefes.

Muito mais sinergia

Colaboradores sentem-se à vontade para expor idéias e opiniões a coordenadores. Palavras adequadas para designar funções e estabelecer espaços geram sinergias.

“Montar caminhão é fácil. Basta seguir receita parecida com receita de bolo, com todas as instruções e ingredientes. O que nem sempre é fácil é estabelecer relação de amizade entre profissionais de uma mesma célula. Isso é que garante produtividade e competitividade para o trabalhador e a empresa” — afirma Roberto Rubinho, 34 anos, ajustador mecânico da Scania há 12 anos e coordenador da célula responsável pelo final da linha de montagem de caminhões pesados. O grupo de Rubinho tem papel importantíssimo na manufatura de veículos. Faz as ligações finais de todos os equipamentos e componentes com a cabine e aciona a chave de ignição para conferir se tudo funciona.

Rubinho já conviveu na mesma célula com trabalhador que não soube relacionar-se com o grupo. “Foi um período difícil. Essa pessoa era individualista. A empresa tentou de tudo para mantê-la. Fez a transferência para outra célula, mas o problema se repetiu. Aí não teve jeito e tudo terminou com demissão. É preciso entender que o funcionário de uma célula é permanentemente analisado pela equipe. Não tem mais aquela coisa do chefe demitir a pessoa porque não gosta dela” — acentua. A convivência em célula costuma ser tão próxima que há casos na Scania em que colegas se cotizam para ajudar quem passa por situação financeira difícil. “Quando um colega não está nos melhores dias, ou está com problema de saúde, o grupo cuida de designar a ele tarefas mais brandas” — diz Rubinho.

Entre 1997 e 1998 Roberto Rubinho participou do Projeto 104, que formou multiplicadores para o lançamento no Brasil dos caminhões mundiais da Scania, a chamada Série 4. Valorizado no chão de fábrica porque se atualiza permanentemente, Rubinho é exemplo de que novos conhecimentos fazem o trabalhador voar alto. Autor de romance inédito sobre uma viagem pela história do Brasil, atualmente submetido a parecer de companheiros de célula de produção, o ajustador mecânico tem aspirações intelectuais e quer fazer faculdade de Jornalismo.

Mais setores envolvidos

A revolução operada no ambiente de trabalho por novas tecnologias e globalização não é exclusividade da indústria automobilística. O setor petroquímico, segunda atividade em importância econômica para o Grande ABC, ingressou na era da inteligência em 1993. A dianteira coube à então Poliolefinas — atual OPP — que lançou naquele ano o Programa Jovens Parceiros. Velhos conceitos de capacitação profissional na área química foram postos de cabeça para baixo. Trabalhadores que até então se limitavam a funções específicas como operador, instrumentista, mecânico de manutenção e técnico em segurança foram reciclados e passaram a exercer todas as tarefas ao mesmo tempo. “Ganhamos muito em flexibilidade, otimização e agilidade da operação” — comemora o engenheiro Carlos Antonio Alves de Souza, coordenador do programa e responsável técnico pela operação da OPP. Rodnei Augusto Felício e Eduardo Peter, jovens engenheiros que participaram do programa de recapacitação, enfatizam ganhos de qualidade e empregabilidade como principais vantagens pessoais.

É fácil entender porque a OPP ganhou flexibilidade e agilidade. Não existe o chamado chão de fábrica na indústria petroquímica, onde toda operação é controlada em painéis computadorizados. Só em ocasiões especiais, como retomada da produção após parada para manutenção, é que técnicos e engenheiros se misturam a compressores e outros equipamentos para controlar válvulas de pressão e recolocar a usina em ação. Carlos Alves lembra que no sistema praticado antes do Programa Jovens Parceiros muitas vezes era preciso convocar equipes de segurança às pressas, principalmente quando ocorriam acidentes no expediente da madrugada. “Demorava até uma hora para o pessoal chegar na OPP. Hoje, como todos entendem de segurança, a providência para sanar o problema é imediata” — afirma o responsável pela operação. A OPP, que mantém 53 funcionários operadores em Santo André, investiu mais de 30 mil horas em treinamento em 1999.

Diferenças nos sistemas de trabalho e produção à parte, indústrias automobilísticas e petroquímicas modernizam-se permanentemente porque buscam disseminar nos funcionários conceitos semelhantes de qualidade, produtividade e competitividade. E é justamente aí que surge uma questão paradoxal dos novos tempos. Como exigir união e espírito de equipe de pessoas que vivem numa sociedade que estimula o individualismo? O psiquiatra e psicoterapeuta de Santo André Cyro Masci, autor do livro A Hora da Virada, diz que é possível conciliar aspectos tão conflitantes porque trabalhador transformou-se em profissional da informação. “Máquinas fazem tarefas elementares e pessoas assumem cada vez mais a responsabilidade pelos resultados. Sob esse ponto de vista, equipe não é causa, mas consequência. Sem interação não é possível produzir com qualidade e tecnologia avançada” — analisa.

Democratizando informações

Masci afirma que a origem do novo ambiente de trabalho está na transparência com que informações da empresa e produtos são disponibilizadas para todos os funcionários. Acabou a era dos guetos, em que cada área se limitava a determinada parte da tarefa global e guardava para si informações de como fazê-la. Ao desenvolver determinado produto — um veículo, por exemplo — a empresa faz questão de transmitir todas as informações possíveis para o maior número de pessoas do grupo. A determinação com que isso é feito gera resultados positivos. É como se todos os funcionários da fábrica, do escriturário ao apertador de parafusos, tivessem a mesma condição de produzir a manufatura. “O produto deixou de ser propriedade de alguém para ser resultado do coletivo. Mas é importante enfatizar que só chegam a esse estágio empresas que mudam a forma de administrar, porque essa é a chave” — observa o psicoterapeuta.

Resta, finalmente, um ponto crucial: o sindicalismo sobrevive no ambiente arejado e inteligente da nova indústria automobilística? Nos anos 70 e 80, quando metalúrgico era chamado de peão em assembléia que decretava greve, o chão de fábrica do Grande ABC criou a elite trabalhadora mais combativa do País. Pouco escolarizados e permanentemente descontentes com salários e benefícios, peões eram massa facilmente influenciável. Hoje o que se constata é que as comissões de fábrica estão isoladas na linha de montagem. O discurso sindical não se renovou como deveria; ficou defasado. Flávio De Nardi adverte que os representantes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC na Scania vão precisar evoluir para se igualar ao estágio de inteligência dos trabalhadores cujas causas pretendem defender.

“A mudança no comportamento do metalúrgico que aprendeu a trabalhar em equipe é positiva. O salário médio da categoria cresceu e funções pouco qualificadas foram terceirizadas. Mas é importante acentuar que o salário pago hoje pelas montadoras não é compatível com o enriquecimento de funções dos funcionários” — afirma o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Marinho. Sindicalista de perfil moderado, Marinho lembra que tem chamado a atenção de membros das comissões de fábrica para as mudanças que vêm ocorrendo. “É evidente que o trabalhador instruído mudou a maneira de pensar e agir, mas o sindicato também vem fazendo sua reengenharia. Estamos convictos de que o sindicalismo só terá futuro se estiver presente no local de trabalho. Caso contrário vai desaparecer” — analisa.

Trabalhador empregado em montadora vive permanentemente sob ameaça de desemprego. Apesar de vir aumentando a produção de veículos, com possibilidade de a indústria fechar o ano com 1,5 milhão de unidades manufaturadas contra 1,3 milhão em 1999, executivos das corporações continuam falando em excedente de mão-de-obra. A Ford decide neste mês o que fará com mais de mil funcionários em São Bernardo que estão em regime de lay-off. Herbert Demel, presidente da Volkswagen, tem afirmado com frequência que há cerca de três mil funcionários. Além do necessário em São Bernardo.

A insegurança aumenta ao ser constatado que o País ainda tem longo caminho para entrar no bloco dos mais competitivos do planeta. De acordo com o Relatório de Competitividade Global elaborado pelo Fórum Econômico Mundial, entidade que dá consultoria à ONU (Organização das Nações Unidas), o Brasil ocupa o 51º lugar no ranking, atrás de países como Chile, Venezuela, El Salvador, Egito, Jordânia e Costa Rica.



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