Imprensa

Afinal, que aparelhamento político
é esse que só vale para os petistas?

DANIEL LIMA - 05/02/2013

Desconfio de que esteja a precisar de um neurologista. Quem sabe de um geriatra, ou de um psiquiatra, de um pai de santo ou de qualquer especialista que desvende as ramificações cognitivas de minha mente. Desconfio sobretudo de que desaprendi tudo da prática de jornalismo. E que esteja tão ultrapassado que nem deveria escrever estas linhas e tantas outras. A manchete do Diário do Grande ABC de ontem, segunda-feira, me deixou atordoado. Acho que estou fora de forma, que a banda passou sem que me tenha dado conta.


 


Explico. O Diário do Grande ABC elevou à manchete principal de primeira página, espaço mais nobre de uma publicação, o seguinte título: “Ex-candidato petista vira diretor do AME Santo André”. Para quem como eu lê tudo, AME Santo André não significa nenhum slogan de louvação ao Município mais empobrecido nos últimos 40 anos no território nacional. É sim a sigla de Ambulatório Médico de Especialidades, que, como diz o jornal, é um equipamento público custeado pelo governo do Estado.


 


Imaginei com a imaginação antenada de sempre que havia uma maracutaia estrondosa resumida naquela manchete. Primeiro porque os petistas andam carimbados depois do mensalão. Segundo porque não é possível acreditar que se coloque no topo de uma edição algo que não seja muito importante. Seria o nomeado um petista incompetente, quem sabe um pirata, um malversador do dinheiro público, ou o pecado que lhe seria possível imputar não passaria das cercanias partidárias, ou seja, um petista instalado sorrateiramente num instrumental público do governo tucano de São Paulo. E foi exatamente isso o que se deu.


 


Sob esse ponto de vista, se era para errar na dose da suposta aberração, pelo menos que se tivesse mais precisão, impacto e comunicabilidade na manchete. Que tal algo assim: “Petista de carteirinha vira diretor de ambulatório médico tucano”. Gostaram? Que tal: “Fuabc dribla Alckmin com nomeação petista no setor de saúde paulista”. Há muitas variáveis mais apropriadas, mas não consigo encontrar uma sequer que ao menos camufle a bobagem conceitual da matéria. 


 


Apenas retaliação


 


A reportagem com ares de denúncia do Diário do Grande ABC não passa de retaliação à Administração Luiz Marinho. O petista está na alça de mira da publicação por conta da aproximação da direção do jornal com o governador Geraldo Alckmin. Nada contra o Diário do Grande ABC aliar-se aos tucanos, desde que deixe evidenciado em editorial aos assinantes e leitores. Este jornalista não precisa desses cuidados éticos do jornal. Decifro cada linha a cada edição não só do Diário, mas de tantas outras publicações. Mas para os leitores comuns seria mais honesto abrir o jogo -- com o fazem várias das principais publicações de várias partes do Primeiro Mundo.


 


Luiz Marinho tem tantos percalços mais incômodos na Prefeitura de São Bernardo que, provavelmente, deve estar a comemorar os exageros de ontem do Diário. Exageros e contrassenso, porque o médico nomeado em questão é dono de uma ficha profissional, segundo se depreende da própria matéria, mais que satisfatória para aquele cargo. O pecado do anestesiologista José Eduardo Charles é que é petista e se candidatou a vereador em 2008, em São Bernardo, tendo obtido 1.783. Na disputa eleitoral deste ano ele despendeu R$15 mil para ajudar oficialmente a campanha de Francisco Chicão Pereira Filho, candidato do PT ao Legislativo de São Caetano. Também o médico cometeu o pecado de ter um histórico profissional e político intimamente ligado ao PT. É condenado de antemão à exclusão das fileiras públicas não petistas porque resolveu vestir a camisa vermelha e sair por aí.


 


A tentativa de desqualificar a indicação da subchefia do AME de Santo André atingiu também o presidente da FUABC (Fundação do ABC), Mauricio Mindrisz, indicado ao cargo pelo prefeito Luiz Marinho, como explicitou o Diário do Grande ABC. A FUABC, diz o jornal, administra o AME de Santo André desde 2010, quando o prédio hospitalar foi inaugurado. Mindrisz é um velho amigo de Ronan Maria Pinto, presidente do Diário do Grande ABC. Saiu em defesa da indicação com a costumeira paciência didático-explicativa. Atribui a escolha ao colegiado da Fundação do ABC, mais precisamente à constelação de cardeais da Faculdade de Medicina daquele conglomerado de saúde. Completou a lista de qualificações do médico, acrescentando que se trata de profissional com atuação de mais de 20 anos no Hospital Anchieta e também a alguns pares de anos como presidente do Conselho Regional de Medicina. Em suma, João Charles é um quadro técnico de valor.


 


O que se pergunta, com a inocência angelical de quem acredita que pelo menos os cargos técnicos da Administração Pública são pautados por critérios meritocráticos, é o seguinte: Por que o médico em questão não pode ser diretor de um equipamento gerido por uma agremiação política diferente daquela à qual está filiado e atua como militante se o reverso da moeda conceitual segue a mesma trilha? Ou seja, não haveria espanto se o indicado fosse um tucano, pouco se importando para a experiência do profissional?


 


Mais que isso: para os militantes tucanos, apenas para os militantes tucanos e seus aliados, a indicação do médico petista poderia gerar ambiente de animosidade sem que se pudesse negar o direito de espernear, porque a distribuição de cargos aos aliados é a norma da casa política. Mas, em se tratando de um jornal, a tentativa de escandalizar o distinto público teve o efeito prático de um autêntico tiro no pé. Afinal, por que o Diário do Grande ABC estrilou contra uma indicação técnica comprovadamente qualificada para atuar na administração de um equipamento público que circunstancialmente está sob o guarda-chuva partidário do PSDB? A ocupação de uma função técnica é “aparelhamento” político apenas quando se trata do PT ou a métrica restritiva vale para todos? 


 


Chego à conclusão que o Diário do Grande ABC perdeu uma ótima oportunidade para transformar todos aqueles insumos em matéria de cunho jornalístico salpicada de ironia, porque, no fundo, o que temos mesmo é uma baita barbeiragem do governo do Estado e uma baita esperteza dos petistas da região comandados por Luiz Marinho. Ou alguém duvida que, à parte todas as qualificações técnicas do médico em questão, pesou também a militância partidária dele quando submetido a um escrutínio seletivo de integrantes da cúpula estatutária da Fundação do ABC? Uma indicação politica e técnica como a quase totalidade dos gestores públicos nas singularmente diferenciada porque o PT deixou o PSDB a ver navios.


 


Ao escandalizar e seletivizar o que chama de “aparelhamento” político de um equipamento público, o Diário do Grande ABC acusou o golpe no queixo desferido pelos petistas e passou recibo em nome do governador Geraldo Alckmin que, na edição desta terça-feira, anuncia nas páginas do jornal a intenção de revogar a nomeação do médico petista. O jornal não explica como, mas certamente os critérios deverão ser semelhantes aos que levaram o anestesiologista àquele cargo: qualificações técnicas que se somariam a engajamento partidário. Manter-se-á o Diário sobre os tamancos das manchetes e também condenará o governador? Claro que não. O que lhe interessa de fato é o engajamento dócil no esquema de preparação para o embate eleitoral do ano que vem que tem petista e tucanos, mais uma vez, como principais contendedores? 


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