Adivinhe quem é capaz de negar que o mercado imobiliário vive situação preocupante? É claro que estou me referindo aos mercadores imobiliários menos escrupulosos. Só nega que o mar não está para peixe quem fecha os olhos à realidade, quem quer continuar ganhando à custa da credulidade dos leigos, quem acha que pode manipular o tempo todo, quem não se conforma com a realidade dos fatos, quem sonha que o baixo crescimento do País é capaz de sustentar a atividade imobiliária apenas porque o crédito continua farto.
Tudo o que é cor de rosa está condensado, sacramentado, juramentado, consolidado nas declarações do presidente da Associação dos Construtores do Grande ABC, entidade que a bem da verdade deveria denominar-se Associação de Alguns Construtores Imobiliários de São Bernardo ou, se formos ainda mais corretos, deveria se resumir à Associação dos Poucos Amigos Construtores de Milton Bigucci.
É sim um exagero a marca de Associação dos Construtores do Grande ABC, mas para facilitar o entendimento dos leitores, seguiremos a adotá-la, sempre com o adendo, mesmo que não necessariamente explicitado a cada texto, de que é apenas de um braço de negócios do conglomerado empresarial comandado por Milton Bigucci, muito competente como construtor. Entendendo-se competência como algo genérico, conceitualmente amplo, sem detalhismos, portanto.
Mas vamos ao que interessa. E o que interessa é reafirmar uma situação que preocupa por demais os empresários mais respeitados do setor imobiliário, geralmente de pequeno e médio porte. Nada a ver, portanto, com os mercadores imobiliários, igualmente preocupados mas que sempre dão um jeito de manipular informações. Foi o que fez Milton Bigucci numa entrevista publicada segunda-feira no jornal Bom Dia ABCD. Bigucci disse com todas as letras, vírgulas e subjetividades que os preços dos imóveis não baixarão. É claro que não baixarão, porque já baixaram. E vão baixar muito mais. A especulação imobiliária só pega no contrapé quem está descuidado e se deixa levar pelo noticiário de jornais alheios aos fatos.
As declarações de Milton Bigucci foram impressas um dia após uma das principais empresas do setor no País, a Even, anunciar durante dias e dias e realizar no final de semana uma megaliquidação de imóveis na Região Metropolitana de São Paulo. Os descontos chegaram a 30%. Quem forçou um pouquinho a barra conseguiu bem mais.
Só deverão resistir à redução de preços os proprietários de imóveis já consolidados na área comercial e adequadamente lançados na área residencial. Os lançamentos dos últimos anos em geografias inapropriadas ou excessivamente expostas a ofertas já estão irreversivelmente comprometidos. Quem acreditou no sucesso daqueles empreendimentos residenciais e comerciais no entorno do Paço Municipal de São Bernardo não sabe mais o que fazer. Há promoções disfarçadas mas enlouquecidas de preços. Nem assim há compradores. Falta demanda. E quando não há demanda em ritmo esperado para desovar estoques, a lei da oferta e da procura é cruel: baixam-se os preços. Menos, é evidente, nas declarações de Milton Bigucci.
Falta um MP Imobiliário
O que mais se lamenta nessas preliminares de uma bolha imobiliária latente é o descaso das autoridades
Já passou da hora de o Ministério Público criar uma divisão técnica que trate do mercado imobiliário. É indispensável que se formem especialistas em perscrutar as engrenagens apodrecidas que movem mercadores imobiliários intimamente próximos a agentes públicos que decidem os rumos das administrações. Muito do caos urbano das regiões metropolitanas derivam de espertalhões travestidos de empresários que se juntam a técnicos e agentes políticos infiltrados legalmente ou por baixo dos panos nas instâncias de governo.
Fosse esse um País mais sério, mais comprometido com os direitos dos contribuintes, dos consumidores, dos poupadores, dos eleitores, enfim de tudo que se multiplica em forma de sociedade, há muito se aplicariam medidas punitivas aos propagadores de ilusão deliberadamente enviesados à propaganda enganosa.
Liberdade de expressão é um bem inalienável, mas a contrapartida de responsabilidade é imperativa. Entretanto, o que temos particularmente entre mercadores imobiliários, que usufruem de força econômica quase coercitiva na manipulação da mídia, é uma sequência de atentados à saúde financeira dos cidadãos, no caso consumidores de moradias e mesmo de imóveis para sediar empreendimentos.
Festival de agressões
Sem qualquer exagero, o que se registra no mercado imobiliário é um festival de agressões à saúde financeira dos cidadãos que em praticamente nada difere do marketing da indústria farmacêutica a prometer milagres como couros cabeludos onde só restam vastas calvícies, peles macias onde brotoejas dão as cartas, barrigas tanquinho onde se amontoam quilos e quilos de descuidos com alimentação e sedentarismo e coxas lisinhas onde pululam celulites. Um mercado imobiliário minimamente ético é o pressuposto em respeito à sociedade.
O Secovi, sindicato da habitação, que outro dia divulgou espécie de mandamentos éticos, precisa deixar a retórica e atuar incisivamente nesse sentido. Para começar, deve dar transparência completa às estatísticas que divulga sobre o balanço imobiliário. E isso não é pouco, porque, como os dados da Associação dos Construtores do Grande ABC incorporados àqueles estudos são furados, incompletos, inconfiáveis, o bolo inteiro fica comprometido. Não estariam as demais porções igualmente afastadas da verdade dos fatos?
Não seriam os números do Secovi macronúmeros manipulados? Transparência -- eis a palavra mágica capaz de desanuviar a desconfiança mais que fundada. No caso da Associação de Milton Bigucci, o desafio já foi colocado por esta revista digital e a resposta foi o silêncio de quem sabe que não tem metodologicamente nada respeitável a exibir.
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