Economia

É sempre assim: basta uma brecha
para o triunfalismo se manifestar

DANIEL LIMA - 01/03/2011

O Grande ABC que recepcionou no passado acadêmicos, políticos e empresários sempre dispostos a agradar as lideranças locais em público e reservar comentários depreciativos nos bastidores, reinaugurou onda de louvação econômica. Reinaugurou é força de expressão, porque basta surgir oportunidade para que máscaras do endeusamento caiam.


Na semana passada, na sede do Clube dos Prefeitos, também sede da Agência de Desenvolvimento Econômico, representantes do Sebrae-SP e da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) deitaram e rolaram sobre números parciais do PIB (Produto Interno Bruto) do ano passado.


É claro que, convenientemente, deixaram de lado dados comparativos com os do ano anterior, ainda sob efeitos da crise econômica internacional, quanto de passado mais remoto, desconfortáveis para uma região que sofreu emagrecimento corrosivo enquanto lideranças reagiram como músicos do Titanic.


Pelas informações que recolhi dos jornais impressos e digitais que cobriram a jornada de proclamação do Grande ABC como potência econômica ressurgente, as declarações de Valter Moura, diretor da Agência de Desenvolvimento Econômico, foram dignas dos piores momentos de João Batista Pamplona? Quem foi Pamplona: um economista que caiu de paraquedas no final dos anos 1990 na Agência com série de fantasias.


Nada surpreendente nas declarações de Valter Moura. Essa é a profissão a que se dedica esse dono de muitos empreendimentos imobiliários no Grande ABC e a quem não interessa, evidentemente, qualquer tipo de noticiário que atrapalhe seus negócios. Aliás, nada diferente dos grandes latifundiários urbanos, exconjuradores dos críticos.


Valter Moura deveria ser impedido de atuar em entidade pública com o grau de exposição e manipulação com que opera simplesmente porque há conflito de interesses a contaminar suas declarações.


Poucos o levam a sério depois de mais de duas décadas de omissões à frente da Associação Comercial e industrial de São Bernardo, mas há sempre incautos que podem ser conduzidos a um panorama fora da realidade.


Querem ver se estou exagerando? Reparem no trecho da matéria publicada pelo jornal digital ABCD Maior de quinta-feira passada, dia 24 de fevereiro, após a reunião do Sebrae e da Fipe na Agência:


O diretor da Agência de Desenvolvimento Econômico, Valter Moura, destacou a capacidade de superação econômica da região. “No ano passado crescemos mais do que a média do País, mesmo após uma crise econômica que prejudicou muito a indústria do ABCD. Continuamos sendo um dos maiores pólos comerciais e industrial do Brasil, com PIB de R$ 75 bilhões” — afirmou. “Temos diversos Arranjos Produtivos Locais e polos de empresas, apoiados por nós e outras instituições com o Sebrae-SP”.


Vamos dissecar as declarações de Valter Moura:


Os números que marcam a recuperação do PIB do Grande ABC até o terceiro trimestre do ano passado não são mais que a reposição de perdas registradas no ano anterior, por conta da crise no sistema financeiro internacional. Movido a indústria automotiva, beneficiadíssima com a política econômica do governo Lula da Silva, a quem Valter Moura combateu no passado, o Grande ABC só poderia mesmo reagir. Pena que ainda seguimos dependentes demais do setor automotivo.


Ou seja: a recuperação do Grande ABC não passa de recomposição econômica no curto prazo. Quando se afastam instrumentos de medição do presente, indo a fundo no passado, o que se enxerga é, por exemplo, em relação a 1975, uma perda relativa do PIB de mais de 50%. Mais recentemente, nos últimos 16 anos pós-Plano Real e mesmo com os anos dourados de Lula da Silva, ainda registramos perda de um terço da capacidade produtiva. O PIB do Grande ABC marca no período perda média anual de mais de 1%.


É claro que felizmente continuamos a ser um dos grandes polos industriais e comerciais do País, mas, como temos mostrado à exaustão, cada vez menos importante no concerto nacional. Paramos no tempo por conta de gente como Valter Moura, espécie de sanguessuga institucional do Grande ABC.


Para completar, é o cúmulo da cara de pau avocar os Arranjos Produtivos Locais, absolutamente oníricos no Grande ABC, como prova de suporte da Agência.


Valter Moura contamina o ambiente regional de comodismo e triunfalismo, quando o discurso deveria ser outro, de inquietação, de transformação, de mudança do perfil do emprego que se concentra em atividades de baixo assalariamento, contrapartida inevitável da escassa formação técnico-educacional.


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