Economia

Nichos e micos tomam conta
do mercado imobiliário regional

DANIEL LIMA - 02/10/2012

Há nichos e micos no mercado imobiliário da Província do Grande ABC. Quem tem interesse em propagar apenas boas noticias, como se viu na edição de ontem no Diário do Grande ABC, limita-se aos nichos de imóveis de preços populares, na faixa de Minha Casa Minha Vida e um pouco acima disso. Os micos estão espalhados pelo território regional. São apartamentos em fase de construção, muitos dos quais com sérios problemas de cronologia de entrega, e também já prontos, mas à espera de compradores. Diferentemente do que diz Milton Bigucci, presidente eterno da Associação dos Construtores, não são apenas alguns imóveis. São milhares de imóveis. Há incompatibilidade crônica entre os valores solicitados e os valores disponíveis, mesmo a perder de vista ante a generosidade do governo federal de lubrificar o PIB entupindo a população de financiamento. 


 


Especialistas no ramo, gente que está no mercado imobiliário há muito tempo e que não tem compromisso com a penumbra, com a opacidade, com meias verdades, asseguram que apartamentos novos já construídos e em fase de construção ou lançados e ainda nos planos de construção que fogem completamente do perfil do consumidor médio da região compõem um estoque que só será diluído em uma década. Repito: há micos no mercado imobiliário da Província do Grande ABC que vão demorar 10 anos para desova e que, por isso mesmo, ameaçam contaminar os bons produtos, de valores ajustados à realidade econômica regional. Eventuais queimas de estoques são o caminho da perdição da rentabilidade geral e irrestrita. É o real sobrepondo-se ao artificial. 


 


Alguns empreendimentos micados já estão há vários anos à espera de compradores. Caso daquelas torres na antiga área do Polentão, como se chamavam os campos de futebol soçaite da Família Demarchi, no Bairro Nova Petrópolis.  Negociaram a área com empreendedores paulistanos que quebraram a cara. Os imóveis estão no lugar errado e com preços elevadíssimos. Para se ter ideia das imprevidências, o lançamento oficial se deu nas luxuosas instalações da Daslu, o templo do consumo dos ricos paulistanos. Mal sabiam os compradores que a área dos Demarchi está distante do veio geográfico de nobreza socioeconômica de São Bernardo, restrito a algumas áreas. 


 


Há muitos outros casos dessa tipologia desastrada, de gente que imaginou que a Província do Grande ABC é o eldorado que as manchetes sugerem porque somos, ainda, a Capital do automóvel. Gente que não entende de economia, gente que confunde PIB (Produto Interno Bruto) com internalização de renda, com empregos de primeira classe além das montadoras de veículos.


 


A roda das mudanças


 


É claro que não somos um território qualquer. Nossa economia está acima da média nacional (embora já tenha estado muito, mas muito acima da média nacional), mas estamos a léguas de distância da capacidade consumidora da Capital vizinha. Nossa classe média tradicional, classe média de verdade, não essa classe média de trabalhadores que inventaram para lustrar o ego dos triunfalistas, caiu em depressão desde que a abertura econômica no início dos anos 1990 fragilizou nossas raízes de mobilidade social.


 


Todas ou quase todas as construtoras e incorporadoras que vieram para a Província do Grande ABC certas de que descobriram a fórmula mais simples de sucesso quebraram a cara ou estão se retirando aos poucos para não sofrerem mais dissabores. Muitas já abandonaram o mercado regional em silêncio, depois da algazarra dos desembarques. Desistiram de muitos empreendimentos. Fazem das tripas coração para se livrarem dos estoques. Exemplos são fartos. Nas imediações do Paço Municipal de São Bernardo, para citar apenas um caso, um megacaso, aquelas torres erguidas e outras em construção estão a ver navios.


 


A oferta foi exageradíssima em relação ao potencial de demanda. Os preços salgados demais capturaram apenas uma leva de afobados investidores e interessados em ter negócios ou moradia ali. Tombos já foram anunciados nos valores. Caíram pelo menos 30% em relação às festas de lançamentos que contaram inclusive com cantores populares em ações marketing que levaram ao campo imobiliário a impulsividade de compras típica dos shoppings -- como se fossem a mesma coisa.


 


Mas não tem jeito. Dinheiro curto em região de metalúrgicos de classe média baixa não é dinheiro suficiente para sustentar escritórios comerciais e apartamentos que se rivalizam em preços com bairros mais bem apetrechados da Capital. Em situação de empate no placar de preço, ou mesmo de inferioridade, prefere-se ainda morar na cidade de São Paulo quando se tem o dia a dia mais intenso naquele território. Morar na Província e trabalhar na Capital é o pior dos traumas metropolitanos. Mas como deixar de trabalhar na Capital se, principalmente o emprego de maior valor agregado em serviços e em comércio está lá? 


 


Providências especiais


 


Desde que decidi meter-me mercado imobiliário adentro, tenho tomado algumas medidas cautelares para não comprar gato por lebre como agente de informação e análise. Primeiro não confio no noticiário da maioria dos jornais, principalmente dos jornais da Província do Grande ABC. O poder de persuasão de Milton Bigucci e de aliados com os quais mantém relacionamentos, principalmente investidores da Capital na Província, recomenda cautela total. Segundo porque o melhor mesmo é ter fontes de informações de gente experiente e ética. Terceiro, ir a campo, comparecer aos locais sob curiosidade.


 


Ninguém melhor que síndicos, zeladores, pessoal de serviços dos condôminos, para prestar informações, além ou principalmente dos próprios empreendedores do setor que tem raízes locais e se veem em situação delicada após a febre de lançamentos e a invasão dos piratas da Capital. Mas há um critério praticamente infalível para tirar qualquer tipo de dúvida: a iluminação das salas de estar no horário noturno, preferencialmente entre 20h e 22h. Quem mora em apartamento passa necessariamente pela sala de estar. É ali que está a TV, rainha de todas as horas que restam ao lazer domiciliar.


 


Se as salas de estar estão predominantemente às escuras, desconfie. As áreas de estacionamento também são outra senha à decodificação dos espaços imobiliários subutilizados, mas são muito mais áridas em termos de acesso. Olhar as salas de estar não custa sequer a aproximação do quadro de colaboradores de um condomínio. Basta erguer o pescoço, deter-se por algum tempo nos alvos preferenciais e está desvendada boa parte da equação desnaturada de excessos de ofertas e restrições econômicas da demanda. Experimentem olhar para os blocos das salas de estar das torres próximas ao Paço Municipal de São Bernardo por volta da novela das nove.


 


Esticamento de prazos


 


Condomínios verticais inteiramente desocupados devem também ser levados em conta na contabilidade dos micos imobiliários. Há muitas torres residenciais com cronogramas comprometidos. As disfunções financeiras e econômicas que já atingem muitos empreendedores são minimizadas com o esticamento do prazo de entrega. É uma maneira aceitável de evitar o pior.


 


No caso das torres próximas ao Paço Municipal de São Bernardo, tanto na Avenida Vergueiro quanto no terreno que sediou durante décadas a Tecelagem Tognato, há escuridões a olhos vistos, há atrasos de construção inegáveis, há micos inquestionáveis.


 


Corretores espertalhões anabolizaram vendas de torres comerciais que pontuam na antiga área da tecelagem contando a lorota de que ali estaria reservado um espaço privilegiado para a sede da Petrobrás, por conta do advento do Pré-Sal. Quem acreditou na chegada da Petrobrás como âncora do empreendimento pagou os tubos. A Petrobrás está construindo em Santos uma sede administrativa para o gerenciamento mais próximo do Pré-Sal. Não teria o mínimo sentido, considerando-se o embaralhamento da mobilidade urbana, ficar a mais de 60 quilômetros do front. Mas a mentira colou e muita gente achou que estava fazendo o melhor negócio do mundo.


 


Nichos lógicos


 


Os nichos do mercado imobiliário na Província do Grande ABC são mesmo, como disseram alguns entrevistados à reportagem do Diário do Grande ABC, publicada ontem, inclusive Milton Bigucci, apartamentos de valores que mal chegam a R$ 250 mil, com não mais que 60 metros quadrados de área útil e localizados longe dos feudos de classe média tradicional. Trocando em miúdos: são imóveis para a classe média baixa, que predomina na região. Mas já há indicativos de que também houve overdose em determinadas localidades. As facilidades de crédito e a longevidade de prazos infestaram o mercado imobiliário de empreendedores de outros ramos. Gente que ouviu a maritaca cantar e foi em frente. Alguns se deram e estão se dando bem, outros já quebraram a cara porque os imóveis estão prontos mas a velocidade de vendas não acompanha às obrigações de desencaixe financeiro. Quem vive exclusivamente do setor sofre as consequências. E deve sofrer mais, porque a tendência é de um processo doloroso de barateamento dos imóveis ou, no mínimo, de brusca desaceleração do ritmo de rentabilidade programado.


 


Quem disser que o mercado imobiliário da Província do Grande ABC está para peixe provavelmente jamais foi a uma pescaria. Os pequenos e médios empreendedores do setor estão estressados entre outros motivos porque não contam com uma entidade de classe capaz de interpretar os fatos e as tendências com a isenção dos sábios. Prefere o comando da Associação dos Construtores misturar realidade e fantasia. Distinguir nichos de micos e micos de nichos é o primeiro sinal de vitalidade corporativa e de responsabilidade social. Quando o mercado imobiliário vira torcida organizada mais que manjada, o melhor é começar a rezar, porque nada impede que nichos virem micos e micos se transformem em uma das variáveis de bolha.


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