O mercado imobiliário de São José dos Campos, Sorocaba e Campinas é mais dinâmico que o do Grande ABC. É claro que o presidente da Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC), o empresário Milton Bigucci, não vai fazer esse tipo de análise para a mídia regional. Afinal, há uma convergência entre o mandachuva dos construtores do Grande ABC e a Imprensa adocicada com recursos publicitários.
Ontem mesmo o Diário do Grande ABC deu manchete principal de primeira página (”Somos um canteiro e obras”) que só perdeu em triunfalismo para o texto e para a legenda da foto espetaculosa de espigões selecionados para justificar o entusiasmo. A mesma primeira página em que o jornal condena com razão o dinheirão que se pretende aplicar em publicidade para divulgar o Clube dos Prefeitos. Mas isso é outra história.
Quem leu acriticamente o anúncio publicitário (desculpem, a matéria supostamente jornalística) foi induzido a acreditar que o Grande ABC conta com 8.728 edificações em construção. Esse número se refere a lançamentos de unidades de apartamentos no ano passado. Edificações são outros quinhentos. Um prédio residencial com 80 apartamentos é uma edificação, não 80 edificações. Essa é a conceituação técnica, menos quando se pretende vender gato por lebre. A manchete, a linha auxiliar da manchete, a foto e a legenda de primeira página, além do texto da chamada, induziram os leitores a acreditar que estamos na China. Lá sim há cordilheiras de espigões a desafiar os céus e as maiores potências econômicas que patinam sem parar.
O nó cego do jornalismo regional, seja regional aqui ou em qualquer outro lugar do planeta, é vestir a couraça do provincianismo, girando em torno de si próprio. Por isso lá atrás fundei o IEME (Instituto de Estudos Metropolitanos), com dados inéditos em 15 quesitos financeiros, econômicos, sociais e criminais dos municípios mais importantes do Estado de São Paulo. Por falta de apoio de patrocinadores, porque o Grande ABC é estéril em comprometimento que não seja com o lucro de baixa sustentabilidade social, o projeto está já há algum tempo desativado. Foi levado adiante com profissionalismo voluntário.
Por ser provinciano, o jornalismo do Grande ABC, como todo jornalismo regional, repito, só olha para o próprio umbigo. O Instituto de Estudos Metropolitanos não foi catapultado a novos vôos porque eventuais apoiadores também comungam com a ideia de que é melhor olhar para o próprio rabo e esquecer o resto. Afinal, quanto mais se comparam, mais desafios surgem no horizonte.
Por essas e outras Milton Bigucci e outros dirigentes empresariais que gostam de manipular dados jogam com estatísticas muitas vezes descabidas. O número de lançamentos imobiliários num determinado período e numa determinada região não quer dizer muita coisa. Seria muito mais consistente estudo que cruzasse metros quadrados construídos, geração de emprego e tantos outros indicadores setoriais, confrontando-os com outras regiões geográficas. Mesmo assim se corre muitos riscos, porque há especificidades que precisam ser descobertas e consideradas. Por exemplo: o estoque de mão de obra de construção civil em São Caetano, que contamina os números do Grande ABC, é irreal. A guerra fiscal no setor de serviços trouxe para São Caetano uma e outra empresas do setor que registram seus trabalhadores como se do Município fossem, embora a maioria atue em outros locais, principalmente a Capital. São, portanto, empregos virtuais.
Por que será que Milton Bigucci não abre a metodologia das estatísticas que desfila garbosamente? Por que não submete os dados à Imprensa mais responsável, a representações da sociedade civil? Porque ninguém não está nem aí com a hora do Brasil.
No caso que me leva à manchete deste texto, coloco frente a frente o estoque de empregos na construção civil do Grande ABC em 2009, os mais atualizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com os daqueles três municípios do Interior, sedes das regiões metropolitanas de Campinas, Sorocaba e São José dos Campos. Embora a soma desses três municípios represente quase 300 mil habitantes a menos, ou perto de 80 mil residências, o mercado de trabalho do setor é muito mais dinâmico.
Somado, o G7, ou seja, o Grande ABC, atingiu em 2009 estoque de 34.687 empregos de construção civil com carteira assinada. Já o G3, Campinas, Sorocaba e São José dos Campos, chegou a 43.400 postos de trabalho. Nada menos que 8.713 trabalhadores a mais, ou 20% sobre o Grande ABC. Querem saber o que significam 8.713 trabalhadores de vantagem? É a soma de Santo André, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Ou seja: do tamanho do G10, os sete municípios do Grande ABC, mais um repeteco de Santo André, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Com uma São Caetano, uma Ribeirão Pires e uma Rio Grande da Serra a menos em população. Aquelas 300 mil pessoas às quais me referi.
Se é comprovadamente correto que o mercado imobiliário traduz o dinamismo de um determinado Município e também de determinada região, está mais que consumado que o G3 é muito mais atrativo economicamente que o G7.
E alguém tem dúvida? Vejam bem que estou confrontando uma região inteira com três municípios isolados entre si. Se o conceito fosse o mesmo, isto é, de região com região, a desvantagem do Grande ABC seria ainda maior. São José dos Campos, Campinas e Sorocaba são sedes formais ou informais de regiões metropolitanas interioranas, as quais se expandem em ritmo alucinante. Tanto que esses três municípios crescem muito menos que muitas das cidades-satélites. Já escrevi sobre a descentralização econômica dessas áreas. O problema do Grande ABC é que a descentralização econômica provoca rombos, porque somos periferia da Capital tão próxima.
Reuni muitos outros dados comparativos regionais e municipais entre o G7 e o G3 na área de construção civil, mas não cabe esmiuçá-los neste espaço. Tenho-os num caderno de capa amarela. Costumo guardar as estatísticas em papel, para mobilidade de consulta. Quando o caderno já não comporta mais anotações, coloco-o cuidadosamente num espaço à mão para eventuais consultas.
Duvido que Milton Bigucci tenha esse tipo de preocupação e inquietação. Ele está à frente da Associação dos Construtores como espécie de mestre sala de interesses particulares e direcionadamente corporativos. Essa é uma das queixas de muitos pequenos e médios empresários da construção civil que querem ver Milton Bigucci pelas costas. A imprensa faz de conta que não sabe de nada disso e concentra baterias de lantejoulas no dirigente. Mal sabe que está aprofundando uma dependência nociva porque lustra as botas de egocentrismo do dirigente em detrimento do conjunto da classe dos produtores de imóveis.
A Associação dos Construtores dirigida por Milton Bigucci deveria ser um endereço cerebral, não um reduto de compadrismos e favoritismos. Mesmo sem contar com instituições muito diferentes da Acigabc, porque as digitais da inoperância de entidades de classe são semelhantes, São José dos Campos, Campinas e Sorocaba estão avançando cada vez mais na demanda de investimentos entre outras razões porque a biruta há muito virou. O Interior tem terras demais a serem ocupadas.
Encalacrado pelos mananciais e pela Serra do Mar, sem espaço para crescer e deslocado do eixo de desenvolvimento da Grande São Paulo, em direção às regiões Oeste de Osasco e outros municípios, o Grande ABC vive do canto de cigarras sob o aplauso emburrecido e interesseiro de uma atividade social — o jornalismo — que não pode ser confundida com balcão de negócios.
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17/09/2024 Sorocaba lidera RCI, São Caetano é ultima