Economia

Qual será o futuro do Pólo
Tecnológico de São Caetano?

DANIEL LIMA - 21/10/2002

O desmoronamento do modelo de guerra fiscal no setor de serviços que consagrou Barueri e que São Caetano xerocou com amplo sucesso nos últimos anos parece ser o destino mais evidente depois que a emenda constitucional fixando em 2% a alíquota mínima do ISS foi aprovada pelo Congresso Nacional.


 


Embora se argumente que gerenciadores públicos sempre dão jeitinho de driblar a legislação, agora salvaguardada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o fato é que a Capital paulista deverá retomar parte das empresas que escapuliram do território porque se negou a entrincheirar-se na disputa por meios pouco éticos.


 


Tanto que a prefeita Marta Suplicy já encaminhou projeto de lei ao Legislativo para rebaixar alíquotas ao mínimo constitucional em atividades que são os pontos fortes também da vizinhança. O que se coloca em dúvida é: o que vai acontecer com o chamado Pólo Tecnológico de São Caetano, no Bairro Cerâmica?


 


O projeto foi lançado com pompa e circunstância há mais de um ano num Teatro Paulo Machado de Carvalho coalhado de convidados e recentemente se assinou o contrato de intenções. Esqueceram de combinar as regras do jogo com o Congresso Nacional e também com Marta Suplicy, porque grande parcela do escopo de atratividade estava consolidado na guerra fiscal.


 


A procura de empresas de leasing, de informática e de consórcios, entre outros setores de larga escala do setor terciário, estruturou-se na plataforma persuasiva de ISS rasteiro. A política tributária da Prefeitura de São Caetano, de ganhar na quantidade de valores financeiros, foi mimetizada de Barueri. E muito bem mimetizada, porque a perda quase que total de indústrias e as exigências de uma população homogeneamente de classe média recomendavam alternativa de fontes de receitas orçamentárias.


 


Resta saber agora, diante da forte tendência do projeto do Bairro Cerâmica tornar-se inexequível, o que será feito daquela imensa área. Ou melhor, para não dizerem que se trata de leitura pessimista: o que a Prefeitura de São Caetano e o Conselho de Desenvolvimento Econômico vão fazer para, diante da constatação legal de que a bola do jogo é do mesmo tamanho para todos os competidores, como será possível dominá-la de forma minimamente competente para fazer os gols esperados?


 


Seria descabido acreditar que o vice-presidente do Conselho de Desenvolvimento Econômico de São Caetano, o empresário, médico e dirigente do conglomerado Ciesp/Fiesp, Fausto Cestari Filho, esteja comemorando a redução do potencial destrutivo da guerra fiscal no setor de serviços?


 


Se for coerente com o que afirmou há seis anos, no dia 15 de novembro de 1996, em entrevista publicada no Diário do Grande ABC, Fausto Cestari Filho não terá o que lamentar com a possibilidade de o Pólo de Tecnologia do Bairro Cerâmica vir a ser reestruturado, quem sabe cedendo espaço a um condomínio residencial de luxo.


 


Que disse Fausto Cestari Filho, então coordenador-geral do Fórum da Cidadania, naquele novembro de 1996? Leiam o texto do Diário do Grande ABC:


 


 "A guerra fiscal entre os municípios do Grande ABC -- com a redução da alíquota do ISS desencadeada pelos prefeitos eleitos Gilson Menezes (Diadema) e Luiz Tortorello (São Caetano) -- foi criticada ontem pelos outros prefeitos eleitos da região e pelo coordenador do Fórum da Cidadania, o empresário Fausto Cestari Filho. O coordenador do Fórum e três prefeitos eleitos, Celso Daniel, Oswaldo Dias e Maria Inês Soares, defenderam um acordo regional, através do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, visando a união das sete cidades com a implementação de alíquota única. Caso isso não seja possível, Cestari disse que, pelo menos, deveria ser feito um pacto entre os prefeitos para definir as alíquotas do imposto a ser cobrado pelos municípios. Cestari lembrou que o Fórum tem defendido que a questão tributária seja objeto de discussão conjunta entre os sete prefeitos: "O ideal é que desse acordo saia a redução tributária. A redução de impostos é um incentivo para fixar empresas na região e trazer outras. Mas não deve ser aberta uma guerra fiscal entre os municípios da região" -- afirmou ao Diário do Grande ABC de seis anos passados.


 


Camisa da regionalidade


 


Nada melhor do que o tempo para mostrar quem está realmente atento ao Grande ABC como unidade que inexiste ou preocupa-se apenas com seus próprios botões. No caso específico da guerra fiscal, não foi apenas Fausto Cestari Filho que abandonou a luta integracionista, optando como tantos outros pelo municipalismo autárquico combinado com o corporativismo atávico. Os prefeitos, de maneira geral, trataram de cuidar de seus respectivos interesses. E não apenas na área de serviços, mas também no setor industrial. O que era abominado como símbolo de irresponsabilidade regional passou a ser cultivado descaradamente.


 


No dia 13 de setembro deste ano publicamos matéria exclusiva sobre o desempenho dos municípios da região na arrecadação de ISS. A participação per capita de São Caetano revela o impacto das medidas do prefeito Luiz Tortorello logo após assumir o cargo em 1997: são R$ 225 de ISS por morador da cidade. São Bernardo, também adepta do chamamento de empresas de leasing principalmente, está em segundo com média per capita de R$ 89,64. Os demais municípios não atuaram decididamente na atividade mas, na medida do possível, dão suas beliscadas. Até a pequenina Rio Grande da Serra tornou-se atrevida, retirando empresas de outros municípios da região. Agora com os 2% de alíquota mínima, dançou. 


 


Guerra fiscal insidiosa


 


A guerra fiscal em qualquer atividade, de serviços ou de produção industrial, é tremendamente insidiosa. Prejudica tanto os cofres públicos quanto os agentes econômicos. Para que uma Barueri e uma São Caetano, como outros municípios, ganhem adicionais de arrecadação, outros acabam por perder. No caso mais específico, a Capital paulista. Os agentes econômicos perdem também porque as corporações que se beneficiam da redução de determinado imposto tornam-se artificialmente mais competitivas que outras, estranguladas pela inviabilidade de transferência de endereço fiscal.


 


Para gerenciadores públicos pouco versados em desenvolvimento econômico sustentável, a guerra fiscal é terapia de efeitos imediatos que satisfaz interesses também imediatos. Na medida em que se compensa parte das perdas provocadas pela evasão industrial com o anestésico de aumento de receitas tributárias próprias, o gerenciador público escala espécie de montanha de altura não muita elevada. Já para os gerenciadores públicos mais dotados de discernimento, o alpinismo de ações concretamente direcionadas a incorporar valores agregados à produção de riqueza é algo mais arriscado, porém mais nobre e duradouro. 


 


A administração Luiz Tortorello e os dirigentes do Conselho de Desenvolvimento Econômico vão dar prova de que o Município não depende exclusivamente das vantagens agora já dinamitadas da guerra fiscal com o ISS para revitalizar uma economia que há muitos anos adernou. A resposta tem endereço certo: a imensa área reservada ao Pólo Tecnológico. Condomínio residencial é uma solução comercial mas não econômica para uma São Caetano que passa ano, entra ano, mais cai pelas tabelas do índice de participação do ICMS.


 


Reconhecemos as dificuldades da operação, diante da guinada tributária. Entre os muitos vetores que tornaram o Grande ABC menos competitivo para atrair investimentos está a construção do trecho oeste do Rodoanel, que deslocou o eixo do sistema logístico para o outro lado da Grande São Paulo. É por essas e outras que, ao perder o tiro certo da guerra de alíquota do ISS, São Caetano precisará de nova arma e de nova munição. E, pelo jeito, não há nenhum Fernandinho Beira-Mar disponível por estes lados. Principalmente depois que o outro Fernando passou por aqui e nos meteu ladeira abaixo.


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