Economia

Avenida Paulista
descentraliza poder

RAFAEL GUELTA - 15/06/2000

A globalização não deixou pedra sobre pedra. Não escapou do furacão nem mesmo o todo-poderoso Sistema Fiesp/Ciesp (Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo). Constituído por 127 sindicatos patronais e exatas 8.067 indústrias, que representam respectivamente 55% e 25% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, o Sistema está tão encurralado e em busca de novos horizontes quanto centrais sindicais e sindicatos trabalhistas que perderam poder corporativo e no chão de fábrica.

O que ocorreu com as entidades patronais é semelhante ao que se deu nas indústrias que representam. Desenvolve-se hoje na Fiesp/Ciesp o mesmo processo de reengenharia que reconstruiu empresas antes verticalizadas e instituiu processos horizontais de gestão que buscam permanentemente qualidade, produtividade e competitividade.

Perdeu sentido a figura do ultrapassado barão da indústria ditando regras sobre economia e política, encastelado no majestoso espigão nº 1313 da Avenida Paulista, em São Paulo, onde as entidades se distribuem por 16 andares. Mudou o eixo da economia. A questão agora é saber propor soluções e ter agilidade para agir.

O futuro de toda organização, seja indústria ou entidade de classe, transferiu-se do topo para a base. A sociedade civil descobriu sua força, impõe vontades, avança à frente do governo nas políticas de cidadania e cada vez mais que se estimule o espírito empreendedor com responsabilidade social.

Indústrias se deram conta da necessidade de gerar esse espírito quando iniciaram o processo de modernização tecnológica para obter qualidade, produtividade e competitividade. Para ter sucesso na empreitada, precisaram transformar em empreendedores os trabalhadores do chão de fábrica.

Foi assim que células de trabalho passaram a cuidar não apenas da manufatura de produtos, mas também de outras questões importantes no ambiente de trabalho, como saúde, segurança e o próprio planejamento da empresa.

Sindicatos poderosos que constituem a Fiesp e que representam setores importantes da indústria, como as cadeias automotiva, química, têxtil e de máquinas, já captaram os sinais dos novos tempos. Estão cientes de que precisam criar bases regionais fortes e autônomas para sobreviver no cenário da economia global. Negociações trabalhistas que antes se davam preferencialmente no âmbito corporativo agora ocorrem no próprio interior das fábricas.

Centrais sindicais e sindicatos de trabalhadores caminham nesse sentido, empenhando-se na criação de comissões de fábrica com elevado grau de autonomia. Não é por acaso que amadurece no prédio da Avenida Paulista a idéia de implantar departamentos sindicais em cada uma das 41 diretorias do Ciesp espalhadas pelo Estado.

As diretorias do Ciesp desempenham atualmente papel de suporte às indústrias, com oferta de serviços que vão de cursos sobre gestão e tecnologias avançadas até orientações sobre linhas de financiamentos e comércio exterior. Em algumas regiões do Estado, como o Grande ABC, onde cursos e outros serviços são planejados conjuntamente pelas quatro diretorias locais, a sinergia é maior. A novidade que começa a se incorporar ao dia-a-dia das entidades é a atuação política da unidade regional junto a instâncias municipais, estaduais e nacionais.

“Apesar de o Brasil ainda viver ditadura econômica que não nos dá liberdade para trabalhar, porque faltam reformas fundamentais nas áreas tributária e trabalhista, a grande transformação está no fortalecimento da sociedade civil. Quanto mais o Sistema Fiesp/Ciesp tiver velocidade na percepção, tomada de decisão e ação, mais expressiva será sua participação na vida da indústria e da comunidade” — afirma o jovem empresário Horácio Lafer Piva, presidente das entidades desde agosto de 1998.

Homem certo para ocupar o posto certo no tempo certo, de acordo com veteranos do calibre de Antonio Ermírio de Moraes e Mário Amato, presidentes eméritos do Sistema Fiesp/Ciesp, Piva deu provas de visão aguçada já no primeiro discurso de posse no cargo. Antevia a necessidade de transformar em oportunidades de negócios as mudanças que a globalização gerou nas indústrias e na economia.

Chamado de executivo chão de fábrica por sua característica de descentralizador, Horácio Piva efetivou mudanças estruturais na Fiesp/Ciesp no último ano e meio. Enxugou o quadro de funcionários em quase 30% para gerar qualidade, produtividade e competitividade. Mudou a forma de as entidades atenderem associados — hoje considerados clientes. Transformou a filosofia de trabalho, exigindo aplicação da relação custo-benefício nos serviços prestados. Mais que isso, quer serviços que gerem sinergia. “O Sistema tem de estar focado em projetos e não em produtos isolados” — analisa.

Braço civil
Não será surpresa se dentro de algum tempo o Sistema Fiesp/Ciesp passar a se chamar Ciesp/Fiesp, invertendo a influência das principais peças no jogo. Cabe ao Centro das Indústrias, braço civil das entidades, desempenhar o papel de aglutinador das expectativas e anseios regionais. A idéia é transformar em aliados empresários de todos os setores industriais associados às 41 diretorias da entidade. “Vamos descentralizar o Sistema e unir a força do Interior do Estado” — diz Horácio Lafer Piva.

Nunca antes as duas entidades atuaram tão próximas e interessadas em servir-se mutuamente de suporte. Deveria ser assim desde a gestão do ex-presidente Carlos Eduardo Moreira Ferreira se dependesse da opinião expressa à época pelo empresário Mário Bernardini, da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos).

Está sepultada a Fiesp dos barões, que teve participação ativa na cena política e econômica brasileira entre fins dos anos 70 e primeira metade da década de 90. Quase todas as decisões importantes que ditaram os rumos do País naquele período receberam influência direta ou indireta da entidade, que constituía um dos principais focos de poder no País.

Eram tempos turbulentos. Greves, inflação galopante, mercado fechado e transição para a democracia agitavam o País. Presidente da Fiesp era tão ou mais poderoso que ministro, senador, governador ou deputado. “Resolvia-se o assunto do momento com o ministro de plantão” — lembra Piva em tom irônico que rejeita o modelo ultrapassado de entidade patronal.

Foram quatro os principais motivos que fizeram a velha Fiesp sair das ante-salas de Brasília:

  •  Parte substantiva do capital controlado por empreendedores brasileiros foi transferido para controle internacional, alterando a ordem de decisões, interesses e investimentos. A sistemista norte-americana Dana, só para citar um exemplo, adquiriu o controle acionário de 16 empresas nacionais da cadeia automotiva;
  •  Centenas de empresas de médio para pequeno porte, principalmente têxteis, de brinquedos e autopeças com processo de produção ultrapassado, foram colhidas no contrapé da globalização. Sem agilidade ou capital de giro para investir em tecnologia e reagir, simplesmente fecharam as portas;
  •  Guerra fiscal, sindicalismo fortemente reivindicatório e salários altos estimularam a evasão industrial de São Paulo para outros Estados. Com a transferência de investimentos, criaram-se novos pólos industriais no Ceará (calçados), Paraná (veículos), Bahia (call centers) e Rio Grande do Sul (móveis), entre outros;
  •  A Fiesp não teve percepção para detectar a rapidez em que se deram as mudanças para se antecipar e virar o jogo a seu favor.

Resultado extremamente negativo da falta de política industrial no País, a guerra fiscal criou pelo menos um fato positivo — prefeituras do Interior mudaram de atitude em relação à indústria, gestando políticas de integração.

Essa regionalização interessa e favorece a atuação do Ciesp. Tanto que o Centro das Indústrias participa ativamente de 15 fóruns de desenvolvimento no Interior de São Paulo, todos inspirados no pioneiro Fórum da Cidadania do Grande ABC.

Fundador e ex-presidente do Fórum da Cidadania do Grande ABC, vice-presidente do Sistema Fiesp/Ciesp e diretor-adjunto do DIR (Departamento de Integração Regional) do Centro das Indústrias, o empresário Fausto Cestari garante que as entidades estão no rumo certo. “Indústrias se movimentam em bloco para constituir clusters e serem mais competitivas, enquanto cidades e regiões discutem e confirmam vocações. Está cada vez mais disseminado o conceito de empresa com responsabilidade social, e isso implica em ação direta da indústria com a comunidade que a cerca. É sob esse ponto de vista que o Ciesp deve colocar-se na dianteira” — avalia Cestari.

Novos tempos
O vice-presidente do Sistema Fiesp/Ciesp e diretor-adjunto do DIR está empolgado, por antecipação, com os resultados que o Ciesp poderá obter na 10ª Convenção Anual, dias 16 e 17 de junho na sede da Fiesp, em São Paulo. Pela primeira vez será realizada a Mostra de Ações Regionais do Ciesp, que reunirá cases de sucesso de cada uma das 41 diretorias da entidade.

“Temos informações valiosas a transmitir para universidades, órgãos públicos e entidades da sociedade civil. O objetivo da mostra é promover rápida troca de conhecimentos, para que regiões do Interior adotem idéias umas das outras. São Paulo precisa dessa sinergia” — afirma Cestari.

Mostra de Ações Regionais à parte, as diretorias irão discutir na convenção tema fundamental à construção da nova imagem do Sistema Fiesp/Ciesp — como as ações regionais podem dar suporte às decisões da Fiesp.

Serão constituídos grupos temáticos para elaborar projetos que contemplem questões sociais, econômicas, políticas e administrativas. “O Ciesp está profissionalizando as diretorias porque chegou a hora de se tornarem política e administrativamente autônomas. A idéia é que a prestação de serviços seja planejada, para gerar sinergia, e que a representatividade política fique descentralizada, respeitando interesses específicos de cada região. O Sistema crescerá na medida em que as 41 diretorias desenvolverem ações políticas com forte influência na sociedade” — analisa Fausto Cestari.

Nunca antes o Interior de São Paulo teve tanta importância estratégica no desenvolvimento industrial do País. Estudos da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) reforçam a tese. Mostram que a maior parte dos investimentos a serem feitos no Brasil nos próximos cinco anos será realizada principalmente na Grande Campinas, Grande Sorocaba, Vale do Paraíba e Grande São Paulo, não necessariamente nessa ordem.

Antecipando-se para colher louros mais à frente, Baixada Santista e Vale do Paraíba empenham-se para ter aeroportos internacionais concentradores de cargas para competir com Viracopos (Campinas) e Guarulhos (Grande São Paulo). Na região de São José dos Campos há intensa movimentação ao redor do Porto de São Sebastião para que venha a tornar-se alternativa para alguns produtos escoados no Porto de Santos, um dos mais caros do mundo.

O mapa industrial do Estado, redesenhado pela globalização, indica os caminhos da nova economia. Indústria aeronáutica, montadoras e confecções estão presentes no Vale do Paraíba. Na Grande Campinas a diversidade é representada por empresas de tecnologia de ponta, bebidas, plástico, autopeças e têxteis. Cubatão deixou de ser a cidade mais poluída do planeta para se manter como principal pólo industrial da Baixada Santista. Sorocaba sedia região que se destaca por empresas ligadas à cadeia automobilística, enquanto Ribeirão Preto recebe permanentemente investimentos das indústrias de implementos agrícolas e equipamentos médicos e odontológicos — sem contar as usinas de açúcar e álcool que já estão gerando e vendendo energia com a queima do bagaço da cana. Presidente Prudente é pólo de agroindústria.

“São Paulo passa por dramático processo de mudança. A globalização não deixou pedra sobre pedra. Nosso papel nesse cenário é empenhar energia e projetos que promovam desenvolvimento econômico e social. Lamento que o Brasil, sob o ponto de vista do governo federal, sofra da síndrome de baleia, animal pesado e lento, quando o correto seria comportar-se como o inteligente e ágil golfinho. A esperança do Sistema Fiesp/Ciesp é que a ação junto às bases faça o governo entender que é preciso ser ágil e ousado nestes novos tempos. Não podemos mais manter políticas de privilégios, muito menos medo de perder arrecadação ao desenvolver novos mercados” — desafia Horácio Piva.



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