Imprensa

Mundo vai ficar mais próximo a
partir de janeiro do ano que vem

DANIEL LIMA - 28/11/2012

Estou começando a perder o sono e isso não tem nada a ver com o Mundial de Clubes. Viajar de avião não é problema porque simplesmente não viajo. É problema para quem precisa viajar e detesta viajar. Estou perdendo o sono porque espero que até meados de janeiro do ano que vem todo o arquivo profissional esteja ao meu lado, aqui no escritório corporativo, não mais no escritório domiciliar. Vou trazer o mundo para mais perto de mim. Por isso estou perdendo o sono. Da última vez que decidi mergulhar no arquivo para descartar o que entendia descartável não tive escapatória: escrevi o livro “Meias Verdades”, disponível nesta revista digital. Foi triste constatar quanto vendem de mentiras inteiras e de meias verdades à Imprensa sem que a própria Imprensa se dê conta – quando não vira aliada conveniente.


 


A logística de eventual suporte aos meus escritos não é das melhores faz tempo, muito tempo. O arquivo de mais de 200 mil textos em papel de páginas de jornais, revistas e impressos de computador está a uns 10 metros de distância. Dez metros e algumas escadas sótão acima. Parece pouco, mas mesmo para quem não perde a forma física correndo praticamente todos os dias, nas ruas ou na bicicleta ergométrica, é obstáculo demais. O corpo suporta bem as subidinhas e descidinhas, apesar da escadinha estreita de degraus lisos, mas nem sempre a mente está disposta à concessão de alguns minutos de trajetória à consulta.


 


Com os arquivos de papel diante de meus olhos e a dois passos de minhas pernas, o bicho vai pegar ainda mais. Vou ser muito mais incisivo, porque não terei de confiar demais na memória. Optarei preferencialmente pela documentação, pela transcrição, pela promessa irrealizada, pela promessa furada. Os fanfarrões vendedores de ilusão, por acreditarem que a memória do povo é curta, vão se dar mal. Terei aquelas pastas suspensas mais à mão. São mais de três mil unidades, distribuídas por quase três centenas de pastas-mãe. Tudo tematizado e separado em ordem alfabética. Tudo selecionado e lido por mim ao longo de duas décadas.


 


Faxina custosa


 


Há 10 anos, quando empreendi uma senhora faxina, me dei mal. Sofri com a descoberta de tantas bobagens dos entrevistados dos veículos que consumo. Praticamente um terço do material virou insumo de “Meias Verdades”.  Agora não imagino quantas páginas vão me desencantar. Não serão proporcionalmente tantas, porque apurei o conceito de arquivamento.


 


Tenho tudo sobre quase tudo nos arquivos de papel. Escolha um tema? Está lá. Escolha alguma celebridade? Está lá também. Escolha alguém que tenha estado no noticiário mesmo sem ser celebridade. Está lá.


 


Outro dia me solicitaram material sobre as eleições deste ano em São Paulo para um trabalho acadêmico. Fui aos arquivos e colhi um calhamaço. Tudo na pasta de “Eleições – 2012 – São Paulo”. Se o pedido se referisse a qualquer um dos municípios da Província do Grande ABC, a resposta seria a mesma. Também atenderia se o objetivo fossem aspectos gerais das eleições estaduais no Brasil neste ano. Ou de quatro anos atrás. Ou de oito anos atrás. Ou de 12 anos atrás.


 


É por essas e outras que dou de ombros quando leio em jornais que determinado fulano é jornalista, só porque é dono de jornal, só porque andou escrevendo umas bobagens em jornais e revistas, só porque acha que a eliminação da obrigatoriedade de cursar a especialidade autoriza todos os penetras a se identificarem como jornalistas. Jornalista de verdade vive jornalismo dia e noite. É capaz de fazer qualquer coisa para seguir jornalista. Não se conforma com tentativas arbitrárias de censura de material sob qualquer pretexto, porque jornalista de fato não brinca com os fatos. É contundente assim como conciliador, dependendo das circunstâncias e da coerência. Jornalista de verdade não tem vergonha de desdizer amanhã o que disse hoje, desde que o que disser amanhã seja a verdade que acreditava ter dito hoje.


 


Mais malandros


 


Quando o mundo que me cerca estiver mais próximo de mim, os falastrões que se cuidem, porque vou vasculhá-los ainda mais. Vou destrinchá-los sem dó. A imensidão de gente boa que está por aí será devidamente lembrada, porque o mundo também é feito de gentes boas. A distribuição não é equitativa. Aliás, é muito desproporcional em benefício dos malandros que ocupam principalmente as páginas de jornal, mas há uma leva razoavelmente numerosa que se salva.


 


Estou perdendo o sono ante a possibilidade de não me conter na fase de mudança das pastas de arquivo do domicílio para o corporativo. Não são nem cinco quilômetros de viagem, mas não resistirei a uma checagem gradual de pasta por pasta na expectativa de reduzir um pouco o volume imenso que toma conta das modestas prateleiras do sótão.


 


No escritório corporativo armários mais apropriados e elegantes estarão à espera dos personagens e dos fatos que marcam meu dia de trabalho muito além de uma leitura rápida e do descarte imediato, como ocorre com a maioria dos leitores e, acreditem, com a quase totalidade dos jornalistas. Entregar-se diariamente à consulta meticulosa dos jornais e revistas, num ritual que para a maioria não passa de simples leitura, é a essência de minha atividade profissional. Por isso às vezes posso passar a impressão de intolerância, principalmente com alguns cabeçudos que caem de paraquedas nesta revista digital, não têm conhecimento pretérito para julgamentos e me enchem o saco – se me permitem a sinceridade da expressão. Outros, em compensação, contribuem espetacularmente. Inclusive com críticas fundamentadas.


 


Tenho muitos ídolos nas pastas de arquivo que trarei para bem perto de mim. Ídolos de todas as áreas, inclusive do jornalismo. Enganam-se aqueles que imaginam que seja este jornalista um ser frio, calculista, implacável. Se o fosse, não teria promovido sempre por critérios meritocráticos a entrega de 1.718 troféus do Prêmio Desempenho a pessoas físicas e jurídicas da região ao longo de 15 anos. Tenho uma paixão imensa pela vida e as pastas, principalmente as pastas que se referem a pessoas, são minhas melhores companhias. Diria, sem exagero, que estou em cada página de meus arquivos entre outras razões porque ali está, em cada linha impressa e avidamente lida, um pedacinho de meu cotidiano. Não é por outra razão que não frequento atividades sociais e seleciono interlocutores. A brevidade da vida nos impõe racionalidade a convívios mais salutares.


 


Mundos complementares


 


Sei que não falta quem não entenda meu arquivo de papel quando estamos em plena Era da tecnologia e a Internet está ao alcance de todos. Compreendo a contraposição. Também sou um rastreador da Internet, seleciono artigos e os imprimo para arquivá-los, depois de definir o lugarzinho que tomarão nas pastas. O que muitos não entendem é que arquivos digitais e arquivos físicos são complementares. A diferença fundamental é que os arquivos digitais não são editados, enquanto meu arquivo físico segue regras de facilidade e segurança à consulta. A digitalização de meu arquivo de papel, outro argumento dos tecnólogos, não eliminaria o conceito de praticidade de manuseio. Resisto, portanto, aos fundamentalistas da tecnologia que, invariavelmente, se pretendem sentenciadores cruéis do suposto obsoletismo de quem acredita e bota fé nas particularidades do papel como elemento de imantação consultiva.  


 


A base da monografia sobre as eleições deste ano em São Paulo que repassei à análise da solicitante foi selecionada em não mais de 60 minutos, porque é a ponta final de uma metodologia que começa quando leio cada texto e defino o destino a ser dado para consulta futura. O mesmo material não está disponível integralmente na Internet, sem contar que juntá-lo cronologicamente e com as especificidades de meu trabalho seria algo como encontrar uma agulha no palheiro.


 


A integração entre consulta digital e consulta física é o melhor caminho para quem quer dar respostas a qualquer tipo de trabalho de comunicação porque eventuais buracos são compensados pela outra plataforma. Quem disser o contrário está convidado a um teste. Tente escrever sobre a General Motors do Brasil nos últimos cinco anos levando em conta apenas o material de fácil acesso na Internet. A demora será irritante. Em 30 minutos tenho tudo selecionadíssimo, tematizado e pronto para consulta.


 


Paixão pelo papel


 


Entenderam uma das razões da paixão pelas pastas de papelão? Há toda uma sistemática organizacional a facilitar qualquer tipo de tarefa que exija bases sólidas de informação.


 


Entenderam uma das razões de estar perdendo o sono por conta da mudança de endereço de personagens e fatos que marcam minha vida profissional?


 


Quem não é do ramo jornalístico mas se acha jornalista jamais vai entender essas supostas filigranas que não pretendem outra coisa senão obter o respaldo de credibilidade dos leitores. Mesmo que uma parte dos leitores deteste a sustentabilidade dos arquivos porque, como determinados agentes públicos e privados, gostariam imensamente que o passado de bobagens fosse simplesmente esquecido. É essa responsabilidade de não perder o contato com o passado de verdade e o passado de mentirinha que estão nas pastas de arquivo que me tira o sono. Não é o avião para o Japão, não.   


 


A propósito, acrescentei à primeira página desta revista digital o artigo “Temperamento e caráter”, sobre a confusão que os ignorantes fazem entre uma coisa e outra. “Estou com vontade de escrever um novo livro, depois de “Complexo de Gata Borralheira”, “Meias Verdades”, República Republiqueta” e “Na Cova dos Leões”. Não resistiria a incluir “Temperamento e caráter”. Até mesmo para que a distinção ganhasse certo impulso junto a formadores de opinião que confundem alhos com bugalhos.


 


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