O Domo é um dos micos imobiliários espalhados pela Província do Grande ABC. Lançado no terreno de mais de 44 mil metros quadrados que durante décadas sediou a então endividadíssima Tecelagem Tognato, o empreendimento demandará muito tempo para atingir mesmo que parte do projeto.
Uma nova centralidade comercial, de serviços e residencial prometida ali, a algumas dezenas de metros do Paço Municipal e praticamente tendo o Shopping Metrópole como requintado quintal, está muito aquém da expectativa gerada.
O cronograma de obras do Domo é preguiçosamente esticado. A ocupação de uma ou outra torre residencial e comercial é malemolente. Não há como negar que exageraram na dose de otimismo. O preço do metro quadrado tanto residencial quanto corporativo já foi rebaixado várias vezes. E seguirá em frente, ante a escassez de demanda. Na terra de metalúrgicos, mesmo de metalúrgicos das montadoras de veículos, de salários mais altos do que a maioria dos vencimentos de trabalhadores de outras atividades, o buraco habitacional e de negócios é muito mais embaixo.
Tipificações de crimes
Fosse o mercado imobiliário uma atividade diretivamente mais séria e responsável, não uma variável empresarial de torcida organizada que provoca muito mais estragos que quaisquer gaviões da fiel, torcida independente, sangue santista ou mancha verde nos piores momentos de rivalidade, a sociedade seria informada de forma massificada sobre a situação verdadeira não só do empreendimento localizado no coração de São Bernardo, mas de todos os demais.
Fosse outra a realidade penal, os falastrões seriam banidos por força de legislação específica. Ou os leitores entendem que é exagero sugerir que mercadores que vendem ilusões aos adquirentes de casas, apartamentos e salas comerciais são diferentes dos batedores de carteira nas imediações de estabelecimentos bancários, ou de arrombadores de caixas eletrônicos?
Quem acha que exagero na dose de sugestão de punibilidade certamente não tem o alcance dos estragos sociais que os cenaristas sem pudores impõem às poupanças alheias, muitas das quais cultivadas ao longo de anos e anos de trabalho.
Fazer um bom negócio e ganhar dinheiro dentro das regras de um capitalismo salutar é uma coisa. Utilizar-se de lobbies nos meios de comunicação para driblar o distinto público é outra, bem diferente. A crise que devastou o mercado imobiliário em vários pontos do Primeiro Mundo foi incrementada com o fermento da ganância que impera entre os mercadores imobiliários protegidos pela mídia. Há farta literatura sobre isso.
São Bernardo de ilusões
O Domo ancorou numa São Bernardo que não existe -- ou não existe na dimensão e na proporção que os ilusionistas vendem com a maior cara de pau do mundo. Moradias verticalizadas a preços da Capital não resistem ao Complexo de Gata Borralheira destas bandas. O luxo é um compartimento minúsculo na Província do Grande ABC. Cabe mais nos guetos paulistanos, relativamente mais amplos quando comparados ao que temos por aqui. Construtoras e incorporadoras vão atrás de estatísticas furadas, imaginando que aqui existe um Eldorado a ser explorado, e batem com a cara na porta do desencanto.
O Domo é um mico à espera de interessados. E faz estragos na vizinhança. O Shopping Metrópole ganhou recentemente mais de três dezenas de lojas por conta do entusiasmo industrializado sob medida para elevar a expectativa de fluxo de consumidores gerado a partir da ocupação residencial e corporativa do Domo. O investimento foi elevadíssimo, mas os resultados são estonteantemente sofríveis. A nova ala de lojistas bate cabeça. Vários espaços já contam com outros inquilinos. E haja paciência com os corredores vazios.
Os tais milhares de novos consumidores egressos das torres comerciais e residenciais do Domo não aparecem. Aquela selva de cimento armado é uma tormenta a aumentar a dor de todos. Não é uma frustração subjetiva ou mesmo material que se joga numa gaveta qualquer. O Domo está ali, implacável, em alguns pedaços pujantes, prontíssimo para ser ocupado por gente e empresas que resistem em chegar; em outros ainda à espera de operários para deixar a forma de esqueleto de tijolos.
Gambiarras operacionais
Ultimamente tenta-se dourar a pílula. Áreas de estacionamento do Domo Corporativo recebem algumas dezenas de veículos, como a indicar que há cada vez mais ocupantes das salas comerciais. A maioria, entretanto, é formada por donos e funcionários de lojas do shopping vizinho. As aparências enganam, como se observa.
Ainda há muito a fazer no espaço deixado pela Tecelagem Tognato, leiloado pela Prefeitura de São Bernardo em circunstâncias que, dizem algumas fontes bem informadas, não passariam pela exigência ética quando um bem público está em disputa. Mas isso é outra história, uma história, a se confirmarem irregularidades, mais que manjada entre Poder Público e gigantes da construção civil, grandes financiadores oficiais e clandestinos de campanhas eleitorais.
Caos viário suspenso
Talvez a única notícia positiva nessa tragédia econômica seja a constatação de que o caos da mobilidade viária prevista para a região do Paço de São Bernardo foi adiado por tempo indefinido, ou seja, até que o estoque de escritórios comerciais e apartamentos seja completamente diluído. Estava previsto impacto de 50 mil pessoas e 20 mil veículos nos horários de pico nas imediações do empreendimento. Gente graduada da Prefeitura de São Bernardo não sabia o que fazer ante tamanha magnitude.
Especialistas do ramo dizem que o processo de decantação do Domo vai durar alguns pares de anos. Até porque, na vizinhança do próprio Domo, na Avenida Vergueiro, novas torres residenciais que estariam empacotadas sob a mesma denominação, embora separadas por larga avenida, também refletem um entusiasmo injustificado de corrida ao pote de ouro do mercado imobiliário. São algumas centenas de apartamentos à espera de moradores.
Faltam compradores, apesar de todas as facilidades patrocinadas por um governo federal que faz das tripas coração para tentar levantar um PIB moribundo (como escreveu com precisão a revista The Economist, para desgosto da presidente Dilma Rousseff) através da construção civil.
A bolha imobiliária que já existe em vários cantos do País com micos semelhantes aos do Domo, deverá multiplicar-se. Até porque, bolha imobiliária, assim como desindustrialização, tem várias faces. Algumas mais salientes, mais facilmente apontadas e comprovadas. Outras, mais dissimuladas, produzem desastres mais abrangentes.
Balanço farsesco
Quem esperar que a direção da pobre Associação dos Construtores do Grande ABC, ramal da Construtora MBigucci, tratará esse assunto com a seriedade esperada, no suposto balanço anual programado para esta semana, conforme divulgou um boletim oficial da entidade, vai quebrar a cara. O presidente Milton Bigucci é um mistificador de números e não tem representatividade principalmente dos pequenos e dos médios empreendedores imobiliários de São Bernardo, base ínfima da entidade, quanto mais da Província do Grande ABC.
A mídia da região sabe que não passa de massa de manobra para dar legitimidade a uma atuação farsesca, mas o faz com reverência entre outros motivos porque Milton Bigucci vende a ilusão, à maioria, de que é o agente da felicidade de inserções publicitárias.
Não há ônus maior para a Imprensa do que a quebra de confiança e de credibilidade dos leitores, mas o joguinho de faz-de-conta também interessa a quem, nessa mesma mídia, tem estoque imobiliário a ser supostamente valorizado. Se os Marinhos seguem essa cartilha no Rio de Janeiro, porque aqui seria diferente?
O tempo vai provar que temos uma situação típica de semáforo vermelho à espera de motorista alcoolizado. São os crédulos consumidores de imóveis que pagam a conta dos especuladores. E vão continuar a pagar, é claro, mesmo quando o barco virar. E vai virar. Aliás, já virou. Como prova o Domo. E tantos outros empreendimentos que, ao aportarem sob bases estatísticas alquebradas, imaginaram ter encontrado o Eldorado.
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21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?