Economia

Mercadores imobiliários seguem a
patrocinar mensalões e mensalinhos

DANIEL LIMA - 19/11/2012

Os pequenos negócios de construção civil e do mercado imobiliário sofrem terrivelmente com a concorrência desleal dos grandes players. Na Província do Grande ABC não seria diferente. A desproporção de forças é tão grande e tão tremendamente viciada que não resisto a uma sugestão: para que o julgamento do mensalão não entre para a historiografia da corrupção no País como exceção à regra de seriedade e moralidade, o setor imobiliário deveria passar por pente finíssimo do Judiciário.


 


Temos na região série de irregularidades denunciadas e comprovadas, mas nada de efetivo em termos de punição se dá. Muito pelo contrário: há um jogo de interesses cruzados tão enraizado que é melhor não acreditar em Papai Noel.


 


Querem um exemplo claro, cristalino, insofismável e dilacerante, para ser bem dramático, do que se apresenta por aqui? Os leitores sabem por acaso quem foram os prefaciadores do livro (livro é força de expressão, porque algo que mereça essa denominação precisa de conteúdo, credibilidade e talento) do empresário da construção civil, Milton Bigucci, que versa (vejam só, acreditem quem quiser) sobre responsabilidade social? A resposta reta e direta, em duas partes:


 


a) Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo, Município no qual está à disposição de todos, inclusive com encaminhamento ao Ministério Público e à Procuradoria Geral do Município, um dossiê completo sobre o fraudulento leilão de uma área pública arrematada por Milton Bigucci, ao vivo e em cores (pálidas, pálidas, muito pálidas);


 


b) Gilberto Kassab, prefeito da Capital, território onde recentemente a mídia paulistana denunciou série de irregularidades envolvendo o então titular de um departamento de liberação de obras, descoberto em flagrantes delitos, proprietário de mais de uma centena de imóveis num prazo recorde.


 


Note-se, portanto, que, a obra intelectual (também é força de expressão, claro) de Milton Bigucci é o somatório, senão a multiplicação, de agentes pecaminosos, quer direta, quer indiretamente. Primeiro, o próprio autor, pego em flagrante delito. Segundo o prefeito Luiz Marinho, cuja morosidade para apurar as irregularidades é de pasmar, sabedor das denúncias desta revista digital. Terceiro, o prefeito paulistano, que saiu pela tangente sem que lhe apertassem o cerco, porque lhe é mais interessante e importante discutir política e arrumar os caminhos para o agigantamento do partido que criou do nada.


 


Falta celeridade


 


O mais impressionante em tudo isso é que por mais que pipoquem escândalos atrás de escândalos no mercado imobiliário (meus arquivos estão recheadíssimos de casos), nada efetivamente ocorre como desdobramento judicial com a celeridade desejada, entre outros motivos porque se entopem os tribunais de ações de todos os tipos e o Ministério Público está engolfado por demandas que se contrapõem à limitadíssima infraestrutura material e de recursos humanos.


 


Com tudo isso, construtoras e incorporadoras de grande porte seguem nadando de braçadas. Querem um exemplo?


 


Deu na Folha de S. Paulo de sábado, 10 de novembro, sob o título “Construtoras são as maiores doadoras da Câmara de SP”, uma reportagem emblemática sobre o poder de sedução do setor sobre as administrações públicas. Leiam alguns dos principais trechos daquela matéria:


 


 As empresas do setor da construção civil e do mercado imobiliário foram as que mais doaram diretamente aos vereadores eleitos à Câmara Municipal de São Paulo. Ao menos 59 empresas dos dois ramos investiram pouco mais de R$ 5,1 milhões, o que corresponde a 27% de tudo o que foi doado aos eleitos diretamente por empresas. No total, as campanhas arrecadaram R$ 46,8 milhões, mas a maior parte disso – R$ 27,8 milhões foi repassada pelos partidos políticos, o que impede a identificação do doador original. (...) Em 2013, os vereadores decidirão um tema sensível ao setor: o novo Plano Diretor, norma que orienta o desenvolvimento urbano por mais de uma década. Além disso, passa pela Câmara a regulamentação das operações urbanas, que envolvem construção de obras viárias.


 


Três dias depois, foi a vez de o Estadão invadir a grande área do mercado imobiliário e as eleições paulistanas, sob o título “Construtoras dominam doações para PT e PSDB”. Vejam alguns trechos da matéria:


 


 Construtoras e empresas do setor imobiliário doaram pelo menos R$ 7,6 milhões em São Paulo aos comitês de campanha do PT e do PSDB, partidos que disputaram o 2º turno na eleição para a Prefeitura com Fernando Haddad e José Serra, respectivamente. O valor representa 62% das doações depositadas diretamente nas contas abertas das duas legendas na capital paulista. (...) Construtoras e empresas do mercado imobiliário fizeram nove das dez maiores doações recebidas diretamente pelo comitê que financiou parte da campanha de Haddad, prefeito eleito, e das candidaturas a vereador do PT. No caso de Serra e de seus aliados, o setor representou sete dos dez maiores repasses. Os números são apenas uma pequena parcela das doações recebidas pelos candidatos a prefeito e vereador nas eleições deste ano. Mais de 80% dos repasses aos comitês financeiros não podem ser rastreados, pois foram feitos de maneira indireta por diretórios nacionais, estaduais e municipais.


 


Jogo de cartas marcadas


 


Ora, não é preciso ser Sherlock Holmes para entender o nome desse jogo mais que manjado, que, repito, sacrifica e nocauteia a competitividade entre empresas do setor imobiliário. Quando se considera que especialistas do ramo de financiamento eleitoral asseguram que os valores identificados não passam de 30%, no máximo, do total encaminhado, porque o caixa dois é utilizado com frequência exacerbante, têm-se o tamanho do rombo de traquinagens. Não é exagero algum sustentar a tese de que os administradores públicos que patrocinam tantos mensalinhos nas mais diferentes instâncias vivem de mensalões dos grandes empreendedores imobiliários. Descobri-los é tão fácil quanto tomar banho de sol no verão: basta investigar a fundo as aprovações de obras em confronto com a legislação de cada Município. E aí que mora todo o pecado. Aliás, quando do escândalo do Semasa, um dos envolvidos, o advogado Calixto Antônio, fez exatamente essa proposição.


 


Foi assim, vasculhando as imundícies, que o Ministério Público Eleitoral obteve em novembro de 2010 a condenação da Associação Imobiliária Brasileira (AIB) ao pagamento de multa eleitoral de R$ 30,8 milhões por doações ilegais feitas a candidatos a vereadores e a prefeito de São Paulo em 2008, no valor de R$ 5,8 milhões. A condenação foi resultado de ação proposta pelo promotor de Justiça Eleitoral da 1ª Zona da Capital, Maurício Antônio Ribeiro Lopes. A multa aplicada é uma das maiores da história da Justiça Eleitoral brasileira e corresponde a cinco vezes o valor das doações.


 


Na decisão, conforme relatou o Estadão, o juiz eleitoral da 1ª Zona, Aloísio Sérgio Rezende Silveira, registrou: “O Ministério Público Eleitoral juntou documentos que apontam a Associação Imobiliária Brasileira (AIB) como fonte indireta de captação ilícita de recursos”. Na sentença, o juiz disse também que “não é necessário nenhum esforço de intelecção para divisar na existência da AIB uma verdadeira fraude à lei, justamente para encobrir doações de eventuais fontes vedadas, dentre elas, entidade de classe ou sindical. É um simulacro de associação, que não tem atividade própria, funcionários e nem mesmo associados há, o que foi confessado por seu representante legal”.


 


Para que serve?


 


A condenação acabou de vez com uma situação jurídica embaraçosa, já que o Ministério Público Eleitoral já havia pedido a cassação de Gilberto Kassab e de mais 24 vereadores.  As cassações foram revertidas pelo TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo). O promotor público acusou a AIB de ser uma entidade de fachada do Secovi-Sp, sindicado do setor imobiliário, proibido por lei de fazer doações. O Secovi negou possuir qualquer vínculo com a AIB e que jamais fez doações eleitorais. Atribuiu-se naquele período nos bastidores do setor imobiliário um papel político-eleitoral da Associação dos Construtores imobiliários do Grande ABC semelhante ao da AIB. A Associação dos Construtores também é um simulacro de entidade classista. Desde que CapitalSocial passou a denunciar a fragilidade da atuação da entidade, há mais de duas décadas sob a presidência de Milton Bigucci, algumas medidas cosméticas, sem entranhamento com a classe e principalmente com a sociedade, foram acionadas para enfeitar o pavão. Bigucci é membro do Conselho Consultivo do Secovi e jamais respondeu a CapitalSocial sobre as suspeitas de que a Associação dos Construtores seria espelho da AIB.


 


O resumo da ópera parece incontestável: enquanto os mecanismos do Judiciário não forem acionados de forma implacável no rastreamento das relações historicamente incestuosas entre grandes empresas do mercado imobiliário e gestores públicos, casos como o do Residencial Ventura, da Cidade Pirelli, do Marco Zero, do Semasa e de tantos outros seguirão praticamente impunes e a alimentar a produção de fortunas de gestores públicos e empresários inescrupulosos que entopem o sistema viário metropolitano com torres comerciais e residenciais insólitas, ao sabor de insidiosa ocupação espacial que, além de quebrar ainda mais a espinha dorsal da qualidade de vida, obriga o Poder Público a gastar rios de dinheiro em operações que não passam de um eterno enxugar de gelo. 


 


Quando os anseios de moralidade e Justiça emanados do julgamento do mensalão vão chegar ao mercado imobiliário? 


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