Shoppings de verdade, shoppings de conceitos de shoppings, shoppings compatíveis com o consumidor disponível, shoppings assim cabem menos do que os já instalados. Não pretendo desfilar um mar de números e de estatísticas para solidificar esse ponto de vista, porque seria chover no molhado. Já temos, nesta revista digital, uma imensidão de dados que, a qualquer consulta, dirimem dúvida. O que posso dizer e escrever é que não há espaço com rentabilidade sonhada para os sete shoppings em atividade e para um oitavo, em fase final de construção na Avenida Kennedy, em São Bernardo.
O mais recente centro de compras da Província do Grande ABC foi inaugurado há poucas semanas e saudado como salvação da lavoura. A mídia não fez qualquer menção ao fato de o empreendimento ocupar ampla área que produzia riquezas e salários elevadíssimos, no caso a Brastemp, que se mandou para o Sul do País. Estava a empresa cansada de guerra do Custo ABC, como se consagrou a expressão que quer dizer mais ou menos o seguinte para os não iniciados em Economia: tudo o que se pode fazer na indústria de transformação fora daqui a custo bem inferior não tem razão alguma de continuar a ser feito aqui. Elementar.
Lembrar que o São Bernardo Plaza Shopping, na Avenida Rotary, foi instalado em parte do terreno da Brastemp (a outra parte é ocupada pelo Wal-Mart, um hipermercado que favorece o consumo, não a produção) é crime de lesa-região. Há um tratado não escrito que determina a omissão sobre tudo que supostamente torne negativo qualquer noticiário econômico.
Jornal lembra passado
A única publicação que não encarou a chegada do novo empreendimento como mais uma prova de pujança da região, porque essa é a máxima triunfalista, foi o Diário Regional que, dia seguinte à inauguração, meteu um título-síntese da preocupação que todos deveriam ter com o futuro da região, já que o presente foi há muito tempo para a cucuia: “Após 32 anos e dois fracassos, São Bernardo ganha 2º shopping”. O texto escrito pelo experiente jornalista Anderson Amaral, contextualiza uma realidade histórica que os industrializadores de marolas adoram atirar sob o tapete. “Trinta e dois anos e meio após o surgimento do Metrópole, São Bernardo ganha, finalmente, segundo shopping de grande porte. Depois de tentativas frustradas de emplacar o Best (aberto em 1987 e fechado em 99) e o Golden Shopping (inaugurado em 88 e fechado 19 anos depois), a cidade conheceu ontem (13) o São Bernardo Plaza, que nasce como o maior do Município” -- escreveu o Diário Regional.
Nenhuma outra reportagem sobre o empreendimento teve sinalização de cautela. O que mais se observa no jornalismo verde e amarelo é um oba-oba acrítico neste tipo de cobertura. Confundem os profissionais de comunicação o tom que se deve dar a coberturas diferentes. Quando se produz um case, que consiste em mostrar o sucesso comprovado de um empreendimento, o tom é necessariamente positivista, até porque há todo o sentido em repassar uma didática empreendedora que merece ser observada. Cansei de escrever e de aprovar cases corporativos, sociais e governamentais à frente da revista LivreMercado e de outras publicações. Entretanto, quando se trata de um novo empreendimento econômico, a análise deve ser mais abrangente, contextualizada à situação regional, no caso da Província do Grande ABC.
No caso específico do São Bernardo Plaza Shopping, a imprensa deixou escapar uma grande oportunidade de comparar períodos econômicos a distinguir a ocupação daquele espaço. A Brastemp substituída por Wal-Mart e agora por um centro de compras foi o desenlace nefasto de extravagâncias sindicais que colocavam no mesmo balaio de gatos de reivindicações de empresas de tamanhos diferentes como também de atividades sem parentesco como as montadoras de veículos, núcleo de reivindicações dos metalúrgicos. A Brastemp foi embora de São Bernardo porque não suportou os custos sindicais, as ofensivas sindicais e os destemperos sindicais dos metalúrgicos com os olhos e os bolsos postos nas multinacionais automotivas.
Marinho implacável
Estou organizando melhor meus arquivos e vou encontrar um artigo escrito com excessiva hostilidade pelo então sindicalista Luiz Marinho a propósito da retirada daquela indústria de São Bernardo. O agora prefeito de São Bernardo fez duríssimas críticas aos responsáveis por aquele empreendimento. Esqueceu que os metalúrgicos trataram uma indústria de eletrodomésticos como se produtora de veículos fosse. Como esperar relação diferente se pequenos e médios empresários industriais também foram empacotados e carimbados pelos metalúrgicos com base no poder de fogo das poderosíssimas montadoras de veículos?
Sintomaticamente, Luiz Marinho não compareceu à inauguração do São Bernardo Plaza Shopping. Foi representado pelo vice-prefeito, o forrozeiro Frank Aguiar, que de economia regional e de sindicalismo não entende patavina. Dizem que Marinho estava em compromisso, ou em férias. Seja lá o que for, provavelmente fez tudo mesmo para desvencilhar-se do evento, cujas lembranças provavelmente não o agradam entre outros motivos porque houve excessos evidentes, quando não discriminação do trabalho ao capital.
Sofrível mesmo é que num amplo espaço que contribuiu imensamente para o enriquecimento de São Bernardo, festeje-se ruidosamente a chegada de um centro de consumo que agrega tão pouco valor ao conjunto da sociedade. Mais que isso: um centro de compras sofisticado demais para aquela área do Município, cercada por populares sem apetrechamento financeiro para frequentar com certa assiduidade aqueles amplos corredores e aquelas lojas de Primeiro Mundo. Uma loja que comercializa camisa de grife preferida por 10 entre 10 celebridades dará com os burros nágua porque não terá fluxo de consumidores para segurar a onda.
Aliás, não é só o São Bernardo Plaza Shopping que cairá na real de que a Província do Grande ABC não tem massa de consumidores de classe média alta para sustentar vários empreendimentos. O Parkshopping São Caetano está comendo o pão que o diabo amassou. Vários aspectos que não interessam ser destrinchados agora levam à conclusão de que o Parkshopping está duplamente no lugar errado: numa São Caetano de apenas 150 mil habitantes sem a cultura de consumo local e encalacrada numa geografia de difícil acesso logístico.
Competição regional
Se não mudarem o mix de produtos, tanto o Parkshopping quanto o São Bernardo Plaza vão acumular complicações. Algo pelo qual passou o antigo Shopping Mappin, rebatizado Shopping ABC, em Santo André, que, ao aportar no final dos anos 1980, imaginava encontrar público consumidor semelhante ao da elite do bairro paulistano do Itaim. Tanto o Shopping Metrópole, em São Bernardo, quanto o Shopping Grand Plaza, em Santo André, assim como o Shopping Mauá Plaza, converteram-se de imediato ao espectro de clientela massificada. No primeiro e no terceiro casos contando com a logística de beira de estação ferroviária e de terminais de ônibus. Já o Shopping Praça da Moça, em Diadema, também aportou com desenho físico e de investimentos adequado à realidade do Município, até então órfã desse tipo de estabelecimento.
Se fosse realizado um campeonato regional de shopping centers, que definisse os endereços menos rentáveis na região, apostaria as fichas no São Bernardo Plaza e no Parkshopping São Caetano. Colocaria alguma força no Metrópole, em parte canibalizado pelo São Bernardo Plaza que, por sua vez, não terá futuro se não mexer no mix de produtos. Pensando bem, estou restringindo minhas fichas ao Shopping ABC, ao Grand Plaza Shopping de Santo André, ao Mauá Plaza Shopping e ao mais modesto empreendimento localizado em Mauá. Acho que, portanto, ainda não perdi o juízo. Já o shopping que chegará à Avenida Kenedy, em São Bernardo, tudo indica que repetirá o fracasso do antecessor, o Golden Shopping, no mesmo endereço, embora com outro tipo de configuração societária e gerencial.
Sobre o desativado Best Shopping, também em São Bernardo, é melhor nem comentar porque não passa pelo crivo conceitual de shopping, tão pequeno era, e, sobretudo, pelo desenho organizacional, que substituía o princípio de controle administrativo sob o mesmo guarda-chuva empresarial por uma multiplicação de interesses difusos, contraditórios e pecaminosos de cotistas travestidos de administradores, aliás como o Golden Shopping. Ou seja: era um time de futebol com dois zagueiros e três atacantes – um time de futebol de salão metido a jogar futebol.
Total de 1894 matérias | Página 1
21/11/2024 QUARTO PIB DA METRÓPOLE?