Cinco meses depois do lançamento da Casa do Mercosul, primeira entidade do gênero no País vinculada à administração pública, São Caetano já contabiliza resultados. Diretor de Desenvolvimento Econômico do Município, o empresário Jerson Ourives projeta que até o final do ano a composição de um consórcio de micro e pequenas empresas de São Caetano inaugurará nova e decisiva etapa do cronograma de atuação do organismo -- o efetivo início de negócios internacionais com parceiros comerciais da Argentina, Uruguai e Paraguai.
A possibilidade de outros municípios paulistas adotarem entidade semelhante é perfeitamente viável, segundo o criador da Casa do Mercosul no Grande ABC. "Os pequenos negócios só conseguirão participar da internacionalização comercial se formarem consórcios, um modelo adotado com sucesso pelos italianos" -- reforça Ourives.
O formato da Casa do Mercosul de São Caetano é de simplicidade franciscana. Jerson Ourives é o único executivo. Acumula funções com a de diretor (secretário) municipal. Os poucos funcionários são igualmente originários da Diretoria de Desenvolvimento Econômico. A idéia de que o Poder Público é geneticamente perdulário não cabe no figurino da Casa do Mercosul. O pragmatismo de Ourives, forjado na livre iniciativa, explica a estrutura extremamente modesta.
A Casa do Mercosul é uma facilitadora de relações comerciais que já cadastrou perto de 80 empresas de pequeno porte de São Caetano. Colocar esses empreendedores na rota de exportações e importações é a síntese da entidade. Para isso, é indispensável a estruturação de um banco de dados que identifique informações estratégicas de cada empresa e estabeleça conexões de complementariedade com as demais interessadas.
Por isso, dia 20 de junho último formalizou-se a primeira parceria. O Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa) passará a dar suporte ao consórcio de exportação que está em fase de organização. O Banco do Brasil também vai se envolver na iniciativa. "Encher um contêiner de produtos não é fácil. Só um conjunto de pequenas empresas pode transformar as oportunidades em ações" -- define Ourives.
Em busca de alternativas
A Casa do Mercosul de São Caetano foi idealizada sobretudo porque Jerson Ourives considera importante buscar alternativas econômicas para micro e pequenas empresas de uma região como o Grande ABC, que passou por grandes transformações com a desindustrialização e o aumento das atividades de comércio e serviços. Isso não significa que outras regiões do Estado, que vivem realidade diferente, com investimentos que fortalecem as atividades industriais, não possam igualmente ser beneficiadas.
Para o diretor municipal de São Caetano, as pequenas empresas têm na extroversão de negócios grande possibilidade de desenvolvimento, seja qual for o contexto que as cerca: de ampliação da base industrial no Interior de São Paulo ou da competitividade feroz que caracteriza o Grande ABC, onde o processo de terceirização foi intenso nos últimos10 anos.
Nem mesmo a pouco feliz coincidência de a Casa do Mercosul ter sido lançada num período de refluxo das relações comerciais entre Brasil e Argentina, que respondem por mais de 80% da movimentação econômica desse bloco sul-americano, quebrou o entusiasmo de Jerson Ourives. Ele até reconhece que a entidade poderia ter sido criada antes da desvalorização cambial brasileira, no início de 1999. Mas preferiu a solidez de um planejamento minucioso, acostumado que está com a responsabilidade de obter resultados nos seus próprios negócios. "Viajamos muito para montar a Casa do Mercosul. Fomos em várias feiras internacionais, principalmente na Itália e na Argentina. Conhecemos de perto a realidade das pequenas empresas e o potencial de internacionalização" -- explica Ourives, que não tem dúvidas sobre o sucesso do projeto: "Temos casos interessantíssimos de pequenas empresas que só precisam de um empurrãozinho para ganhar o mercado estrangeiro. É disso que estamos tratando com o consórcio de exportação que poderá ser viabilizado com suporte logístico do Sebrae e do Banco do Brasil" -- confia.
O executivo da Casa do Mercosul tem 23 anos de experiência como superintendente do Codempe (Conselho de Desenvolvimento da Micro e Pequena Empresa) da Associação Comercial de São Paulo. Justamente como dirigente da ACSP Jerson Ourives foi convidado para uma palestra em São Caetano, da qual o prefeito Luiz Tortorello participou. Dias depois, no início de 1997, sem conhecer pessoalmente o prefeito, foi convidado a comandar a então recém-criada Diretoria de Desenvolvimento Econômico. "O prefeito tem oferecido todas as condições para fazer esse projeto decolar" -- garante. Jerson Ourives é diretor da Di-Som Produtos Eletrônicos, empresa fundada há 32 anos e com sede no Bairro do Ipiranga, na Capital, cuja especialidade pode ser aferida nos sistemas de som das unidades do Carrefour no Brasil e mais recentemente em Buenos Aires, na Argentina, além do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro e de uma diversidade de shoppings.
Pouca tradição
Apesar da expectativa positiva, Ourives reconhece que comércio internacional não é exatamente uma carne de primeira para a economia nacional. O Brasil tem um dos piores desempenhos no comércio mundial, segundo levantamento do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). Brasil, Argentina e Chile encontram-se em situação semelhante e contrastante com a realidade de Malásia, México e Coréia, notabilizados pela capacidade de exportar produtos disputadíssimos no mercado internacional.
O Iedi constatou que entre os 275 produtos nacionais de exportação pesquisados, apenas 30% estão entre os mais dinâmicos no mercado mundial. As vendas externas brasileiras crescem em ritmo abaixo da média. O estudo faz comparações entre os triênios 1982-1984 e 1996-1998 e revela que as exportações do Brasil aumentaram apenas 5,9%, enquanto a média mundial foi de 7,8%. Além disso, as vendas externas são extremamente concentradas nas grandes corporações: micro e pequenas embarcaram apenas 1,7% em 1999.
A pauta de exportações brasileira está envelhecida e a das importações está cada vez mais jovem. O descompasso é a marca dos produtos que o Brasil oferece ao mercado internacional e os que procura no Exterior. Nem sempre bem informado, o governo federal chegou a prever que o Brasil alcançaria superávit de US$ 11 bilhões em 2000 com a desvalorização do real. O resultado provavelmente estará muito distante do projetado -- não deverá passar de US$ 2 bilhões. Entre 1983 e 1993, o Brasil obteve superávits comerciais acima de US$ 10 bilhões. Depois, a sobrevalorização do real inverteu a situação. Em menos de cinco anos a pauta de produtos brasileiros envelheceu.
A situação de marginalidade do comércio internacional do Brasil também é detectada pela Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento). Falta competitividade, na avaliação do embaixador brasileiro Rubens Ricúpero, diretor da entidade internacional. O economista Pedro Sainz, da Divisão de Estatísticas e Projeções Econômicas da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), considera que, mais que as fortes barreiras comerciais impostas por países industrializados, o Brasil sofre de falta de oferta de itens competitivos.
Rubens Ricúpero, ex-ministro da Fazenda durante o governo Itamar Franco, lembra que, excetuando alguns produtos com alto valor agregado, caso dos aviões da Embraer, o Brasil não consegue competir nem mesmo com países como Coréia, Malásia e Tailândia, que igualmente enfrentaram crises econômicas e desvalorizaram as moedas. A Coréia conseguiu reverter o quadro deficitário no comércio exterior para um superávit de US$ 29 bilhões. Mesmo o caso da Embraer é emblemático da pobreza tecnológica do Brasil: 82% dos valores de exportação dos aviões produzidos em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, agregam peças e componentes importados.
Mais recursos
A possibilidade de melhorar o desempenho brasileiro no comércio exterior passa necessariamente pelas pequenas empresas, geralmente carentes de financiamentos. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) garante, através do chefe do Departamento de Relações com o Mercado, Guilhermo Franziani, que há todo o interesse em projetos viáveis e que possam oferecer retorno. Pequenas e microempresas brasileiras vão contar com R$ 14 bilhões este ano para financiamentos.
Grande parte -- R$ 8 bilhões -- virá do Programa Brasil Empreendedor. Os repasses serão feitos via Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste do Brasil e Banco da Amazônia, além do próprio BNDES. Outras parcelas virão do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), do BNDES e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), braço do Ministério da Ciência e Tecnologia.
O diretor do Departamento de Desenvolvimento Econômico e titular da Casa do Mercosul de São Caetano, Jerson Ourives, intensifica o cadastramento das empresas interessadas e também os acordos com Sebrae e Banco do Brasil justamente porque quer que micro e pequenos negócios tenham acesso simplificado aos recursos financeiros disponíveis. O alinhamento do Sebrae é automático, a julgar pelas declarações do diretor-técnico da entidade, Vinícius Lummertz: "É preciso que a burocracia e as exigências dos bancos não impeçam o acesso dos pequenos e microempresários aos financiamentos".
O exemplo dos pequenos italianos, mencionado por Jerson Ourives, está na essência da nova política de financiamento. Afinal, 95% das empresas italianas têm menos de 200 empregados, o que também se repete com 98% das 180 mil exportadoras, que respondem por 35% do valor total das exportações daquele país.
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