Economia

Depois do Oeste, perigo para o
Grande ABC vem da Zona Leste

DANIEL LIMA - 05/01/2011

A economia e a estrutura social do Grande ABC melhoraram muito na primeira década do novo século, recuperando-se parcialmente do derramamento de sangue dos anos 1990 de abertura econômica, guerra fiscal ensandecida e outras epidemias. Mas essa boa notícia não pode esconder uma realidade: continuará a vir chumbo grosso por aí, o que exigirá do Grande ABC muito mais institucionalidade. Entenda-se institucionalidade como uma força coletiva, de Poder Público, Sociedade e Mercado, para enfrentar os desafios da segunda década deste século.


 


Depois de atingido duramente pelo Oeste da Região Metropolitana de São Paulo por conta da implementação do trecho do Rodoanel que contempla Osasco, Barueri e outros sete municípios próximos e vizinhos da Capital, o Grande ABC agora está ameaçado suplementarmente pela Zona Leste da cidade de São Paulo.


 


Tudo porque com a chegada do trecho sul do Rodoanel ao Grande ABC, e a inauguração da Avenida Jacu-Pêssego, a Prefeitura de São Paulo direciona atenção àquela região. O pelotão de valorização da Zona Leste é anunciado principalmente depois do lançamento do prometido estádio do Corinthians, em Itaquera. O local vai se converter em centro de atenções à Copa do Mundo de 2014. Servirá como palco do jogo inaugural do maior evento do planeta.


 


O governador Geraldo Alckmin está de olho na periferia da Capital, área em que o PT dominou as urnas nas últimas eleições. Por isso, entre muitas medidas, está decidido a criar um corredor exclusivo de ônibus na Jacu-Pêssego, avenida que liga Guarulhos a Mauá, passando por São Paulo. A ideia da equipe de governo é dotar a Zona Leste de um meio de transporte de média capacidade que atravesse o eixo norte-sul. Atualmente, as linhas de metrô e trem cortam aquela área de leste a oeste, direção que também será seguida pelo monotrilho da Cidade Tiradentes.


 


O jornal O Estado de São Paulo publicou recentemente que o projeto do BRT (Bus Rapid Transit), no qual o passageiro paga a passagem antes de embarcar em plataformas elevadas e faz quantas baldeações quiser, visa aproveitar os 13,6 quilômetros do Jacu-Pêssego entregues à população em outubro. O novo trecho da Jacu-Pêssego foi construído como via expressa, com três pistas de asfalto novo e sem semáforos. Não está descartada a adoção de um VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) ou mesmo um monotrilho para cortar a área transversalmente.


 


Um dos nomeados membros da equipe de transição do governo estadual e agora chefe da Casa Civil, Jurandir Fernandes, explicou que a Jacu-Pêssego vai funcionar como minianel viário e que muitos caminhões devem utilizá-la. E para que o BRT comece a funcionar é indispensável que o trecho leste do Rodoanel deverá estar pronto. A previsão é que o trecho leste terá obras durante 40 meses.


 


Avanços econômicos 


 


A Prefeitura de São Paulo promete avançar para valer no fortalecimento da Zona Leste. Chama-se Operação Urbana Rio Verde-Jacu a proposta que visa aumentar a oferta de empregos naquela área da Capital. A parte mais antiga da avenida tem cruzamentos e semáforos. Por isso o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Miguel Bucalem, pretende melhorias na ligação dos dois lados.


 


A operação urbana pretendida para a Zona Leste atinge 11 mil hectares e mais de um milhão de habitantes, espaço no qual a Prefeitura pretende construir três polos. O Polo Institucional, ao lado do Metrô Itaquera e do futuro estádio do Corinthians, seria formado por uma rodoviária interestadual, um Fórum de Justiça, um Senai, uma Etec (Escola Técnica Estadual) e uma Fatec (Faculdade de Tecnologia), que estão em fase de construção. Também seria reservado um espaço para uma incubadora, para alimentar o Parque Tecnológico, que é o segundo polo. O terceiro equipamento público projetado pela Prefeitura terá incentivos para a instalação de indústrias e empresas de tecnologia da informação e logística. Já está em fase de preparação uma Lei de Incentivos Fiscais que prevê descontos nos impostos municipais para quem instalar-se na área.


 


Se do lado Leste da Grande São Paulo, no território da cidade de São Paulo, configuram-se iniciativas incrementadas pela Copa do Mundo, no lado Oeste os resultados já são mais que palpáveis. O trecho oeste do Rodoanel é a prova provada de que muitos dos investimentos e dos empregos que deixaram o Grande ABC deslocaram-se para a chamada Grande Osasco.


 


Uma volta no tempo mostra bem o tamanho do rombo regional. Quando o Plano Real foi implantado, em 1994, o Grande ABC de sete municípios era 52% superior à Grande Osasco na geração de riqueza por habitante. Quinze anos depois, em dezembro de 2009, a situação era completamente diferente. A Grande Osasco passou a deter vantagem de 21,03% de geração per capita de riqueza produtiva, como é definido o Valor Adicionado, principal indicador na composição do PIB (Produto Interno Bruto).


 


A medição da produção de riqueza pelo critério per capita é a melhor maneira de aferir o potencial de investimentos com influência econômica numa determinada área municipal, regional, estadual ou nacional. Os valores absolutos de riqueza, quando confrontados com a respectiva população, são uma das formas mais seguras de ponderar determinados juízos de valor.


 


Tempos de mudanças


 


Em 1994, quando o Plano Real foi criado, o Grande ABC registrou em valores atualizados a dezembro de 2009 nada menos que R$ 61,9 bilhões de Valor Adicionado. Dividindo-se aquele montante pela população de então, de 2.042.631 habitantes, chega-se a R$ 30.304,50 per capita. Do outro lado do jogo, a Grande Osasco (Pirapora do Bom Jesus, Itapevi, Jandira, Barueri, Carapicuíba, Osasco, Cotia e Santana de Parnaíba) apontava números bem mais modestos, igualmente atualizados: R$ 18,7 bilhões. A riqueza per capita de uma região que contava com 1.303.181 habitantes, chegava a R$ 14.349,50. Uma vantagem de 52,65% para o Grande ABC.


 


Quinze anos depois, em dezembro de 2009, o Grande ABC registrou Valor Adicionado de R$ 53,9 bilhões para um total de 2.354.722 habitantes, ou R$ 22.890,17 per capita. Uma queda de 24,47% em relação a 1994. Já a Grande Osasco registrou Valor Adicionado de R$ 39,8 bilhões em 2009, para uma população de 1.695.920 habitantes, ou R$ 23.468,09 per capita. Um avanço de 63,54% em uma década e meia. A demografia da Grande Osasco minimizou os efeitos da disparidade de forças entre as duas regiões, porque cresceu 30% no período, enquanto o Grande ABC não passou de 15%. Mesmo assim, o que era vantagem de 52% se transformou em desvantagem de 2,52%.


 


Num outro quesito que mede a temperatura econômica, e também numa variável de tempo diferente dos valores apontados do Valor Adicionado, o Grande ABC não perde a vantagem para a Grande Osasco. Trata-se do Índice de Potencial de Consumo, especialidade da IPC Marketing e espécie de PIB do consumo. Comparando-se os dados de 1999 com os projetados para 2010, o Grande ABC terminará o ano com vantagem de 39,7% em números absolutos. Quando transposta para a acumulação de salários e rendimentos por habitantes, a média regional é 22,60% superior.


 


Medidor de consumo


 


Índice de Potencial de Consumo é resultado de riquezas em forma de salários e rendimentos de capital que se acumularam ao longo do tempo. Em resumo, é o que a população de uma determinada localidade tem para gastar numa temporada de 12 meses. E só tem para gastar porque juntou os recursos de geração em geração. O Grande ABC é mais rico que a Grande Osasco porque o passado de desenvolvimento econômico dos sete municípios locais é mais consolidado que o da maioria dos municípios da Grande Osasco. Marcos Pazzini, diretor-executivo da IPC Marketing, explica: "Potencial de Consumo é um transatlântico de movimentos lentos em direção a águas tranquilas ou a um iceberg". No caso, o Grande ABC vem perdendo força faz muito tempo, a Grande Osasco vem registrando avanços há pelo menos uma década, mas a diferença que separava as duas áreas não se desfaz num passe de mágica.


 


Em 1999 a Grande Osasco de 1.669.393 habitantes contava com potencial de consumo de R$ 8,203 bilhões, o que dava a média per capita de R$ 4.915. O Grande ABC de 2.323.565 habitantes contava com potencial de consumo de R$ 13,794 bilhões, média per capita de R$ 5.938. Em 2010 a Grande Osasco de 2.042.557 habitantes conta com potencial de consumo de R$ 26,921 bilhões, média per capita de R$ 13.183. O Grande ABC de 2.624.142 habitantes conta com potencial de consumo de R$ 44,967 bilhões, média per capita de R$ 17.038.


 


O espalhamento socioeconômico retratado pelo IPC Marketing mostra que o Grande ABC conta relativamente com maior número de residências de Classe Média-Alta e de Classe Média-Média, enquanto a Grande Osasco reúne mais Classe Média-Emergente e Baixa Renda.


 


Em 1999 a Grande Osasco contava com 4,04% de Classe Média-Alta, contra 6,17% do Grande ABC. Na Classe Média-Média eram 23,34% das residências da Grande Osasco, contra 31,36% do Grande ABC. Na Classe Média-Emergente eram 44,39% na Grande Osasco e 38,23% no Grande ABC. E na Baixa Renda eram 28,21% na Grande Osasco e 24,22% no Grande ABC. Em 2010 a Grande Osasco contava com 5,01% de Classe Média-Alta contra 6,97% do Grande ABC. Na Classe Média-Média são 34% na Grande Osasco e 37,48% no Grande ABC. Na Classe Média-Emergente são 45,95% na Grande Osasco e 42,93% no Grande ABC. E na Baixa Renda são 28,21% na Grande Osasco e 24,22% no Grande ABC.


 


O confronto entre domicílios das duas regiões confirma o avanço demográfico da Grande Osasco, que em 1999 contava com 428.924 residências, contra 619.205 do Grande ABC e em 2010 chegava a 580.366 contra 779.964 do G-7.


 


Batalha perdida


 


A derrocada do Grande ABC para a Grande Osasco começou quando perdeu a batalha política para iniciar as obras do Rodoanel pelo território regional no final dos anos 1990. Uma derrota que custou caro. Mas quem imagina que o Rodoanel sozinho fará verão desconhece a gama de instrumentos que promovem desenvolvimento econômico. O Grande ABC não dispõe de vastidão de áreas competitivas para atividades econômicas que escanteiem as vantagens relativas de outros municípios do Estado, principalmente da chamada Grande São Paulo Expandida, também beneficiada pela proximidade do Rodoanel.


 


Além disso, o trecho sul do Rodoanel tem baixa inserção econômica na estrutura regional por contar com apenas três alças de acesso -- Imigrantes, Anchieta e Mauá -- e mesmo assim distantes da maioria dos empreendimentos industriais, com os quais poderia manter maior integração logística. Condicionalidades ambientais foram cuidadosamente acopladas ao traçado do trecho sul, uma estrada fechada à especulação imobiliária mais exacerbada.


 


Situação bem diferente da registrada na Grande Osasco. O trecho oeste do Rodoanel é mais integrativo com 13 acessos. O caos logístico interno do Grande ABC, de ruas e avenidas acanhadas, interpõe-se à necessária redução de tempo e de custos de operações logísticas. Os terrenos disponíveis na Grande Osasco estão mais próximos e menos embaralhados em relação ao trecho sul do Rodoanel do que operação semelhante no trecho sul nos extremos de Diadema, São Bernardo, Santo André e num traçado excessivamente especulativo do Polo de Sertãozinho, em Mauá.


 


Embora o trecho sul do Rodoanel tenha sido liberado ao tráfego desde o primeiro dia de abril, quando inaugurado pelo então governador José Serra, nenhum estudo comprovadamente científico foi levado a campo para regionalizar dados do grau de interação da obra com o Grande ABC.


 


Quantos caminhões que passaram a ocupar o trecho sul do Rodoanel se dirigem aos municípios do Grande ABC como suporte econômico? E quantos saem do Grande ABC em direção ao Interior com o mesmo objetivo? Quantos veículos pesados se utilizam do trecho sul para atingir a Baixada Santista? Empiricamente, é notório o prevalecimento da rota São Paulo-Baixada Santista, onde o Porto de Santos é o maior escoadouro nacional de produtos exportados.


 


A possibilidade de que o trecho sul do Rodoanel tenha dupla face não pode ser subestimada.


 


Mais que isso: precisa ser levada a sério. O possível destino de na prática o trecho sul do Rodoanel apresentar peso menor no estímulo à produção de riqueza local e maior na evasão industrial não é catastrofismo. Pesam nesse sentido vantagens comparativas de empresas que poderiam deslocar produção a áreas menos onerosas quando se contabilizam vantagens e custos de estar no Grande ABC. A proximidade com o Porto de Santos que, de fato, era uma vantagem competitiva do Grande ABC sem o trecho sul do Rodoanel, acabou tornando-se mais democrática para empreendedores de outras geografias, beneficiados pelo traçado que começa no trecho oeste para quem chega na Capital.


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