Economia

Grande ABC descola-se do Brasil
com massa menor de classes médias

DANIEL LIMA - 12/05/2011

Não tem choro nem vela, muito menos fita amarela: quem anda propagando que o Grande ABC nada de braçadas após o anúncio dos novos estudos de Potencial de Consumo para esta temporada, ao transmitir a ideia de que vivemos o melhor dos mundos, é ruim da cabeça ou doente do pé. O resumo da ópera após a implementação do Plano Real, em 1994, quando, combinado com outras decisões e omissões federais o Grande ABC viveu os piores trechos de sua história econômica, é o seguinte: perdemos mesmo a vitalidade na produção de classes médias. Este é o primeiro de uma série de novos artigos que desenvolveremos sobre o assunto, que nos é familiar há muito tempo.


Nossa mobilidade social, que é o fenômeno de a sociedade mudar de categoria de acordo com o andar da carruagem econômica, está muito aquém da velocidade média brasileira. Ou seja: o Grande ABC que sempre se distinguiu do Retrato do Brasil, exibe perfil menos contrastante com o que é apresentado pelo conjunto dos municípios nacionais. Tudo porque perdemos o fôlego de um lado, e o País, mesmo aos trancos e barrancos, ganhou de outro. Estamos mais próximos da cara do Estado de São Paulo.


Com base no banco de dados colocado à disposição pela IPC Marketing e Editora, do especialista Marcos Pazzini, um dos parceiros mais antigos deste jornalista na busca de entranhas econômicas do Grande ABC, fui a fundo para dinamitar o ufanismo que sempre volta às páginas de jornais da região quando alguns sinais positivos emergem.


O Grande ABC voltou nesta temporada para o quarto lugar no ranking nacional de Potencial de Consumo, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Ultrapassou Belo Horizonte, que ocupava a posição na temporada passada. Ultrapassou da seguinte forma: Belo Horizonte perdeu mais participação relativa que o Grande ABC, porque os dois territórios sofreram reveses. Não só os dois territórios, mas outras áreas metropolitanas. A interiorização do País altera gradualmente o mapa de consumo, que é o mapa da riqueza e da pobreza.


Propositalmente deixei somente para agora a análise dos dados do IPC Marketing. Detinha-os há quase 30 dias. Segurei. Queria ver até onde iam as publicações regionais na abordagem do temário. Não me enganei. Exageram na dose. Já estão achando que o Grande ABC está plenamente recuperado das vicissitudes dos anos 1990, quando passamos os piores trechos do século passado. As informações publicadas restringem-se a períodos áureos do presidente Lula da Silva. Até parece que o passado de Fernando Henrique Cardoso não conta e não faz diferença quando se observa o presente.


Pegamos o período pós-Plano Real, mais precisamente entre 1995 e 2011 para traçar um quadro mais redondo, mais confiável, mais realista, do Potencial de Consumo do Grande ABC. É sempre bom lembrar que a modalidade é espécie de PIB de riqueza construída pelas famílias brasileiras. O PIB autêntico (Produto Interno Bruto) está no âmago do Potencial de Consumo. São quase que irmãos siameses. Um se refere à produção de bens e riquezas, o outro ao que potencialmente as famílias têm para gastar numa temporada. Mais precisamente, o Índice de Potencial de Consumo é resultado de riquezas em forma de salários e rendimentos de capital que se acumularam ao longo do tempo. É o que a população de uma determinada localidade tem para gastar numa temporada. E só tem para gastar porque juntou recursos de geração em geração.


A mobilidade social do Grande ABC, tema de uma Reportagem de Capa que preparei há alguns anos para a revista LivreMercado, foi seriamente comprometida pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O Grande ABC viveu uma fase de desindustrialização que culminou com o esvaziamento econômico que se reflete ainda hoje, apesar de estancamentos durante o governo Lula da Silva, período no qual o PIB nacional cresceu o dobro do anterior.


Comparamos a participação relativa das classes sociais no Grande ABC, no Estado de São Paulo e no Brasil tendo como base de avaliação os estudos da IPC Marketing em três temporadas distintas: em 1995, primeiro ano pós-implantação do Plano Real, 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, e 2011, primeiro ano do governo Dilma Rousseff, cujos números estão conectados com o último ano presidencial de Lula da Silva. Vejam o que se deu e verifiquem por que afirmamos que nossa base social enfraqueceu para valer o poder de mobilidade, principalmente no topo social.


Entre os ricos:



  • O Grande ABC contava com parcela de 6,90% de ricos em 1995, 5,26% em 2002 e 6,60% em 2011.
  • O Estado de São Paulo registrava na sequência os seguintes números: 6,46%, 6,03% e 6,0%.
  • O Brasil contabilizava 4,40%, 4,57% e 4,10%.

Percebe-se com clareza que foi o Grande ABC quem mais sofreu durante o governo FHC. No final da corrida dos ricos, a participação relativa interna modificou-se muito pouco. Os percentuais de rebaixamento do segmento são semelhantes: o Grande ABC perdeu internamente 4,34% do contingente, o Estado de São Paulo 7,12% e o Brasil 6,12% no período.


Entretanto, quando se colocam dados que mostram a participação relativa de ricos do Grande ABC em relação aos paulistas e aos brasileiros, a situação é fortemente desfavorável ao Grande ABC.



  • O Grande ABC contava com 2,92% dos ricos brasileiros em 1995, caiu para 2% em 2002 e subiu para 2,53% em 2011. Resultado final: queda de 13,35%. No Estado de São Paulo, a participação dos ricos do Grande ABC era de 7,23% em 1995, caiu para 5,52% em 2002% e cresceu para 7,06% em 2011. O resultado era esperado, porque o Estado de São Paulo avançou bem menos que a média brasileira em Potencial de Consumo no período de 1995 a 2011.

Entre a classe média tradicional



  • O Grande ABC contava com 30,05% de classe média tradicional em 1995 em relação ao conjunto da população local. O índice caiu para 28,38% em 2002 e subiu para 41,30% em 2011. Um crescimento relativo de 37,43%.
  • O Estado de São Paulo contava com 22,73% de classe média tradicional em 1995, cresceu para 24,30% em 2002 e subiu para 38,80% em 2011. O crescimento relativo de 70,70% , ou 88,8% acima do Grande ABC.
  • Brasil detinha 15,80% de famílias de classe média tradicional em 1995, cresceu para 17,76% em 2002 e chegou a 30,6% em 2011. O avanço foi de 93,67%, ou 150% acima do Grande ABC e 32,49% superior ao Estado de São Paulo.

Os números da classe média tradicional explicitam o quanto a economia do Grande ABC reduziu o ritmo no período pesquisado, sempre sob a influência deletéria dos anos-FHC. Quando se observa o outro lado da moeda e que confronta o contingente de classe média tradicional residente no Grande ABC, com o Estado de São Paulo e o Brasil, o decréscimo é palpável:



  • Em 1995 o Grande ABC contava com 9,14% das famílias de classe média tradicional no Estado de São Paulo e 3,62% do País, ante 10,70% e 2,78% em 2002 e, finalmente, 10,68% e 2,16% em 2011. Se houve pequena evolução no embate interno entre os paulistas, de 9,14% para 10,68%, no nacional a perda foi estrondosa, de 23,20% no período. Esse é o resultado da queda de 3,62% para 2,16%.

Entre a classe média emergente


Para completar o diagnóstico de hoje, chegamos à classe média emergente, fenômeno típico dos anos-Lula da Silva. O Grande ABC também leva uma surra do Estado de São Paulo e principalmente, do Brasil quando se confrontam números relativos. Situação que, insisto pedagogicamente, se traduz na falta de tônus econômico para dar saltos que no período anterior à desindustrialização eram comuns.



  • Em 1995 a classe média emergente do Grande ABC representava 37,82% das residências locais, contra 36,44% de 2002 e 41,60% de 2011. Um crescimento de 9,99%.
  • No Estado de São Paulo, a classe média emergente representava 33,74% das famílias em 1995, ante 37,70% em 2002 e 43,50% em 2011. Crescimento de 28,92%. Nada menos que 191% superior ao Grande ABC.
  • No Brasil, a classe média emergente representava 26,34% da população em 1995, evoluiu para 30,56% em 2002 e deu um salto para 49,30% em 2011. Resultado final? Crescimento relativo de 87,16% no período, ou seja, 201,38% acima da média do Estado de São Paulo e 772,47% superior ao Grande ABC.
  • Quando se busca outro campo para definir a participação da classe média emergente do Grande ABC em relação ao Estado de São Paulo e ao Brasil, o que temos é o seguinte:
  • O Grande ABC contava com 7,59% dos emergentes do Estado de São Paulo e 2,67% do Brasil em 1995, caiu para 6,46% no Estado de São Paulo e 2,07% no Brasil em 2002 e voltou a registrar derrotas em 2011, quando ficou com 6,14% dos emergentes paulistas e 1,35% dos emergentes brasileiros. A perda relativa no período é de 14,88% para o Estado de São Paulo e 49,43% para o Brasil.

Deixamos para depois a abordagem sobre os pobres e miseráveis, espectros que não apresentam grandes diferenciações entre as três áreas geográficas que utilizamos para embates, ou seja: Grande ABC, Estado de São Paulo e Brasil revelam comportamentos semelhantes. O que de certa forma confirma a fragilização do tecido econômico da região, incapaz de obstar a redução de infortúnios.


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